TRAIÇÃO


         São muitos os significados de traição. Exagerando, poderíamos dizer que há um significado para cada pessoa. Traição pode ser quebra de contrato; não defender o amigo ou namorado quando atacado; não corresponder a uma expectativa em relação a uma conduta fundamental (o advogado que “trai” seu cliente; o político que “trai” seu eleitor). O amig@ que rouba o namorad@. Há quem se sinta traído em pensamento. O amante que deseja uma outra pessoa que não a namorada. O amante que enquanto faz amor com a namorad@ pensa em outr@. O marido que na cama, ao lado da esposa, pensa em outra mulher. Também é sentido como traição por alguns o olhar desejoso para uma fotografia de um modelo lindo, ou a excitação com filme erótico. A própria masturbação, feita na presença ou na ausência pode ser sentida como traição. “Se eu estou aqui, para que el@ precisa disto? É a mim que tem de procurar”. Inversamente, um homem pode estar tendo sexo casual, porém pensando na sua amada. É claro que nessas situações há vários outros problemas e não pretendo, neste texto me deter neles, pois outra é minha intenção ao escrever esta crônica. Para tornar meu pensamento claro serei minimalista. Vou considerar a traição em seu sentido mais generalizado que é @ parceir@ sexual ter relações sexuais com outr@. Na verdade, a melhor palavra para este tipo de traição é infidelidade. Infidelidade também significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Mas, como tenho de ser minimalista pensarei na infidelidade de duas maneiras: uma referida à infância quando o bebê exige ser o único amor e única atenção da mãe. Certamente isto tem uma base biológica, pois os recém-nascidos que conseguissem estar perto da mãe, mamar em suas tetas, ter o calor e atenção da mãe eram os que sobreviviam e certamente a seleção natural encarregou-se de fixar esta característica. Queremos todos ter uma atenção exclusiva e para isso queremos que a mulher e o homem só conosco tenham sensações prazerosas. “Só eu sou capaz de lhe dar este prazer, portanto ela ficará comigo”. A questão da posse dos órgãos sexuais pode ser que tenha como antecedente a idéia de que “este seio é só meu e de mais ninguém”. Além disto, o contato dos órgãos genitais e da boca representa o máximo de intimidade que faz com que duas pessoas se sintam unidas, em comunhão. Esta comunhão será conspurcada se aqueles órgãos forem usados em uma outra relação. A outra maneira de pensar é darwiniana. O homem quer que seus genes sobrevivam e por isso não admite que sua mulher tenha relações sexuais com outro. É por essa mesma razão que ele teria uma tendência poligâmica, embora, ainda do ponto de vista darwiniano possamos pensar que a monogamia protege melhor os filhotes.

         O que eu desejo, no momento, é pensar porque o homem pôde se elevar acima dos seus desejos infantis (por exemplo: onipotência) e de suas determinações genéticas (desejo de vingança que se transforma em justiça) e porque não pode se elevar para além do sofrimento que lhe causa a infidelidade. Creio haver aí um fator cultural. Por alguma razão desconhecida a cultura ocidental, e quem sabe todas as culturas aceitam, são compreensivas com atos violentos advindos do ciúme. Não há um lobby forte contra o ciúme que se assemelhe a uma campanha contra a impulsividade em geral, a matança em geral, e todos os 10 mandamentos. A propósito disto quero repetir aqui uma frase de Bischof-Köhler: “aquilo que mais nos distingue como seres humanos é sermos capazes de superar nossas tendências e instintos naturais, e até mesmo extrair disso, em certas circunstancias, grande satisfação”. (Revista “Mente e Cérebro” Edição Especial n.6 PERSONALIDADE). A pergunta então se impõe: por que é que dos sentimentos infantis desmedidos, só o ciúme é admitido como natural e perdoável nos adultos? Não sei a resposta, mas acho que deveríamos trabalhar para tornar socialmente incômodo o sentimento excessivo de ciúme. O sucesso da campanha contra o fumo poderia ser inspirador para uma propaganda contra o ciúme. Isto evitaria muito sofrimento e inúmeras mortes.

 

                                               Nahman Armony

Primeira publicação na revista CARAS.   

HISTÓRIA POÉTICA DE BASTIDORES (de meu livro "O Anverso e o Verso")

MOMENTO 1

A carne macia me chama
Para a sua maciez tépida
                       Langorosa

A carne macia afunda
À pressão de meu corpo
                       Desejoso

A carne macia cede
Ao meu impulso
                      Amoroso

A carne macia se integra e se desfaz
Ao meu amplexo atávico, esporoso....

                                 Nahman Armony            


 
 
MOMENTO 2
 
A carne macia me chama
Para a sua maciez tépida
                                     Langorosa
 
A carne macia afunda
À pressão de meu corpo
                        Desejoso
 
A carne macia cede
Ao meu impulso
                        Amoroso
 
A carne macia se integra e se desfaz
Quando meu amplexo atávico
Explode disseminando o pólen atômico
Para além do UNIVERSO.
 
                          Nahman Armony
                           
 
 


CONFRONTANDO WINNICOTT COM OS AZARES DA HIPERMODERNIDADE


Resumo

Estudarei a maneira pela qual os diversos dispositivos da cultura incidem sobre a pessoa que virá a ser nosso analisando. Falarei de uma cultura da modernidade e de uma cultura da hipermodernidade que teoricamente correspondem ao exercício da repressão e da permissividade. Falarei das influências destas culturas no homem concreto atual (portanto também em nossos analisandos e em nós mesmos terapeutas) produzindo tanto mal-estar quanto bem-estar. E, finalmente, apontarei os caminhos presumíveis de superação do mal-estar da modernidade e da hipermodernidade tendo como um dos principais guias o pensamento de Winnicott.

 

Palavras-chave: Modernidade, hipermodernidade, dialética, Winnicott, mal-estar, borderline, identificação dual-porosa, ética, repressão, permissividade

 

Introdução

      O mal-estar causado pela palavra pós-modernidade, está se dissipando, já que a maioria dos sociólogos resolveu proporcionar-lhe uma aposentadoria provavelmente definitiva. Aqueles que a tinham não muito convincentemente adotado como Bauman e Lipovetsky preferiram trocar de nomenclatura. O primeiro chama o período em que vivemos de “modernidade líquida”[1], resultado de uma gradativa evolução de uma modernidade sólida de séculos atrás. O segundo passou a usar o termo “hipermodernidade”[2]. O argumento de ambos é que a modernidade não foi propriamente superada, mas sim levada a um extremo, mantendo suas características básicas que já apareciam no capitalismo primeiro, o capitalismo de acumulação. Lá encontramos os primórdios do consumo de massa: aumento crescente do comércio, ampliação gradativa dos mercados, diversificação das ofertas, diminuição dos custos, incremento das vendas, barateamento dos produtos; a mercadoria começa o seu avanço em direção a uma posição de predominância que acabará por transformar as pessoas em mercadorias. Esse avanço, portanto promove, juntamente com outros fatores, transformações psicológicas o que é reconhecido tanto por Bauman quanto por Lipovetsky[3]. Embora a hipermodernidade seja “apenas” uma exacerbação da modernidade ela é acompanhada, segundo o próprio Lipovetsky, de uma drástica transformação na subjetividade. Para efeitos deste trabalho considero que a subjetividade, desde o início da modernidade vitoriana até hoje, apresenta três faces: uma primeira de repressão com freio nos desejos e moderação no consumo; uma segunda de permissividade, com estímulo ao consumo e liberação dos desejos. Estamos nos aproximando de uma terceira. É o que diz Marcos Cavalcanti, pesquisador da COPPE da UFRJ e pertencente ao “Novo Clube de Paris”[4]. Segundo esse grupo pensa-se em colocar um breque à pressa e à compulsão pela totalidade da informação substituindo-as pelo conhecimento. Isto significa uma desaceleração do tempo subjetivo que vai permitir a reflexão, a contemplação e uma percepção/consciência mais apurada da totalidade que afeta a todos. É nesta terceira fase ainda em gestação que eu insiro alguns achados de Winnicott que me permitem dizer que se considerarmos a repressão como tese e a permissividade como antítese, os conceitos winnicottianos de “holding”, “concern”,  criatividade[5] e outros representam uma síntese positiva e esperançosa desta dialética. Essas noções ajudarão àqueles que percebem que a sobrevivência da espécie humana está ameaçada e que é preciso fazer algo para pôr uma trava numa subjetividade suicida, uma subjetividade que prioriza a informação em detrimento do conhecimento, que realiza uma infinidade de tarefas ao mesmo tempo, uma subjetividade acossada por  competição e prazos dentro de um tempo que acaba por se tornar inviável, uma subjetividade que está sempre com medo de estar perdendo alguma coisa que está sendo dita ou acontecendo em algum lugar. Numa entrevista Bauman pergunta[6]:

“Como chegamos a esse ponto? Cegueira?” (p.30). E continua mais adiante: “Na sociedade contemporânea somos treinados desde a infância a viver com pressa.....A arte de viver consiste em esticar o tempo além do limite .....  a pressa --- e o vazio --- é fruto disso, das oportunidades que não podemos perder. Elas são infinitas se acreditamos nelas”(p.36). E mais: “Esse tempo de modernidade líquida gera ansiedade e a sensação de ter perdido algo. Não importa o quanto tentamos nunca estaremos em dia com o que aparentemente nos é oferecido"(p.36).

 

Temos de aproveitar todas as oportunidades. Daí a pressa. Mas só poderemos pensar em abarcar tudo se estivermos livres dos grilhões da repressão. Então o mal-estar da hipermodernidade encontra-se, ainda segundo Bauman[7], no excesso de liberdade ou, traduzido à minha maneira, no excesso de permissividade. Esquematicamente podemos dizer que o mal-estar da modernidade tem a ver com a repressão e que o mal-estar da hipermodernidade tem a ver com a permissividade. Prefiro a palavra permissividade à liberdade, pois a liberdade da época atual tem suas limitações. Somos mais ou menos manipulados pela mídia, pelas exigências da moda e pelo desejo de pertencimento. Não queremos ser tão diferentes de nossos semelhantes a ponto de nos colocar fora da corrente de sociabilidade. Queremos, porém ter uma marca que nos distinga dos outros, uma marca de nossa individualidade. Queremos ser ao mesmo tempo iguais e diferentes, pertencentes a um grupo, mas individualizados. Temos uma relativa liberdade para escolher nosso caminho. Nisso o homem hipermoderno difere do moderno ao qual era imposto um caminho prévio, já determinando o seu futuro. Sua identidade social já lhe era dada a priori. Para conseguir esta identidade social estável precisava de um Eu coerente e constante o que só foi possível com a repressão de todos os seus outros eus desejantes que habitam a alma humana. A permissividade da hipermodernidade permite a convivência destes muitos pequenos eus e perturba as escolhas de vida, provocando dúvidas, ansiedades, acúmulos, dispersões. O homem hipermoderno vive mais num regime de dissociações que de repressões, o que lhe permite ter à sua disposição os seus pequenos eus. Esse acesso simultâneo aos muitos eus faz com que se sinta retalhado. Quando faz uma escolha é por tempo limitado, indo de um pequeno eu para outro. Ou então uma coerência na ação torna-se obrigatória em razão das exigências de sobrevivência, o que não abafa a reivindicação de seus pequenos eus em obter satisfação. Esta situação pode ser angustiante quando a dissociação é incompleta, pois por mais que se corra não há tempo para atender a todas as solicitações dos muitos pequenos eus, ainda mais porque muitas vezes eles são conflitantes entre si e em relação à corrente egóica predominante naquele momento.

       

      Esta é uma amostra inicial de um quadro contemporâneo apresentado à maneira de impacto. Vou passar a desenvolvê-lo mais lenta e sistematicamente, embora com isso se perca a leveza da escrita.         

 

 

A modernidade e seu mal-estar

Eu me propus a desenvolver este artigo dentro de uma dialética de inspiração hegeliana que atribui o movimento do espírito a uma seqüência cuja primeira proposição é a tese – uma afirmação, a segunda é a antítese que nega a afirmação da tese, e a síntese que é a resultante do embate da tese com a antítese. Por sua vez a síntese se transformará em nova tese que trará em seu interior uma antítese e assim por diante.         

Vejamos então a primeira proposição que é a tese, proposição preenchida pelo processo de repressão/recalque.

Um dos importantes achados de Freud foi a conexão da repressão com o mal estar da modernidade como ele mostra em “O mal-estar na civilização”. Cada ser humano tinha de renunciar à realização plena das suas pulsões para poder viver em sociedade. Citando Freud:

"Em terceiro lugar, finalmente — e isso parece o mais importante de tudo —, é impossível desprezar o ponto até o qual a civilização é construída sobre uma renúncia ao instinto, o quanto ela pressupõe exatamente a não-satisfação (pela opressão, repressão, ou algum outro meio?) de instintos poderosos. Essa ‘frustração cultural’ domina o grande campo dos relacionamentos sociais entre os seres humanos. Como já sabemos, é a causa da hostilidade contra a qual todas as civilizações têm de lutar. Também ela fará exigências severas à nossa obra científica, e muito teremos a explicar aqui. Não é fácil entender como pode ser possível privar de satisfação um instinto. Não se faz isso impunemente. Se a perda não for economicamente compensada, pode-se ficar certo de que sérios distúrbios decorrerão disso"(p.118)[8].

 

Apresentada esta genial síntese freudiana sobre a modernidade vou agora destrinchar o que ficou escondido na barriga desta generalização. Antes farei pequenas viagens pontuais ao passado da repressão.

      Os padres da Idade Média exigiam uma extrema contenção da sexualidade e não admitiam o usufruto dos prazeres da vida. Eles impunham a seus párocos a caça implacável e o aniquilamento completo de qualquer manifestação de desejo que não fosse o de servir a igreja e seus preceitos. Quando surge a ciência com sua reivindicação de objetividade as manifestações subjetivas tornam-se depreciadas. Essa reivindicação estendia-se até ao significado das palavras que deveriam ser precisas perdendo sua aura de mistério e poesia. Falar tornou-se um problema, pois a espontaneidade do discurso com suas inevitáveis figuras de retórica, metáforas, imprecisões, vaguezas poéticas e paradoxos eram vistas com maus olhos pelos adeptos da exatidão científica. O sucesso incontestável da ciência invadiu todas as áreas da atividade humana, fazendo do cientificismo uma doutrina cada vez mais poderosa, preparando o cenário para o aparecimento da era vitoriana em que a repressão firmemente se instala adquirindo eficientes mecanismos de ação. Foucault encontrou um exemplo paradigmático do processo de repressão na estrutura do panóptico[9]: de uma torre central todas as celas podiam ser vigiadas o que obrigava aos prisioneiros uma disciplina que eles impunham a si mesmos, pois nunca sabiam se estavam sendo observados ou não. Esse observador do panóptico é análogo ao superego freudiano que é também uma estrutura central observadora e punitiva com a diferença de que se trata de uma estrutura central interna e não externa como no panóptico. Podemos dizer que o superego é um correlato de uma atividade panóptica da sociedade, atividade esta que torna a repressão e o conseqüente recalque onipresentes na modernidade vitoriana.

      Como vimos, Freud atribuiu, grosso modo, o mal-estar da cultura, (cultura da modernidade) à atividade da repressão. Seguindo o prometido vamos agora explorar os conteúdos e processos desta cultura.   

      No bojo da repressão/recalque encontramos o autoritarismo e as várias dicotomias das quais as que mais nos interessam são a dicotomia sujeito/objeto, a dicotomia semideuses/meros mortais (onipotência/impotência) e a corpo/alma, pois são questões que ainda encontramos freqüentemente em nossos consultórios provocando sintomas, mal-estar e mal-entendidos.

      Embora o recalque, assim como a dissociação sejam processos constitutivos e defensivos universais, no neurótico predominam os processos de repressão e recalque enquanto que no borderline os processos de dissociação ganham proeminência. No neurótico o recalcado impedido de verbalização direta devido a uma ação proibitiva de um superego comprometido com a preservação de um eu ideal se expressa sob forma de sintomas. Temos aqui duas questões: o mal estar por um excesso e má distribuição dos recalques e os possíveis dolorosos sintomas daí decorrentes. O analista levará em consideração estes dois aspectos. Se os processos de repressão/recalque funcionarem para além de uma certa intensividade, o trabalho de desrepressão, isto é, tornar o inconsciente consciente, será um interminável trabalho de Sísifo. Para romper a compulsão à repetição será preciso não apenas conscientizar os desejos reprimidos, mas principalmente agir sobre o próprio processo de recalque que é um processo de defesa associado a uma certa maneira de vivenciar o tempo. O recalque imobiliza a memória não permitindo que ela flua livremente. O tempo do neurótico é um tempo petrificado que não progride. Esta forma de vivenciar o tempo imobiliza o acontecimento em um cubículo estanque não permitindo sua dissipação, mantendo-o como uma espinha irritativa produtora de sintomas. Será preciso fazer o tempo fluir para libertar o acontecimento traumático de sua prisão diluindo-o no devir. Não basta pôr a nu o motivo do recalque. Será preciso também modificar o modo de vivenciar o tempo para que não se instale a compulsão à repetição, pois mesmo consciente das motivações a pessoa repetirá o mesmo comportamento ou manterá o mesmo sintoma caso não mude sua relação com o tempo. Se o analista colocar-se em estado de vir-a-ser, de tempo fluido, acompanhando os movimentos fractais e imprevisíveis do analisando, facilitará, por um processo de identificação, a entrada de este no devir, propiciando a liquefação do reprimido e alterações nos dinamismos intersubjetivos.

A subjetividade neurótica, conveniente à modernidade, pede um comportamento obediente, rígido e regido pelas regras da hierarquia. Seu pensamento é dicotômico. Há os que mandam e os que obedecem sem questionamentos. Numa relação analítica o analisando é um objeto esquadrinhado por um cientista neutro, possuidor de um conhecimento inconteste de seu inconsciente. O analisando é meramente um mortal enquanto o analista habita o Olimpo dos deuses. Uma análise que não rompa esta dinâmica dicotômica tem como destino fazer do analisando uma cópia do analista, tornando-o também portador de uma verdade incontestável que todos deverão aceitar. Como veremos adiante, a psicanálise na hipermodernidade realiza-se não em um regime dicotômico, mas em um registro unitário, onde dois seres humanos se encontram para aumentar a potência de vida. Importante expor aqui uma diferença entre dicotomia e dualidade. A dualidade não nega as diferenças (nem as semelhanças), mas coloca dois sujeitos que se relacionam no mesmo patamar qualitativo, participantes do mesmo universo ontológico. Na dicotomia cada sujeito pertence a uma substância diferente. Semideuses pertenceriam a uma substância e meros mortais a outra. Em contraposição a esta concepção dicotômica existe uma concepção dualista que enxerga não um sujeito e um objeto com diferenças ontológicas, mas dois sujeitos que pertencem a uma humanidade comum, cada qual, porém, com suas características próprias. Não há semideuses e humanos, mas apenas humanos com diferentes experiências, conhecimentos e sensibilidades que se encontram para estabelecer uma relação produtiva de crescimento e criatividade através da qual se reduz o mal-estar e o sofrimento.

Outros valores da modernidade que também têm a ver com o processo de repressão/recalque são a disciplina, a ordem, o respeito, a organização, o controle, a objetificação, a reverência hierárquica, a distância afetiva, o convencionalismo. Sem dúvida são características que darão um certo colorido à relação e às quais o analista deverá prestar atenção, levando-as em consideração.   

Sentimentos de honra, de pundonor derivados do recalque são encontrados no consultório. Quando estão a serviço da preservação da auto-imagem podem vir a constituir um enorme obstáculo à honestidade e à sinceridade na relação terapêutica. Exigirá do analista toda uma paciente costura que terá como alguns dos fios a aceitação incondicional, a perseverança tranqüila, e um comportamento poroso, aberto e sincero. A resultante bem-vinda será a instalação de uma relação de confiança mútua. A valorização social do sentimento de honra e pundonor é um obstáculo a mais para abertura de um espaço honesto.

A trajetória de vida do neurótico modelar é retilínea e acumulativa. Este resultado é conseguido com o recalque dos muitos desejos e pequenos eus a fim de que reine absoluto e sem contestação o Eu “Verdadeiro” com seu desejo único. O impedimento do retorno à consciência dos pequenos eus provoca sentimentos de insatisfação, de inutilidade da vida, de incompletude e vários sintomas.

Pelo seu aspecto neurótico, a pessoa está aprisionada por convenções, regras e leis ficando com a sua espontaneidade e criatividade coartadas. A barreira do recalque dificulta a percepção de seu inconsciente, do inconsciente do outro e da subjetividade circulante.

A comunicação neurótica é mais superficial que a borderline, pois está barrada pelo convencionalismo das palavras e dos valores especialmente os da hierarquia que impedem o diálogo íntimo.

A vida neurótica está normatizada e segue os trilhos consagrados pela tradição e pelos preconceitos. A saúde psíquica do neurótico “normal” está resguardada pelo recalque das grandes inquietações existenciais, mas tende a ser tensa e descolorida, pontilhada de irrelevantes sintomas e pequenas obsessões.

A culpa é um sentimento onipresente no funcionamento neurótico. Nesse modo existencial uma Personificação de Autoridade inconsciente atormenta e controla o sujeito. Sendo essa Personificação de Autoridade a responsável pela sua culpa caberia a ela tirá-lo do atoleiro da depressão. Esta expectativa atiça a culpa elevando-a a um ápice insuportável quando uma intervenção se faz necessária. A Personificação de Autoridade terá então cumprido a sua função imaginária. A culpa é também uma maneira de reter o fluxo do tempo, pois ela mantém os acontecimentos paralisados na memória.

O neurótico modelo está mais voltado para si mesmo do que para o exterior. Mais se interioriza que se exterioriza. Ele preserva a sua intimidade. Reluta em falar de suas fraquezas, de tudo aquilo que poderia, na sua concepção, ser criticado pelo analista. Envolve-se em uma capa protetora que avalia e filtra tudo o que vem de fora. Dentro de sua concepção é ele quem deverá resolver os seus problemas. O outro não tem nenhum papel a desempenhar a não ser lhe fornecer dicas de questionável importância. Estas características dificultam o estabelecimento de uma relação de intimidade.

As considerações acima se referem à primeira fase da dialética inicialmente proposta, a fase da repressão.

 

A hipermodernidade e seu mal-estar

Passemos para a segunda proposição dialética. Coloco como antítese da repressão, a permissividade. É justamente a permissividade que domina a hipermodernidade. A permissividade provoca o aparecimento de outra maneira de ser e viver diferente do modo neurótico. É o modo borderline, típico do período em que vivemos. O borderline não internaliza um firme superego que lhe garantiria incontestáveis pontos de referência. Solto no mundo, com suas valências identificatórias abertas[10], sem uma forte identificação com os valores dos pais, necessita da aprovação do ambiente. Esta seria uma das razões das intimidades expostas nos webblogs e webcans. Seus valores não são fixos, pois não estão regidos por um código interno. Dependem da reação do ambiente. Se aprovados sentem-se bem. Se desaprovados ficam envergonhados de terem tido uma conduta inadequada. Na hipermodernidade (ou modernidade líquida) predomina a cultura da vergonha sobre a cultura da culpa.Também as formas de vivenciar o tempo e a interioridade se modificam. Paula Sibilia[11] escreve:

"A eficiência e a eficácia ---- a capacidade de produzir determinados efeitos ---- tornam-se justificativas auto-suficientes que dispensam toda explicação causal e qualquer pergunta pelo sentido”..... A velha função do passado parece ter caducado: o passado não serve mais para conceder inteligibilidade ao caótico fluir do tempo, e nem para explicar o presente ou a mítica singularidade do eu. (p.40)....esses novos fenômenos revelam mais um traço no processo de reconfiguração que atravessam as subjetividades contemporâneas. Os gêneros autobiográficos que proliferam na Internet são sintomáticos destas novas torções subjetivas, por evidenciarem importantes mudanças nos valores atribuídos à idéia de interioridade e       ao estatuto do passado como dois alicerces fundamentais do eu. Essas duas noções foram primordiais na constituição das subjetividades modernas e, apesar da sua permanência como fatores ainda relevantes, parecem estar perdendo seu peso na definição do que cada um é"(p. 48).

 

Estas citações são importantes por nos remeterem a situações clínicas atuais: muitos analisandos não se interessam por ter um conhecimento penetrante de sua vida subjetiva. Esta mais parece um produto da relação analista-analisando. Há uma falta de interesse quanto à origem e resolução dos sintomas. Eles são aceitos como quase incontornáveis características idiossincráticas, algo próximo da ordem da necessidade e, portanto praticamente inacessíveis à investigação. O passado dos sintomas não lhes interessa, e a perturbação provocada por eles é aceita e integrada nas ações. Interessa-lhes o presente. Isto coloca mais um desafio para o analista que em uma primeira instância conversaria sobre as dificuldades objetivas do presente buscando soluções sem procurar suas origens no passado, tentando encontrar com o analisando um equilíbrio pessoal e social que inclua os sintomas e os dinamismos expostos ---- e isto dá lugar a um intenso diálogo entre analista e analisando; em uma segunda instância tentariam ultrapassar os obstáculos, entendendo as dinâmicas que estão ocorrendo no momento mesmo dos acontecimentos: isto parece agradar menos ao analisando que ouve sim, o que o analista diz, mas que passa batido pelo dito como se fosse uma parte não importante da conversa, não dando continuidade ao assunto, e continuando a falar como se nada lhe tivesse sido dito. Porém, com o tempo, dá para perceber que as palavras do analista tiveram efeito; em uma terceira instância procurar a dinâmica no passado. A isto o analisando é ainda mais refratário e a ocasião para fazer tais interpretações deve ser bem escolhida, isto é, deve fazer parte do devir de uma conversação normal que por acaso tocou na infância, sem uma impostação que transmita a impressão de que algo professoral e básico esteja sendo dito. Podemos perceber, dentro de certo prazo, o efeito positivo da interpretação. Mas o que predomina é o repúdio pelo passado e uma forte inserção no presente que dificilmente se estende para um futuro, pois este se apresenta imprevisível e então há pouco que falar sobre ele. É claro que as coisas não são tão simples e esquemáticas como as apresento, pois estamos lidando com situações de complexidade. Mas servem para nos situar melhor diante dos aspectos hipermodernos da subjetividade.

O que mais se pode dizer do sujeito hipermoderno? Quais outras conseqüências de uma sociedade e educação permissivas? A mais óbvia é a falta de limites; a pessoa cresce com a convicção de que tudo o que existe no meio social pertence de direito a ela. É dever de a sociedade abrir-lhe todas as portas. “É proibido proibir”[12]. É inconcebível que se ponham limites aos seus desejos. Ser contrariada é um crime de lesa-majestade, impossível sequer de se pensar ---- uma aberração da natureza, um tabu. É evidente que nestas circunstâncias os direitos e sentimentos dos outros não conseguem ser sequer vistos.

O complemento social desta atitude pessoal é a abundância potencial de ofertas e oportunidades que a sociedade coloca à disposição. O encontro dos pequenos eus desreprimidos com a virtual abundância de ofertas sociais tem várias conseqüências: os muitos pequenos eus embriagam-se com as muitas ofertas tentando dar conta de todas elas, comprimindo o tempo, e entrando em ansiedade. Muda a maneira de vivenciar o tempo: é preciso correr para dar conta de todas as tentações e para chegar antes. A velocidade assimilada pelo corpo/psique torna-se parte integrante do ser e converte-se no ritmo da hipermodernidade, um “prestissimo” febril e ansioso. Também a idéia de não perder nenhuma oportunidade provoca ansiedade e pressa. A pessoa nunca se dá por inteiramente satisfeita com suas escolhas, pois lá adiante pode haver algo muito melhor. A pergunta não é “fiz uma boa escolha?”, mas “será que perdi alguma coisa fabulosa, ‘irada’”? As outras inúmeras possibilidades desconhecidas fazem sua ronda tentadora e constante em torno da cabeça de nosso voraz protagonista sussurrando em seus ouvidos possibilidades de escolhas melhores, de aparecimento de oportunidades incríveis que transformarão por completo sua vida. E será preciso lá chegar antes que outros se apossem da chance. É comum um movimento errático em que o jovem passa de um investimento para outro à procura daquilo que “seria o melhor dos máximos”.

Um aspecto positivo a ser considerado é a porosidade que o jovem da hipermodernidade apresenta e que lhe permite ter acesso ao seu inconsciente implícito e à subjetividade da sociedade em transformação. Este é um aspecto a ser preservado. O terapeuta deverá ter muito cuidado com o que chamamos de interpretação, pois ela poderá entupir a porosidade, impedindo o acesso aos aspectos femininos, ao inconsciente e à percepção da subjetividade social corrente. A preservação da porosidade permitirá um trabalho terapêutico que irá além do representacional, propiciando aquilo que Freud chamou de comunicação de inconsciente a inconsciente e que tem a ver com algo misterioso, sim, mas também com os sutis movimentos, expressões, mímicas faciais, olhares, modulação de voz e tantas outras coisas que freqüentemente estão fora do campo de nossa consciência e que, portanto, não controlamos. Por essa razão o analista precisa ter um “cuidado de si”[13] que permita que seu corpo/psique demonstre, propague, passe uma verdadeira renúncia psicocorporal ao narcisismo e um verdadeiro acolhimento psicocorporal consciente e inconsciente da pessoa do analisando tal qual ele é no momento da relação. Esta seria a atitude ideal, porém nem sempre presente, já que o analista por mais que tenha “cuidado de si”, terá com alguma freqüência o seu inconsciente corporal implícito e afetivo mobilizado de uma maneira mais ou menos afastada da ideal, especialmente diante dos novos analisandos que o procuram. Deverá então ficar o mais possível atento às suas reações corporais e ao tipo de cargas afetivas que estão sendo produzidas, e então tentar progredir em direção a uma atmosfera de conforto, confiança, relaxamento, ritmos sincrônicos e interesse afetivo[14].

Bauman nos fala que na modernidade líquida existe um desrespeito pelo compromisso[15]. Esta é uma experiência freqüente de todos nós. Só somos levados a sério se, no momento, apresentamos algum interesse pragmático. Caso contrário somos ignorados. A sociedade nos trata como mercadorias a serem consumidas[16]. Isto afeta nosso sentimento de valor com direito à deferência e consideração. Não somos vistos como pessoas com uma subjetividade a ser respeitada, mas como mercadorias. Se, para ser levado em consideração é preciso que o sujeito seja mercadoria ele se esforça por sê-la.

O conhecimento e assimilação destes fatos sociais podem modificar o equilíbrio narcísico de nossos analisandos. Daí a importância do analista poder apresentar um panorama da subjetividade social em que vivemos, um de cujos aspectos é não dar importância ao indivíduo como uma singularidade subjetiva a ser respeitada.

Ainda falando do narcisismo e de suas possibilidades de transformação: uma abertura pessoal que permitisse a compreensão da subjetividade do outro, colocando em suspensão as reações emocionais à crítica alheia, à desconsideração, ao apontamento de seus defeitos seria uma importante aquisição no campo do narcisismo. “Será que ele tem razão de em me ver e sentir desta maneira? Quais são os seus motivos?” são perguntas a serem feitas permanentemente. Colocar a indignação entre parêntesis para avaliar o quanto a palavra do outro é pertinente (e aí é preciso levar em consideração o contexto em que a “ofensa” acontece) para até poder se aperfeiçoar, e também compreender o outro, as razões de seus ataques e de suas críticas. Importante distinguir entre a ofensa com a intenção de ferir e o apontamento de características sem esta intenção. Não significa que se deverá adotar uma atitude indiferente, sem emoção. Esta certamente deverá estar presente, mas integrada a um questionamento não-narcísico.

O mal-estar advindo da desconsideração, da objetificação, da transformação em mercadoria pode ser fortemente atenuado por uma redistribuição dos sentimentos narcísicos. Uma compreensão da subjetividade pessoal do outro e da subjetividade social contemporânea cumprirá esta tarefa. A auto-estima advirá então desta nova distribuição narcísica. Este remanejamento encontrará enormes resistências, pois para isso deveremos vencer nossos atavismos. Será certamente uma tarefa de muitas gerações. Esta nova subjetividade difícil de se instalar diante das reações espontâneas hereditárias de cada um, só aos poucos, mediante pequenos atos, atitudes e mínimas transformações se espalhará por uma espécie de osmose psíquica pelo corpo societário. E será importante aprovar explicitamente qualquer passo nessa direção.  O sentimento de “estar ferido em seu amor-próprio” quando uma característica/“defeito” é apontada deverá ser substituído pela valorização do autoconhecimento e de heteroconhecimento das dinâmicas em jogo.

A situação de intensa disputa da hipermodernidade que aproveita qualquer brecha para atacar e diminuir o outro torna ainda mais difícil esta trajetória. Aquele que procura substituir o sentimento de honra pela sinceridade e honestidade encontrará dificuldades diante da hipercompetitividade de nosso tempo.

Este é um quadro sociológico que devemos conhecer para ajudar nosso analisando a se situar no mundo atual; sem isso ele ficaria perdido, sem compreender os acontecimentos, e atribuindo a si o que faz parte de um contexto social.  

 

A conjugação da abundância de ofertas vindas da sociedade (excesso de ofertas externas) com a desrepressão dos pequenos eus (excesso de demandas internas) produz uma atividade incessante e febril. Este excesso provoca desorientação, ansiedade, exaustão.

 

Sem dúvida a psicanálise contribuiu, com o conceito e trabalho de desrepressão para a permissividade descontrolada e o mal-estar da atualidade. Não era esta, porém a intenção de Freud. Pelo contrário, um de seus postulados básicos apresenta o recalque como constitutivo da personalidade. Mas recalques obsoletos e fora de lugar são inúteis e provocam sofrimento. Faz-se necessária uma redistribuição dos recalques. Repressões úteis devem ocupar o lugar das repressões infantis irracionais. Em suas palavras:     

"A análise, contudo, capacita o ego, que atingiu maior maturidade e força, a empreender uma revisão dessas antigas repressões; algumas são demolidas, ao passo que outras são identificadas, mas construídas de novo, a partir de um material mais sólido. O grau de firmeza dessas novas represas é bastante diferente do das anteriores; podemos confiar em que não cederão facilmente ante uma maré ascendente da força instintual. Dessa maneira, a façanha real da terapia analítica seria a subseqüente correção do processo original de repressão, correção que põe fim à dominância do fator quantitativo"[17].

 

Porém o movimento da sociedade foi mais radical e ao processo de desrepressão não se seguiu uma repressão seletiva e adequada como Freud esperava. A desrepressão tornou-se liberação geral das pulsões. Quando falo de movimento geral da sociedade refiro-me à passagem do capitalismo de acumulação para o capitalismo consumista, da contenção ao desperdício, da criação de modismos e de novas necessidades para aumento do consumo; e também da falta de limites de cada um que se sente no direito de fazer o que quer sem respeito nem à lei nem ao direito do outro, à roubalheira desenfreada, aos excessos de velocidade com aumento de mortes, à desobediência a regras necessárias ao bom convívio, ao uso do poder e das leis para  benefício próprio. Um  quadro desolador. E sem dúvida, mesmo que involuntariamente, a psicanálise contribuiu para isso com a difusão da idéia de desrepressão.

 

Síntese – A ecologia humana como caminho 

Contribuições de Winnicott

 

Passemos agora da desrepressão, componente fundamental da antítese, para uma síntese à qual eu darei o nome de ecologia. Tese --- subjetividade repressiva. Antítese --- subjetividade permissiva. Síntese ---- subjetividade ecológica.

De que ecologia estou falando? Veremos, na pesquisa que realizei, a evolução da concepção de ecologia, desde a ecologia simples, passando pela ecologia social e outras até a que mais nos interessa: a ecologia humana. Começarei pelo site pessoal de Ivair Gomes[18].

"O termo "Ecologia" foi criado por Haeckel (1834-1919) em 1869, em seu livro "Generelle Morphologie des Organismen", para designar "o estudo das relações de um organismo com seu ambiente inorgânico ou orgânico, em particular o estudo das relações do tipo positivo ou amistoso e do tipo negativo (inimigos) com as plantas e animais”. Aparece pela primeira vez, no Brasil, em Pontes de Miranda, 1924, "Introdução à Política Científica". O conceito original evoluiu até o presente no sentido de designar uma ciência, parte da Biologia, e uma área específica do conhecimento humano que tratam do estudo das relações dos organismos uns com os outros e com todos os demais fatores naturais e sociais que compreendem seu ambiente"[19].

 

Vemos aí uma progressão da concepção de ecologia que de relação dos organismos com seu ambiente natural orgânico e inorgânico passa a incluir o social que, de um certo ponto de vista (que não é o meu), é de uma ordem diferente do natural.   

Passemos à citação de Maria Silva[20]. Ela fez uma adaptação do livro “The Green Fuse – Social Ecology”. Começa citando uma frase de Murray Bookchin que se encontra na p.1 de seu livro  “A ecologia da liberdade”: "A dominação da natureza pelo homem tem origem na própria dominação do humano sobre o humano."

E segue resumindo:

"A ecologia social reclama que a crise ambiental é um resultado da organização hierárquica do poder e da mentalidade autoritária, enraizada nas estruturas da nossa sociedade. A ideologia ocidental da dominação da natureza advém destas relações sociais....A alternativa é uma sociedade baseada em princípios ecológicos; uma unidade orgânica na diversidade, liberta da hierarquia e baseada no respeito mútuo pelo interrelacionamento de todos os aspectos da vida. Se mudarmos a sociedade humana, as nossas relações com o resto da natureza também se modificarão."

 

As relações humanas são introduzidas como origem e parte dos problemas ecológicos os quais só serão resolvidos quando as relações humanas deixarem de ser relações de poder, hierárquicas e autoritárias. O equilíbrio da natureza em sua totalidade depende então, em grande parte, do equilíbrio nas relações humanas.

 

Uma última referência à Maria Silva - ela cita John Clark autor de “Renovando a terra”:


"A ecologia mostra que a natureza nos pode fornecer princípios éticos. Um ecossistema vigoroso maximiza a diversidade e a interacção e minimiza a hierarquia e a dominação. O melhor de tudo é que é arquivado/conjugado/alcançado através de uma ‘individualidade rica e um complexo interrelacionamento das partes.’"(p.5)[21]

 

A concepção de uma ecologia ética que minimiza a hierarquia e maximiza a diversidade, remete-nos, como veremos, a uma psicanálise promovedora de uma transformação da subjetividade que ao se realizar trará como corolário uma mais eqüitativa distribuição de benefícios e prejuizos.

 

É a vez de Flávio Souza dar uma contribuição ao meu diálogo com a ecologia. Retirei o seguinte trecho do artigo “Ecologia humana”[22]:    

"A palavra ecologia vem do grego e significa Eco = Habitat/ Lugar de vida/ Sistema de relação e Logia = Estudo/ Ciência, então ecologia pode ser também definida como estudo de sistemas. Nós seres humanos somos um sistema de órgãos e tecidos, um sistema de células, moléculas e átomos, um sistema de pensamentos, de interação com o nosso mundo interno e externo e dos relacionamentos com as outras pessoas. Então, podemos falar em ecologia humana".

Esta é a expressão que eu gostaria de usar: acrescentar o humano à ecologia para delimitar o campo principal em que a ecologia ética será exercida. Não seria impróprio falar de ecologia ética humana, embora se possa argumentar que toda ética parte do homem. Parte do homem, sim, mas pode ser aplicado em diversos campos. O campo privilegiado da psicanálise é a relação humana. Daí a minha proposta de batizar a síntese de ética ecológica humana.   Como uma introdução a esta ética eu diria que o psicanalista pensaria uma ecologia que permitisse uma evitação do pior e uma busca do melhor coletivo. Desenvolvendo: o psicanalista pensaria numa distribuição o mais possível eqüitativa de prazer e desprazer, de mal-estar e bem-estar, de alegrias e sofrimentos entre os membros de um grupo, seja um grupo de duas pessoas como no tratamento psicanalítico individual ou de muitas pessoas como no tratamento de família. A ecologia humana de nosso interesse envolve a totalidade das pessoas de um grupo em interação consciente e inconsciente, com suas relações interpessoais e intersubjetivas, seus dinamismos repetitivos, sua distribuição de poder e de sintomas. A concentração de sintomas em uma ou poucas pessoas e a dominação e colonização de muitos em relação a alguns ou de uma pessoa em relação a outra, será considerada um problema psicológico e psicossocial a ser modificado para que cada membro do grupo e o grupo como um todo possa ser mais espontâneo e criativo. 

Na perspectiva ecológica a mínima modificação de uma subjetividade afeta as subjetividades que fazem parte do conjunto ecológico, produzindo novos equilíbrios. É o que ocorre no tratamento psicanalítico individual e de grupo onde o contato com uma nova subjetividade que não se deixa absorver pela dinâmica vigente, trazendo sua própria contribuição dinâmica na interação com o outro ou os outros, introduz modificações nos dinamismos psíquicos[23].

Vista a questão da nomeação da síntese (ética ecológica humana) posso agora me dedicar a desenvolvê-la.

Como já foi dito os conceitos winnicottianos serão usados para este desenvolvimento. Para isto eu os separei em três grupos: 1- holding; 2- espaço potencial, criatividade, área e objeto transicional; 3- identificação primária, mutualidade, identificações cruzadas e  concern.

 

Holding[24]

O paradigma da noção de holding é uma mãe sustentando o bebê em seus braços e colo. Uma mãe amorosa acolhedora, não ansiosa, transmitirá uma sensação de segurança, de confiabilidade, de liberdade e de limite ao bebê. Tudo lhe é permitido no espaço abarcado pelo corpo da mãe. Mas é um corpo que provê um limite. Paradoxalmente o bebê se sente livre e protegido pelos limites que o colo e braços da mãe proporcionam. Uma citação de Winnicott nos permitirá perceber o alcance e a importância da noção de holding:

"É possível perceber aqui uma série ----- o corpo da mãe, seus braços, o relacionamento dos pais, o lar, a família, incluindo primos e parentes próximos, a escola, o bairro com sua delegacia, o país, suas leis"[25].

 

Esta seqüência nos dá uma concepção de uma lei-holding que reúne limite e acolhimento, correção e suporte; diferentemente da lei freudiana posta em prática através de uma intervenção impiedosa da autoridade à qual ele chamou apropriadamente de “castração”. Vejamos isto em duas citações de Freud:

"O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas — a sua força, sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse aumentada. O superego — a consciência em ação no ego — pode então tornar-se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo. O Imperativo Categórico de Kant é, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo"[26].

 

"O superego conservará o caráter do pai e quanto mais intenso foi o complexo de Édipo e mais rápido se produziu sua repressão (sob a influência da autoridade, do ensino religioso, da educação escolar, da leitura), tanto mais rigoroso virá a ser o império do superego sobre o ego como consciência moral, talvez também como sentimento inconsciente de culpa, sobre o ego[27]."

 

Esta concepção de superego fez com que se confundissem a figura do Tirano, do Déspota, com a do Guia (Guru, Mestre), e a necessidade de limites com a castração implacável e insensível.  

A reação da sociedade a esta confusão, a este excesso foi um outro excesso: o da permissividade total bem expressa na frase de ordem “é proibido proibir”[28]. Esta a 2ª fase, a antítese de nossa dialética. Entramos agora numa 3ª fase procurando aberturas e é aí que contamos com a ajuda de Winnicott. O conceito de holding permite uma convivência pacífica da limitação com a liberdade. Faz parte do holding saber apresentar o mundo à criança de acordo com suas necessidades e possibilidades. Isto é diferente da imposição de idéias de um regime patriarcal autoritário. Permite que o ser humano sinta que a limitação necessária para a vida em sociedade foi também uma criação sua. A limitação torna-se intrínseca ao sujeito e a permissividade e transgressão ganham contornos adequados[29]. Distingue-se do resultado da ação de castração da 1ª fase de nossa dialética. Naquela circunstância, tendo sido impedido o acesso da criança à mãe, ao feminino, ela perde o contacto com sua sensibilidade, a sua vida afetiva e não tem condições de exercer a intuição, a empatia, a identificação primária, etc. Transforma-se então em Homem Objetivo, poderoso e forte em sua defesa da Lei, um Homem que não aceita o mundo feminino da sensibilidade. Com a ação de holding Winnicott reconecta o ser humano com o feminino possibilitando uma colocação sensível de limites sem ter de obrigatoriamente realizar ações duras, implacáveis, impiedosas, violentas. O limite deixa de ser um duro muro de pedra que arrebenta a cabeça de quem o enfrenta e torna-se uma flexível, macia e acolhedora cortina de veludo. Estaríamos então fora da repressão excessiva e da permissividade desenfreada.

 

Espaço potencial[30], criatividade, área e fenômeno transicional

 

O espaço potencial surge quando o estado de fusão mãe-bebê se desfaz. Até então a mãe não deixava nenhuma solução de continuidade entre a necessidade do bebê e seu atendimento. Quando finalmente se estabelece mais claramente que as necessidades do bebê serão postergadas e mesmo não atendidas, surge a ameaça teórica de uma fenda que é a perda da continuidade da relação mãe-bebê. Na saúde esta ameaça não se concretiza porque a díada inventa a mente e o fenômeno transicional: a fenda virtual ganha então a qualidade de espaço potencial. Por que espaço potencial? Antes do aparecimento deste espaço tudo o que surgia no campo de psiquismo da criança era sua criação onipotente: a única criação que lhe era possível, e, portanto, em termos sociais, uma não-criação. Com o aparecimento do símbolo transicional a onipotência torna-se mitigada: existem agora o eu e o não-eu que pode estar fora da área de onipotência do bebê. Este não-eu generalizado traz a semente da objetividade, caminha em direção ao objetivamente percebido. Porém, uma pessoa absolutamente objetiva não traria nada de novo ao mundo, pois estaria aprisionada pelo já consensualmente acordado. Uma pessoa absolutamente subjetiva também não influiria sobre o mundo real. Os extremos subjetivo e objetivo não são socialmente criativos. A criatividade acontece quando o subjetivamente concebido se entremeia com objetivamente percebido. O subjetivo atua sobre o objetivo dando-lhe cores, nuances, transformando-o; o objetivo atua sobre o subjetivo fornecendo-lhe dados de realidade para a construção de limites.

A potência criativa se encontra na fenda virtual que por isto mesmo recebe o nome de espaço potencial. Estando a potência criativa no limite ou mesmo fora das regras instituídas ela depende de um clima permissivo que propicie ultrapassar o já estabelecido. Ao invés de uma permissividade descontrolada teremos uma permissividade criativa que se exerce na área intermediária, transicional, área de superposição do subjetivamente concebido com o objetivamente percebido.

À palavra criatividade[31] Winnicott dá uma conotação teórica muito particular que a afasta do sentido corriqueiro. Podemos tomar como paradigma da criatividade winnicottiana  um bebê com fome que necessita de um seio e este seio aparece. O bebê criou um seio que já existia. Esta a fórmula geral da criatividade para Winnicott: criar o que já existe. Difere do significado comum que, como todos sabemos, é fazer algo novo. Isto não quer dizer que a criatividade no sentido winnicottiano não possa também trazer algo novo. A partir do paradigma exposto podemos dizer que a criatividade cria o que já existe, dando vida ao existente ao disseminar sua subjetividade sobre a objetividade fenomênica. Indo mais adiante, a subjetividade pode criar um fenômeno já existente como virtual, ainda não concretamente presente. Criatividade teria ao mesmo tempo uma conotação winnicottiana e comum. O sentido comum não é importante para os meus propósitos. O relevante é a criação de um elo intrínseco entre o ser humano e o mundo, vivificando-o, dando-lhe colorido; a subjetividade lançada sobre o objeto ou fenômeno objetivo torna-o transicional.  Uma forte e intrínseca ligação se estabelece entre o ser humano e o mundo, já que o mundo é criado e recriado inúmeras vezes por ele. O mundo é parte da pessoa que o cria e o sujeito exerce um cuidado com aquilo que está em processo de criação permanente, pertencendo pois, ao seu campo narcísico. A permissividade exerce-se então construtivamente, e não mais no excesso destrutivo da 2ª fase.     

 

Identificação primária, mutualidade, identificações cruzadas e “concern”.

 

Identificação primária - O bebê, ao nascer, deverá encontrar uma mãe em estado de “preocupação materna primária”. Neste estado ela é capaz de propiciar ao bebê uma fusão formando com ele uma unidade na qual um não se distingue do outro. Citando Winnicott:

"Duas pessoas separadas podem sentir-se em união, mas aqui, nessa área que examino, o bebê e o objeto são um. A expressão “identificação primária” talvez tenha sido usada para designar exatamente isto que estou descrevendo, e estou tentando demonstrar quão vitalmente importante é essa primeira experiência para o início de todas as experiências subseqüentes de identificação".[32]

 

Neste texto de 1966 Winnicott parece não querer se comprometer por inteiro com a expressão “identificação primária” ao colocar a palavra “talvez”. No entanto já o havia feito em 1960 quando fala de “O desenvolvimento do lactente durante a fase do holding: ...É neste estágio que processo primário, identificação primária, auto-erotismo e narcisismo primário são realidades vivas”[33].

      Apesar da relutância de Winnicott resolvi colocá-la em circulação não apenas porque ela é amplamente usada pelos psicanalistas, mas principalmente por me parecer mais apropriada ao que aqui desejo transmitir: estou tentando encontrar em cada camada de desenvolvimento, a possível ética implicada. Nesta fase inicial da vida humana a detentora da ética é aquela mãe capaz de viver uma “preocupação materna primária”. É neste estado que acontece a identificação primária, a fusão mãe-bebê. Se olho de fora, vejo duas pessoas e posso então posso dizer que a preservação e o bem-estar de si-mesmo e do outro estão contemplados. Estamos na camada do Ser, do aspecto feminino puro[34], que persistirá no desenvolvimento subseqüente do ser humano como sensação implícita, de alguma maneira influindo na constituição da ética pessoal. Podemos colocá-la na categoria de ética espontânea e dar-lhe o nome de ética da identificação primária.       

O paradigma da mutualidade[35] encontra-se na relação da mãe com um bebê de aproximadamente doze semanas que, ao ser amamentado, brinca de amamentar a mãe colocando um dedo na sua boca. Estabelece-se uma situação de amamentação mútua. De um lado o leite do seio/dedo da mãe e do outro o leite do dedo/seio do bebê; já não estamos no espaço de fusão mas sim no espaço potencial, espaço do brincar. Isto se passa dentro de um intenso clima afetivo de uma identificação onde tanto a mãe e o bebê (m)amam e são (m)amados. Repito: trata-se de uma identificação na dependência relativa, uma identificação secundária, pois já existe a separação eu/não-eu. É uma separação relativa uma vez que mãe e filho estão ligados por processos de identificação projetiva e introjetiva, portanto no nível de relação de objeto. O eu se distingue do não-eu, porém o não-eu não é conhecido em sua singularidade, sendo principalmente um receptáculo não-eu de fantasias ainda em trânsito para a percepção objetiva. Os intensos processos de identificação projetiva e introjetiva incluem o eu e o outro em uma unidade maior que Mahler[36] chama de simbiótica. Eu e não-eu estão separados no interior de uma fronteira comum que os engloba. Essa unidade faz com que o cuidado do outro seja também o cuidado de si e vice-versa. Podemos então falar de uma ética espontânea em um nível diferente da anterior e à qual se poderia dar o nome de ética da mutualidade. 

O adulto maduro que viveu a mutualidade[37] e que teve a oportunidade de internalizar limitações sem passar pelo trauma da castração conserva a capacidade para experiências de mutualidade; agora o que se troca não é mais a amamentação e leite real/imaginário, mas afetos e fantasias que livremente circulam entre dois seres em relação íntima e sem barreiras. Temos aqui um adulto capaz de identificação dual-porosa[38]: uma pessoa singular, autônoma e raciocinante (com a Mente desenvolvida) apta a abrir seus poros psicossomáticos para trocar fantasias e afetos com as subjetividades individuais e sociais. Uma identificação e ética espontâneas em um adulto desenvolvido, capaz de um pensamento lógico, portanto capaz também de uma ética da responsabilidade. Dois planos de desenvolvimento. Lembro que estamos, no momento, no plano da ética espontânea. Chamaríamos a esta ética espontânea de dual-porosa[39].

Após este desvio/adiantamento, retornemos à seqüência que se interrompeu na ética da mutualidade.

 Identificações cruzadas[40]: Começarei por uma frase de Winnicott:

"A sobrevivência do analista à destrutividade que é própria desta mudança, e a ela se segue, permite que aconteça algo de novo, que é o uso, pelo paciente, do analista, e o início de um novo relacionamento baseado em identificações cruzadas. O paciente pode agora começar a colocar-se imaginativamente [sublinhado meu] no lugar do analista, e (ao mesmo tempo) é possível e bom para este colocar-se no lugar do paciente, a partir de certa posição, isto é, ter os próprios pés no chão"[41].                                                

 

Este fragmento permite-me dizer que as identificações cruzadas ocorrem no estágio de uso do objeto, quando o analista já pode ser visto em sua realidade humana, com seus defeitos e virtudes. Posso também dizer que as identificações cruzadas estão no ápice do processo evolutivo das identificações projetivas e introjetivas. É aqui que se introduz uma ambigüidade que certamente tem a ver com o estilo de Winnicott (que é deixar questões em aberto para a produção criativa do leitor). Tanto posso pensar em identificações cruzadas como as próprias identificações projetivas e introjetivas usadas agora de forma saudável ou pensar que as identificações cruzadas representam uma nova forma de se relacionar diferente das identificações projetivas e introjetivas; este último pensamento vem da expressão “colocar-se imaginativamente no lugar do analista” que poderia nos fazer pensar na existência de um tipo de identificação diferente da projetiva e introjetiva e que seria uma identificação imaginativa, um colocar-se propositalmente “nos sapatos do outro”.  De qualquer forma está em curso uma desidealização que dará acesso a outro nível de conhecimento, relação e (introduzo agora o conceito) ética. Tenho para mim que a ética das identificações é uma ética espontânea. Seria bem menos espontânea se abraçássemos a idéia de uma identificação imaginativa qualitativamente diferente da identificação projetiva e introjetiva.  Nós nos depararíamos então com um esforço para se identificar, o que já introduziria uma intervenção do raciocínio, da mente. Porém a partir do momento em que esse esforço fosse bem sucedido estaríamos, talvez, de volta à espontaneidade.

 

Concern[N1] [42] – ao fim e ao cabo concern significa zelo e preocupação com o bem-estar de outrem. Ele surge a partir da própria evolução maturacional do ser humano. Representa a fase terminal de um processo que começa por vivenciar como duas pessoas diferentes a mesma mãe: uma é vivenciada como mãe-ambiente e a outra como mãe-objeto. Enquanto perdura esta dualidade o ataque à mãe objeto não traz nenhuma conseqüência para a relação com a mãe ambiente. Quando o infante integra as duas mães em uma só aparece o concern, a preocupação de estar destruindo a mãe unificada ao atacá-la. A criança se torna zelosa desta mãe. Aqui ainda funcionam as identificações projetivas e introjetivas que são movimentos do psíquico, mas também já podemos falar de um movimento mental que procura uma identificação imaginativa com a mãe. Estamos agora próximos da ética da responsabilidade que em parte se confunde e em parte ultrapassa a ética do concern.

      A ética fusional, a narcísica (mutualidade e identificações cruzadas) e a do concern surgem espontaneamente no desenvolvimento do ser humano. A elas eu acrescentaria, como ainda espontânea, a ética da identificação dual-porosa que depende da conservação da porosidade primeva, permitindo que dois sujeitos autônomos se unam por trocas afetivas e por dinamismos psíquicos, um processo do psiquessoma que não depende da intervenção da Mente. Esta sim (a mente), é necessária na ética da responsabilidade, uma ética da evolução espiritual da civilização.

É importante evitar o desgaste das éticas espontâneas. Precisamos escapar dos convencionalismos que matam a criatividade, precisamos manter a porosidade interna e externa para que não se percam o contacto com o feminino que existe dentro de nós e o contacto com a subjetividade em devir da sociedade.

      Pude chegar até este ponto do estudo dialético a que me propus. Temos agora mais uma utopia em nosso horizonte que tanto concerne à clínica quanto ao social. Uma utopia que privilegia o acolhimento, a colocação delicada e sensível de limites, a compreensão da subjetividade alheia e da própria, o comprometimento com uma ecologia humana ética. O consultório pode tornar-se um lócus de resistência ao massacre da sociedade hipercapitalista com suas dissimuladas mas hábeis e eficientes imposições e um fulcro para a transformação da subjetividade pessoal e social.   

     

         Nahman Armony – 18/06/09

 

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                                    Nahman Armony

                                                         Junho/2009.




[1] BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
[2] LIPOVETSKY, G. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarola, 2004.
[3]LIPOVETSKY,G.  A felicidade paradoxal. São Paulo: Companhia de Letras, 2006.
[4] O Novo Clube de Paris formado por pessoas das mais diversas atividades – matemáticos, ministros, presidentes de Bancos, etc. – está preocupado com os rumos tomados pela hipermodernidade (ou modernidade líquida) acreditando que estamos chegando a um limite muito perigoso.
[5] ABRAM, J. A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter,  2000.
[6] BAUMAN, Z. Revista do Globo. Jornal O Globo de 25/04/09 – Entrevista.
[7] BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
[8] FREUD, S. O mal-estar da civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1974.
[9] FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Editora Vozes, 1977.
[10] ARMONY,N. Borderline: uma outra normalidade(p. 57) Editora Revinter,1998, 63-72.
[11] SIBILIA,P. “A vida como relato na era do fast-forward e do real time: algumas reflexões sobre o fenômeno dos blogs”. Em questão. Porto Alegre, v.11, p. 35-51, jan./jun. 2005.  
[12] Caetano Veloso, 1968.
[13] Ver FOUCAULT, M. A  hermenêutica do Sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
[14] BEEBE, B. et al. Forms of intersubjectivity in infant researcha and adult treatment. New York: Other Press, 2005.
[15] “O que realmente conta é apenas a volatilidade, a temporalidade interna de todos os compromissos; isso conta mais que o próprio compromisso, que de qualquer forma não se permite ultrapassar o tempo necessário para o consumo do objeto do desejo (ou melhor o tempo suficiente para desaparecer a conveniência desse objeto” in Bauman, Z. Globalização, as conseqüências humanas (p. 89). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.   
[16] “Na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria...”(p.20) in Bauman, Z. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
[17] FREUD, Sigmund. Análise terminável e interminável Rio de Janeiro: Imago, 1975. p. 259/260. (Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 23) (Artigo original pulicado em 1937).
[18] Site: ivairr.sites.uol.com.br/ecologia.html.
[19] ivairr.sites.uol.com.br/ecologia.html.
[23] Ver ARMONY, N. Dinamismos em psicanálise. In: Psicanálise: da interpretação à vivência compartilhada. Rio de Janeiro: Editora Universitária Santa Úrsula, 1989. p.91-100.
[24] Ver ABRAM, J. Holding. In A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter, 2000. p.135-140.
[25] WINNICOTT, D.W. (2000) A tendência anti-social. In: Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1956. p.406-416.
[26] FREUD, S. (1924) O problema econômico do masoquismo. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.208-209. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.)
[27] FREUD, S. (1923) O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.49. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud).
[28] CAETANO VELOSO, 1968.
[29] ARMONY, N. Do universal/particular ao local/global: o superego sob nova ótica. In: Winnicott, seminários cariocas. Rio de Janeiro: Revinter, 2008. p. 111-127.
[30] ABRAM, J. O espaço potencial e a separação. In: A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter, 2000 p. 263-265.
[31] ABRAM, J. Criatividade . In: A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter, 2000 p.83-95.
[32] WINNICOTT, D.W. (1966) Sobre os elementos masculinos e femininos ex-cindidos. In: Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994 p.140.
[33] IDEM (1960) Teoria do relacionamento paterno-infantil. In: O ambiente e os processos de maturação .Porto Alegre: Artes Médicas, 1982 p. 44.
[34] WINNICOTT, D.W. (1966) Elementos masculinos e femininos puros. In: Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982 p.139-141.
[35] WINNICOTT, D.W. (1969) A experiência mãe-bebê de mutualidade. In: Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994 p. 195-202.
[36] MAHLER, M. O nascimento psicológico da criança. Porto Alegre: Artmed, 1993
[37] WINNICOTT, D.W. (1969) A experiência mãe-bebê de mutualidade. In: Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994 p. 195-202.
[38] ARMONY, N. Formando e localizando o conceito de identificação dual-porosa. In: Borderline: uma outra normalidade. Rio de Janeiro: Revinter, 1998 p.63-72.
[39] Ver ARMONY, N. Ética e subjetividade nos borderlines próximos da normalidade. In: Psicanálise: uma prática teorizada. Rio de Janeiro: Cia. de Freud, 2007 p.163-169.
[40] WINNICOTT, D.W. (1968) Inter-relacionar-se independentemente do impulso instintual e em função de identificações cruzadas. In: O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975 p. 176-186.
[41] Idem – O Brincar e a Realidade. Idem p. 186
[42] ABRAM, J. Preocupação. In: A linguagem de Winnicott. Rio de Janeiro: Revinter. 2000, p.172-182

                                                           Excerto publicado no livro "O Homem Transicional"
                                                           de minha autoria 




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