NÍVEIS DE ENTREGA


Muitas vezes ouvi mulheres reclamando dos homens que não se deixavam amar: sempre davam um jeito de quebrar o clima de intimidade quando este ia além do que seus medos podiam suportar.
Dentro de uma mentalidade patriarcal é possível compreender tal comportamento. O homem entregar-se a seus sentimentos era, na sociedade patriarcal, um sinal de fraqueza inconcebível. Uma fraqueza que o impediria de vencer na vida. Valorizava-se então a objetividade absoluta sem laivos de sensibilidade e compaixão, o que lhe permitiria manter o controle integral da situação. Era uma questão de princípio (“homem não chora”), mas era também uma questão pragmática, pois o prazer obtido no encontro amoroso poderia vir acompanhado de gratidão com um amolecimento da armadura egóica o que o deixaria mais predisposto a atender aos desejos da companheira e mais sensível às suas necessidades. Para o machismo isto é muito perigoso, pois tira o homem da posição de dominador necessária à sua autoestima e à manutenção da hierarquia. A solução é entregar-se até certo ponto, não ultrapassando a linha além da qual a gratidão e o relaxamento o fariam sair de sua posição de poder absoluto.
Esta situação era prevalecente no século passado. De lá para cá muita água passou debaixo da ponte. O machismo está em processo de dissolução e embora haja uma certa indefinição a sensibilidade masculina está em alta.
A indefinição da qual falo refere-se a uma dubiedade quanto ao papel do homem. Ele deverá ser sensível sim, mas não deverá perder certas características como pagar a conta da companheira, abrir a porta do carro e outras gentilezas exclusivas do masculino estabelecendo ainda uma diferença de gêneros.
Pelo que posso perceber o assunto ainda é confuso e está em processo de elaboração social. E mais confuso se torna quando nos deparamos com um fenômeno perfeitamente compreensível. A mulher atualmente apresenta o mesmo medo de entrega. Vamos tentar compreender.
Por séculos a mulher foi oprimida até que as condições sociais e tecnológicas vieram a permitir uma revolta contra sua condição de inferioridade. As primeiras feministas diante da força esmagadora da tradição tiveram que vestir o uniforme de supermulher disputando poder com o gênero masculino e adquirindo suas características. Na medida em que elas foram conquistando espaços e se libertando do jugo masculino essa força passou a ser desnecessária e realmente a luta se amainou. Mas permanece ainda no inconsciente coletivo feminino a lembrança arcaica e inconsciente de uma outra época terrivelmente desfavorável à mulher. E o medo inconsciente do retorno da dominação masculina faz com que atualmente a Mulher evite uma entrega completa, repetindo, por outros motivos, o antigo comportamento do Homem. Por sua vez o Homem ainda parcialmente aprisionado pelo antigo padrão de comportamento Homem/Mulher também não consegue uma entrega completa. Ambos, Homem e Mulher se entregam até certo ponto e não vão além por medo de se sentirem dominados (e também por medo da perda de individualidade que é um dos grandes fantasmas de nossa época). A incompletude da relação amorosa deixa ambos insatisfeitos facilitando o rompimento ou a procura de outros parceiros.
Espero que estas considerações possam ajudar os casais a se encontrarem o mais próximo possível da plenitude de suas potencialidades amorosas que hoje vão muito além da relação sexual padrão.
                                                       Nahman Armony
Primeira publicação na revista CARAS.

     

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