A
IMPORTANCIA DA DIFERENÇA[i]
Nahman
Armony
No diálogo “Banquete” de Platão vários
pontos de vista sobre o amor são apresentados por seus participantes. Aristófanes,
um de seus convidados, conta um mito comovente: nos tempos primevos havia um terceiro
gênero, nem homem, nem mulher, mas um ser completo, formado por duas metades. Este
ser “era uma totalidade redonda, sua espádua e suas costas formando um círculo;
tinha quatro braços, pernas em número igual aos dos braços, dois rostos sobre
um pescoço circular, semelhantes em tudo, e sobre estes dois rostos que estavam
colocados em sentido oposto, somente uma cabeça; além disto quatro orelhas,
dois órgãos sexuais” (Platón – Obras Completas. Editora Aguilar, p.575. 188c/190b). Existiam três espécies deste
gênero: uma com duas metades homens, outra com duas metades mulheres e uma
terceira com uma metade homem e outra mulher. Estas criaturas estranhas eram
extremamente fortes a ponto de arrogantemente desafiarem os deuses. Zeus para
enfraquecê-las as seccionou em duas partes; a partir de então cada um procura a
sua metade. Aqui está colocada a idéia de uma destinação única e inelutável que
encontramos freqüentemente em casais apaixonados e ainda com pouca experiência
de relações amorosas. É aquilo popularmente chamado de “metade da maçã” e “cara
metade”. Há um sentimento de perfeição envolvendo o jovem casal que se sente
forte e capaz de enfrentar todos os desafios do mundo. Há uma idéia de que eles
se entendem perfeitamente, cada um adivinhando e realizando o desejo do outro,
pois os dois tornaram-se um apenas. As diferenças não são percebidas, pois se
escondem sob o manto do desejo de ser e fazer tudo aquilo que o outro deseja.
Sabemos que este estado tem uma duração limitada. Amainada a fogueira da paixão
as diferenças começam a ser percebidas: as demandas não são mais tão
rapidamente atendidas e algumas deixam gradativamente de ser acatadas em
definitivo. Surge então a clássica frase: “Onde está o homem (ou a mulher) que
conheci?” cujo subtexto é “nossa relação não vai dar certo”.
Alguns casais
atravessam este período tempestuoso aprendendo a conviver com a diferença,
mantendo a relação, mas secretamente lamentando o paraíso perdido.
Pois bem: além de ser inevitável o
aparecimento das diferenças, elas têm importantes funções. Em havendo uma boa
vontade de ouvir o outro, em levar em consideração seus pontos de vista, seu
modo de vida, e em havendo compreensão e tolerância para as suas
idiossincrasias mesmo que bobas, cada um se enriquece com as peculiaridades do
outro desde que esteja aberto para absorver aquilo que no outro pode ampliá-lo.
A aceitação da diferença tem também sua função num campo muito delicado: a
atração sexual. Um casal que está descobrindo as diferenças, mas que ainda não
sabe lidar com elas vai-se gradativamente afastando até que surge uma briga
séria. Esta briga os reaproxima através da agressividade, seguindo-se um
período de amuo, de afastamento explícito que incomoda aos dois, pois as brasas
da paixão ainda ardem. É quando o desejo sexual a serviço do desejo de
reaproximação cresce extraordinariamente levando a um intenso encontro de
corpos e almas. Agora, o intenso prazer sentido, a fusão experimentada, amolecem
as defesas do casal e ambos ficam mais propensos a se abrirem e a compreenderem
as diferenças. Eles se tornam mais porosos na relação podendo então autenticamente
aceitar a subjetividade singular do outro. Este processo várias vezes repetido
consolida a relação e é possível que chegue o momento em que o casal possa
dizer: “Bendita diferença”.
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