O ser humano possui uma quota de
energia que precisa ser atualizada. Essa cota de energia, dependendo da
perspectiva, pode ser chamada de força vital, de agressividade. Sua
manifestação mais conspícua é a motilidade. Dessa maneira, de certa forma,
agressividade e motilidade se confundem. É esta agressividade que tem de ser
gasta.
De que maneira isso acontece? Parte da energia/agressividade
é gasta na motilidade e nos procedimentos de crescimento, de experimentação e
na exploração do mundo. Parte dela está ligada ao amor primário – o amor
primário tem obrigatoriamente um componente agressivo. Parte encontra ou cria
um obstáculo para poder se manifestar. O obstáculo que é o mundo, sua
realidade, pode ser suficiente para o gasto da agressividade. Mas pode não ser,
e então é preciso achar ou mesmo criar um obstáculo para gastar a energia, a
agressividade. Disso tudo resulta um gasto de agressividade que pode ou não ser
completo, sendo que o excedente de energia fica preso no organismo.
Existe, pois, uma agressividade inata
necessária ao desenvolvimento do ser humano. Os rumos que esta agressividade
tomará, dependem da maternagem. Se esta for suficientemente boa, a
agressividade se tornará integrada à personalidade, podendo ser criteriosamente
usada. Se o ambiente não for suficientemente bom, a agressividade se
transformará em destrutividade.
A agressividade
não é perigosa. A repressão (recalque) da agressividade, sim.
Na época do
pré-concern a agressividade (falamos aqui
de uma das possibilidades) é dirigida à mãe-objeto (amor voraz) como um amor
implacável, já que não houve ainda a integração da mãe-objeto com a
mãe-ambiente. O amor excitado inclui um ataque imaginário ao corpo da mãe. Se
essa agressão é inibida, haverá dificuldade de amar, de se relacionar com o
outro. “Se a agressão é perdida nesse estágio de desenvolvimento, haverá também
algum grau de perda da capacidade de amor, isto é, de se relacionar com
objetos” (p. 358 – Agressão e sua relação
com o desenvolvimento emocional, in “Da pediatria à psicanálise”).
É possível que
mesmo no estágio de concern apareça
esse tipo de agressividade implacável. Isso se deverá a uma dissociação entre o
aspecto tranqüilo e o aspecto excitado da personalidade. (“Um certo grau deste
tipo de comportamento aparece como uma dissociação entre o aspecto tranqüilo e
o aspecto excitado da personalidade, de forma que crianças comumente boas e
amáveis atuarão de forma inadequada e farão coisas agressivas a pessoas que
ama, sem se sentir inteiramente responsáveis por suas ações”(idem, ibidem).
No estágio do concern, quando há uma integração das
duas mães, a criança sente-se culpada por ter danificado a pessoa amada durante
a relação excitada. Se o ambiente (a mãe) sustenta a situação – e aqui estamos
falando de um fator temporal – dá tempo à criança de realizar uma reparação que
também deve ser aceita, isto é, sustentada no tempo pelo ambiente. Quando a
reparação não pode ser aceita a transformação de agressão em realizações
sociais se desfaz e reaparece a agressão. (agressividade é diferente de
agressão: a realização só pode ser feita quando há agressividade, mas a
realização não necessita de ser agressiva. Só o será quando falhar o mecanismo
da reparação).
Então um dos
caminhos da culpa é a reparação, as realizações sociais benéficas ao grupo. Mas
antes disso, ou depois disso ou mesmo durante, a culpa poderá ser nada mais
nada menos do que agressividade voltada contra si mesmo, provocando sofrimento
psíquico e equivalentes físicos.
Em Agressão e sua relação com o desenvolvimento emocional há uma frase
categórica de Winnicott: “A atividade
social não será satisfatória, a não ser que se baseie em um sentimento de
culpa pessoal em função da agressão”.
Winnicott admite que todos os seres humanos possuem uma agressão reativa. “Podemos
dizer que seremos sempre capazes de detectar a agressão reativa no impulso
amoroso primitivo, já que, na prática, não existe algo como uma completa
satisfação do id”. (p.363, ibid). Isso
foi escrito em 1950-55. Em 1958 Winnicott assume a existência de uma atividade
social desvinculada da culpa nos artistas criativos, o que eu estendi para os borderlines próximos ao normal (homem
pós-moderno) de uma maneira geral (ver o artigo “Psicanálise e o sentimento de
culpa” 1958 p.28-29 no livro “O ambiente e os processos de maturação”).
“Podemos dizer que seremos sempre capazes de
detectar a agressão reativa no impulso amoroso primitivo, já que, na prática,
não existe algo como uma completa satisfação do id”. (p.363, ibid).
A motilidade (agressividade) inerente, que
todos nós portamos, tem de se expressar. Ela não se gasta inteiramente na
atividade do id. O restante dela, ou encontra um obstáculo para ser gasta, ou
permanece no organismo causando incômodo, procurando meios de se expressar e
eventualmente convertendo-se em masoquismo.
Na
última década de sua vida, Winnicott atribuiu uma missão da maior importância à
agressividade na sua forma de agressão destrutiva. A passagem da relação de
objeto para uso de objeto se dá por um ataque e destruição do objeto subjetivo,
que só então passa a ser visto sob a ótica de objeto objetivamente percebido. A
palavra “uso”, da linguagem coloquial, é então transformada em conceito, pois
coloquialmente falando, também na relação de objeto existe o uso (em sentido
coloquial) do analista. Também devemos tomar cuidado com a conotação pejorativa
que a palavra uso pode ter, significando mais um abuso que uma utilização. Para
Winnicott, o “uso” do analista, como conceito, significa que o analisando pode
finalmente ver o analista como um outro, e então realmente ouvir, sentir e
aproveitar o que está sendo transmitido.
A
agressividade para Winnicott é, portanto, o motor que impele a pessoa a se
relacionar, a criar, a viver, a amar, a realizar, a produzir. O perigoso, para
Winnicott, reside na repressão e no recalque da agressividade pois, estando
fora do alcance do Cs. não poderá ser administrada.
Nahman
Armony