PARA MANDELA

                       
   Quero falar de Mandela
    Preciso falar de Mandela
    Necessito participar de sua grandeza
    Antes que ela morra em mim

    Mas como palavrear a mirta que eternamente arde sem queimar?
    Não basta falar de sua dignidade, coragem, tolerância
    Há algo que vai além...

    Sou apenas uma criança perplexa
    Que não sabe falar nem de Morte, nem de Mandela nem de Eternidade.
                       

                                                                                              Nahman Armony

DO BORDERLINE BRANDO AO HOMEM TRANSICIONAL


No meu livro “Borderline: uma outra normalidade” tentei delinear a figura do borderline normal, uma invenção minha que desenvolvi mais na 2ª edição. Indo adiante em meu pensamento e diante das constantes transformações da subjetividade humana pude percorrer um caminho já há tempos almejado por mim:  vincular o borderline normal à teorização winnicottiana o que realizei fazendo emergir o nome de Homem Transicional já insinuado por Winnicott no texto “O Lugar em que vivemos”.
Meu método será começar pelas noções apresentadas na primeira edição de meu livro “Borderline: uma outra normalidade” para em seguida acrescentar os novos desenvolvimentos. Iniciarei pela citação que faço do livro de Grinker de 1968. Este autor admite[1] quatro níveis de borderline: “Grupo 1- O borderline psicótico – comportamento inapropriado e não adaptado. Deficiente senso de identidade e de realidade. Comportamento negativo e raivoso em relação às pessoas. Depressão. Grupo 2- O borderline nuclear – Envolvimento flutuante com outros. Expressões abertas e atuadas de raiva. Depressão. Ausência de indicações de um self consistente. Grupo 3 – Personalidades ‘como se’ – comportamento adaptado e apropriado. Relações complementares. Pouca espontaneidade e afeto em resposta a situações. Defesas: afastamento e intelectualização. Grupo 4- O borderline neurótico – Depressão anaclítica (semelhante à da infância). Ansiedade. Semelhança com caráter narcisista neurótico”.             Pautado por essa sistematização distingui nesse conjunto humano três níveis: borderline pesado (patológico), borderline falso-self e borderline brando (próximo da normalidade). Interessa-me neste momento trazer para vocês a figura do borderline normal. Entre os primeiros introdutores desta idéia estão os psicanalistas Bergeret, Bleger e Winnicott.
1-   Bergeret- “existem tantos termos de passagem entre ‘normalidade’ e psicose descompensada no seio da linhagem estrutural psicótica fixa, quanto entre ‘normalidade’ e neurose descompensada, no seio da linhagem estrutural neurótica fixa (...) A noção de ‘normalidade’ estaria, assim, reservada a um estado de adequação funcional feliz, unicamente no seio de uma estrutura fixa, seja esta neurótica ou psicótica, sendo que a patologia corresponderia a uma ruptura do equilíbrio dentro de uma mesma linhagem estrutural”. BERGERET, 1991, p. 28/9. Bergeret considera a estrutura psicótica superior à estrutura neurótica: “Pode-se ser ‘normal’ sem haver atingido o nível edipiano, com a condição de haver realizado uma verdadeira estrutura; contudo a estrutura do tipo edipiano deve, da mesma forma, ser disposta em um nível elaborativo superior ao da organização estrutural psicótica”. Ibidem, p. 43.
2-   Bleger- A leitura de Bleger (“Simbiose e ambigüidade”) permite igualar o que ele chama de “personalidade ambígua” com o que em geral chamado de borderline. É o que vemos na citação que se segue: “ ... a personalidade ambígua, rigorosamente falando,  não carece de ego nem de sentido de realidade; ela possui um outro tipo de ego e outro sentido de realidade. Disto se deduz que a onipotência (por exemplo) que caracteriza a personalidade ambígua e a primitiva organização sincrética, não constitui uma falta de sentido de realidade (em seu significado convencional), mas sim configura uma relação distinta e um manejo diferente da realidade, que ainda pode ser bem-sucedido para o sujeito. Neste sentido, a onipotência da ambigüidade primitiva não é uma defesa frente à realidade, como um escape frente à mesma, mas uma forma distinta de estruturá-la e manejá-la, o que não exclui que possa servir como defesa por meio da regressão. O eu da personalidade ambígua é sumamente cambiante e não se acha interiorizado como um eu definido ou cristalizado”.[2]
3-   Winnicott- “Os psicanalistas experientes concordariam em que há uma gradação da normalidade não somente no sentido da neurose mas também da psicose, e que a relação íntima entre depressão e normalidade já foi ressaltada. Pode ser verdade que há um elo mais íntimo entre normalidade e psicose do que entre normalidade e neurose; isto é, em certos aspectos. Por exemplo, o artista tem a habilidade e a coragem de estar em contacto com os processos primitivos aos quais o neurótico não tolera chegar, e que as pessoas sadias podem deixar passar para o seu próprio empobrecimento”.[3]
Após um levantamento e estudo intensivo equiparei, já no último capítulo da 1ª edição, o borderline brando (“normal”) ao homem pós-moderno da sociologia: “O processo de superposição de rostos humanos, inventado por Galton, cuja resultante é um rosto único, é uma boa metáfora da fusão do borderline brando com o homem pós-moderno da sociologia. A figura resultante é lúdica, curiosa, transgressora, vive um descontrole controlado das emoções, valoriza as experiências afetivas, as sensações imediatas. Usa o corpo, a mente, o movimento, a emoção para pensar. Sujeita a identificações transitórias, sua identidade é fluida, móvel, elástica. Comunica-se, relaciona-se e conhece sem mediações. Acossada pelas intensidades, impelida à ação, tenta realizar suas fantasias infantis no social, sobrepondo fantasia e realidade. Tende a esgotar suas emoções, busca o alargamento do eu, explora novas possibilidades indo à procura do inédito. Preserva o frescor infantil, a curiosidade, o interesse, a multiplicidade, a busca de prazer, a construção e expansão de si mesmo. A vida passa a ser uma arte. A porosidade de suas fronteiras promove uma variante ética na qual o outro e o mundo ficam incluídos no campo narcísico. Este homem, tendo preservado ou readquirido sua aptidão empática e sua capacidade para a identificação dual-porosa, mantém uma liberdade, flexibilidade e rapidez de deslocamento que lhe permite acompanhar a velocidade adquirida pelos acontecimentos na civilização pós-industrial.      A aceleração crescente das modificações técnicas, culturais, sociais e econômicas tem, justamente, sua resposta na flexibilização das mentalidades, na capacidade para a apreensão do novo, na coragem em abandonar convicções e posições anteriores, na possibilidade de embarcar no embalo dos acontecimentos. O modo borderline de existência coloca o homem na dimensão do desafio da velocidade, da inconsistência e inconstância da pós-modernidade”.
Reconheço, ao reler o que escrevi há mais de uma década haver uma certa glorificação do borderline que beira o exagero. Minha desculpa é que eu estava na ocasião ressaltando os aspectos positivos do borderline brando, pois estávamos então mergulhados numa depreciação do modo de vida borderline, não só o patológico, como também o brando transgressor, singular, diferente. Vou dar um exemplo deste tipo de borderline com seus prazeres, realizações, dificuldades e sofrimentos.
Ex. de borderline brando:
Paula- vive um estado de agitação constante interrompido por períodos de exaustão quando descansa e dorme, o que a recupera. Seu estado de agitação é usado produtivamente no trabalho e na diversão. Está disponível para relações dual-porosas envolvendo-se intensamente com os acontecimentos externos, com histórias ficcionais e não-ficcionais das pessoas, com as vitórias, fracassos, prazeres e dores de seus amigos que são muitos, de vários graus. Com isso vive grandes alegrias e grandes sofrimentos de uma maneira quase tão intensa quanto vive suas próprias derrotas e triunfos. Diante de situações inusitadas e chocantes fica paralisada, sem reação, sem conseguir articular pensamentos e, embora raramente, com distúrbios de identidade (certa vez esqueceu o próprio nome numa situação altamente estressante). É uma pessoa bondosa, sem ressentimentos. Sempre que pode ajuda quem está à sua volta mesmo que tenha de se sacrificar pessoalmente. Mas isto tem um limite, pois seu instinto de sobrevivência é poderoso sendo capaz de fortes atos defensivos/agressivos. Muito susceptível facilmente sente-se atacada e ridicularizada; quando não se paralisa descarrega (desde que haja segurança) sua raiva no momento da situação ou, mais freqüentemente após, em ambiente protegido. Em pouco tempo recupera-se das feridas narcísicas restabelecendo relações duais-porosas. Faz também relações de amor/ódio com objetos inanimados. Exp.: Seu carro, individualizado e humanizado por um nome próprio, e amado como se fosse um ser humano, certa vez enguiçou em um momento em que dele precisava para resolver questões urgentes. Ela o tratou como um amigo que a tivesse traído, socando-o, chorando e gritando a pergunta “por que você está fazendo isto comigo?” Após descarregar os sentimentos gerados pela sensação de decepção pôde tomar as providências objetivas que a situação requeria. É impulsiva o que a faz agir com alguma freqüência, de forma inadequada, mas é capaz de imediatamente corrigir a conseqüência de sua impulsividade restabelecendo uma boa relação com a realidade. Quando em situações de grande desejo ou sentidas como de grande perigo, tem diminuída sua capacidade de usar o pensamento objetivoUm bom exemplo desta perturbação de sua relação com a realidade objetiva aconteceu em um vôo em zona de trepidação. Ela, com toda calma e como se fosse a coisa mais natural do mundo chamou a comissária de bordo e muito seriamente pediu para falar com o piloto, pois queria orientá-lo no sentido de evitar a zona de trepidação. Passado o perigo ela se deu conta do absurdo de seu ato, e pôde rir dele. Embora o desejo, o medo e fortes convicções façam com que as idéias subjetivamente concebidas imperem por períodos variáveis de tempo, elas acabam se integrando numa visão objetivamente percebida. Com isso o seu trabalho é ousado, imaginativo, original, fecundo, estimulante e bem-sucedido. Um trabalho que de início pode facilmente ser criticado e mesmo ridicularizado, mas que acaba por se impor por sua eficiência pragmática. É um trabalho amoroso que leva em consideração os aspectos subjetivos do humano. Um trabalho claramente realizado em um espaço potencial e que acabou por lhe valer um reconhecimento expresso em prestígio, homenagens e convites para trabalhos de excelência. Sofre bastante com as somatizações e frustrações decorrentes de suas relações pessoais. Uma de suas muitas alegrias é ser muito solicitada como profissional e como amiga.
         Este exemplo já não está no meu livro. E o que se segue tem muito de         desenvolvimento, refinamento e inovação.

SUBJETIVIDADE NEURÓTICA E SUBJETIVIDADE BORDERLINE
Um primeiro refinamento: haveria uma subjetividade neurótica apropriada à modernidade vitoriana e uma subjetividade borderline solidária à pós-modernidade (também chamada de modernidade líquida por Bauman e de hipermodernidade por Lipovetsky).

ALICERCES DAS SUBJETIVIDADES NEURÓTICA E BORDERLINE
A SUBJETIVIDADE NEURÓTICA tem como seu principal sustentáculo o recalque. Comporta desde o neurótico grave necessitado de tratamento até o neurótico “normal”. Podemos ler isto em Freud: “Não podemos negar que também as pessoas sadias possuem, em sua vida mental, aquilo que, por si só, possibilita a formação tanto dos sonhos como dos sintomas; e devemos concluir que também elas efetuaram repressões, que despendem determinada quantidade de energia a fim de mantê-las, que seu sistema inconsciente oculta impulsos reprimidos ainda catexizado com energia, e que uma parte de sua libido é retirada e deixa de estar à disposição do ego. Assim, também uma pessoa sadia é virtualmente um neurótico; mas os sonhos parecem ser os únicos sintomas que ela é capaz de formar. É verdade que, se alguém submete a um exame mais atento sua vida desperta, descobre algo que contradiz essa aparência – ou seja, que essa vida pretensamente sadia está marcada aqui e ali por grande número de sintomas banais e destituídos de importância prática”. (p.532/3 do vol. XVI).
Freud nos diz não só que a normalidade é uma neurose branda, mas também que o dinamismo constitutivo desta neurose branda é o recalque. Uma outra citação abonará esta afirmação: “A análise, contudo, capacita o ego, que atingiu maior maturidade e força, a empreender uma revisão dessas antigas repressões; algumas são demolidas, ao passo que outras são identificadas, mas construídas de novo, a partir de um material mais sólido. O grau de firmeza dessas novas represas é bastante diferente do das anteriores; podemos confiar em que não cederão facilmente ante uma maré ascendente da força instintual. Dessa maneira, a façanha real da terapia analítica seria a subseqüente correção do processo original de repressão, correção que põe fim à dominância do fator quantitativo”(p.259/260 do vol. XXIII – Edição Standard da Imago, 1975).

Da mesma maneira a subjetividade borderline abrange a gama que vai do borderline próximo da psicose --- borderline pesado ---- até o borderline próximo da normalidade ----- borderline leve. A subjetividade neurótica tem como seu principal sustentáculo o processo psíquico do recalque. Em sua genealogia encontramos a forte influência da repressão exercida pela sociedade sobre os impulsos afetivos. O resultado é uma tendência à uniformização dos seres humanos dentro de um modelo de conduta convencional. A principal repressão era exercida sobre a pulsão sexual, um dos mais fortes impulsos do ser humano, que uma vez recalcada, tornada inconsciente e impedida de se manifestar, retornava à consciência (retorno do recalcado) disfarçada de sintomas causando desconforto no neurótico normal e sofrimento no neurótico grave. O desconforto do neurótico normal pode vir a ser administrado de modo a não impedir o trabalho fecundo, o amor, o prazer, o usufruto da vida, enquanto que o sofrimento do neurótico grave dificulta-lhe o viver prazeroso e produtivo.

A SUBJETIVIDADE BORDERLINE tem como um de seus suportes o processo psíquico de cisão. Em contraste com o recalque que transfere os desejos para o inconsciente para não mais tomar conhecimento deles, a cisão os mantêm lado a lado mesmo quando incompatíveis ficando, portanto imediatamente acessíveis à consciência. A “onipotência mitigada” é outro suporte do borderline. Como esta expressão não se encontra na literatura psicanalítica (ao que eu saiba ela foi criada por mim) vou expô-la mais extensamente. Ela surgiu da observação de um comportamento onipotente do borderline que não desafia propriamente a realidade, mas aprende a driblá-la, manipulá-la, enganá-la, mantendo assim seu sentimento de onipotência. Para melhor explicá-la irei às suas origens. Winnicott fala de uma experiência de onipotência irrestrita na fase de dependência absoluta. Uma experiência que é também um sentimento. O bebê é o criador do mundo. Quando na fase de dependência relativa descobre a existência do não-eu, sua onipotência sofre um revés. Mas não deixa de existir. Adquire uma forma que chamei de onipotência mitigada. A criança ou o bebê, na fase de dependência relativa, tem o poder de até certo ponto conseguir da mãe o que almeja; uma insistência e persistência criativas acabam por dobrar a mãe que então cede ao desejo de seu pimpolho. É uma experiência de onipotência mitigada que reforça o sentimento de onipotência. Daí a pertinácia borderline diante do aparentemente impossível. Ele sente-se capaz de dominar o mundo. As experiências de fracasso e vitória que levam o neurótico a recalcar o sentimento de onipotência, saindo do ciclo “ou tudo ou nada”, adquirindo uma capacidade social e profissional competentes que chamamos de “potência” têm outro efeito no borderline: em seu processo de divisão ora se sente onipotente quando vitorioso, ora impotente quando fracassado. Não tendo reprimido os sentimentos de onipotência/impotência vive no ciclo exaltação/depressão. O fracasso não faz desaparecer o sentimento de onipotência que em algum momento retorna e tenta mais uma vez realizar-se no concreto. O que muitas vezes acontece fazendo do borderline uma força transformadora.
         Outro elemento constitutivo da personalidade borderline é a porosidade. Enquanto no homem edípico existem barreiras que dificultam a percepção do inconsciente próprio e alheio, pessoal e social, fechando a porta para a entrada/saída das fantasias, dos afetos e para a comunicação intersubjetiva, o borderline com sua dual-porosidade deixa entrar em seu psiquismo e dele saírem afetos e fantasias; ele não só se deixa penetrar pela atmosfera subjetiva que o rodeia como com ela interage o que o integra à corrente dos acontecimentos. Ele influi no e é influído pelo caminhar das histórias que formam a História.

ASPECTOS ANTROPOLÓGICOS E FENOMENOLÓGICOS

1-     Normalidade neurótica- A sociedade vitoriana era uma sociedade notadamente repressiva. As empresas desse período necessitando acumular capital não instigavam o consumo compulsivo. Segundo Foucault a disciplina reinava onipresente desde os primeiros dias de vida. A acumulação, a ascese, a renúncia aos prazeres, a moderação, eram estimuladas. A educação era repressiva. Na casa e na escola valorizava-se o regramento, o dever, a decoreba, o bom comportamento. A criança era cumpridora de obrigações. Qualquer desvio das normas era punido. As empresas procuravam funcionários focados, dedicados a uma área restrita do trabalho, “certinhos”, disciplinados, cumpridores de deveres, assíduos, burocráticos, devotados à firma que, em contrapartida, lhes oferecia segurança e generosa aposentadoria. O homem vitoriano ideal era educado, formal, comedido, correto, disciplinado, cumpridor de suas obrigações, honesto, íntegro, retilíneo em sua trajetória de vida, confiável, honrado. Um cavalheiro, um gentleman. Ordem, dever, organização, controle, disciplina eram os preceitos a serem seguidos. Dedicava sua vida à tarefa de crescer lenta e seguramente dentro da atividade e/ou empresa escolhida. As regras eram estritas e aquele que as seguia era valorizado e recompensado. A sexualidade, o feminino, os sentimentos de fraqueza, dor, tristeza, a espontaneidade, a empatia e a capacidade de identificação eram desvalorizados, reprimidos, recalcados e confinados ao universo da mulher. O recalque provocava um empobrecimento da vida afetiva.

 Normalidade e patologia borderline- A normalidade perfeita é sempre um ideal impossível, pois não se conhecem homens sem traços neuróticos, já que aquilo que produz neurose compõe a personalidade, nem homens sem traços psicóticos, pois a criatividade, intuição e comunicação não verbal bebem na mesma fonte da psicose. Winnicott destaca a valor da inquietude borderline em confronto com a placidez alheada da neurose normal. Citação:

Para nós é de suma importância reconhecer que a ausência de doença psiconeurótica pode ser saúde, mas não é vida. Os pacientes psicóticos que pairam permanentemente entre o viver e o não viver forçam-nos a encarar esse problema, problema que realmente é próprio, não dos psiconeuróticos, mas de todos os seres humanos”. (Winnicott, 1967b, p.139).


 Direi simplificadamente, que o perigo da neurose está no empobrecimento da personalidade e o do borderline criativo, na inadequação, dispersão e fragmentação. A priorização da linha normalidade-psicose, e, portanto, do borderline, fará com que o analista tenha uma atitude terapêutica diferente daquele que prioriza a linha normalidade-neurose. Na normalidade borderline o não verbal ganhará presença encaminhando o sujeito para a manutenção da disponibilidade e capacidade para a identificação, uma das insinuâncias dos analistas dessa linha. Ainda hoje há bastante controvérsia sobre o que seja um borderline. Não estou aqui falando do borderline brando, mas do borderline patológico do qual falam os autores psicanalíticos. Como acontece com quase todos os termos da psicanálise, borderline é também uma palavra polissêmica, permitindo diversas visões, que, de alguma maneira, se aproximam e se suplementam. Tentando fazer uma síntese delas direi que o borderline pesado (ou patológico) é polissintomático, ambulatório, necessitando eventualmente de internação, com dificuldades na área afetiva das relações interpessoais por suas susceptibilidades narcísicas exacerbadas. No processo psíquico do neurótico o dinamismo dominante é o recalque; o correspondente no borderline é a divisão sendo que no borderline mais grave pode chegar ao nível da dissociação. A tendência a atuação é outra característica do borderline que na patologia mais séria apresenta-se como impulsividade descontrolada. Apresenta também problemas na área da identificação e identidade. Necessita de uma circunvizinhança humana para atuar e pacificar os seus fantasmas. Apresenta ainda: labilidade de humor, tendência a uma exacerbada dependência afetiva muitas vezes negada reativamente, uma extrema sensibilidade e susceptibilidade. É incomumente permeável ao próprio inconsciente, ao inconsciente do outro e à subjetividade circulante. Confunde suas necessidades com o desejo do outro: excesso de identificação projetiva. Desaparecimento de suas necessidades diante das demandas do outro: excesso de identificação introjetiva. Dificuldade de contenção dos sentimentos e pensamentos pressiona o borderline para uma atuação imediata. Para Grotstein o borderline caracteriza-se por sua inabilidade em disfarçar suas tendências psicóticas e seu subjacente primitivismo sob condições não estruturadas. Para Kernberg caracteriza-se por uma divisão defensiva (não primária) e para Bergeret por uma anaclise (adesividade) proveniente da depressão.
Se peneirarmos o borderline acima de modo a obtermos a farinha depurada do borderline brando, encontraremos a tendência à atuação, a necessidade afetivo/dinâmica de uma circunvizinhança humana para nela atuar seus fantasmas e realizar seus desejos infantis, o uso da divisão/compartimentação e da onipotência mitigada de forma não incompatível com a tolerância social, a extrema sensibilidade, a incomum permeabilidade ao próprio inconsciente, ao inconsciente do outro e à subjetividade circulante; tal permeabilidade permite-lhe identificar-se continuamente, em devir, com o que o rodeia. A essa identificação dei o nome de “identificação dual-porosa”, “identificação transital” (em trânsito), “identificação contínua”, e, posso agora acrescentar, “identificação em devir”. O borderline brando tende mais à multiplicidade do que ao polissintomático, o que significa que não inibe os vários aspectos de sua criatividade em favor de um único aspecto, mantendo as suas várias capacidades disponíveis para serem usadas. No que diz respeito à sensibilidade/susceptibilidade narcísica ela apresenta-se menos como uma ferida e mais como um instrumento de conhecimento do outro; a permeabilidade das fronteiras do eu, que poderia torná-lo vulnerável às afetações do outro se mantém como sensibilidade que permite conhecer o outro, propiciando o desenvolvimento de afetos e sentimentos pertinentes à relação em curso. Assim, ao invés de um fechamento nas próprias fantasias, há uma abertura para o conhecimento das fantasias do outro. A permeabilidade das fronteiras, que no borderline pesado pode ser usada contra o outro ou pode dar lugar a um excesso de identificação projetiva e introjetiva, no borderline brando muda de qualidade, transformando-se em identificação dual-porosa, uma identificação que permite um regime de trocas fantasmáticas e afetivas contínuas entre os seres humanos entre si e com o mundo que o rodeia. A porosidade tanto funciona em relação a um outro humano, à cultura, à natureza, ao planeta, quanto ao mundo interno, isto é, na percepção do próprio inconsciente. Em se tratando do borderline brando, as trocas fantasmáticas e afetivas criam um espaço potencial ou equivalente, onde o objeto subjetivamente criado é, ao mesmo tempo, objetivamente usado. O subjetivamente concebido é ao mesmo tempo objetivamente existente. A identificação dual-porosa mostra-se um precioso instrumento de conhecimento, relação e comunicação, permitindo surfar nas ondas do devir, possibilitando ao borderline deslizar e se enlear nas sutis e infindas variações de um mundo em constante mutação. A necessidade de dependência do borderline pesado, traduz-se no borderline brando pelo reconhecimento da necessidade afetiva de um outro também dual-poroso, de tal maneira que um regime de trocas, onde vigore tanto o subjetivamente concebido quanto o objetivamente percebido, possa ser estabelecido.
CASTRAÇÃO E LIMITE
Acho importante dedicar um espaço para diferenciar castração e limite. Castração é um termo usado pela primeira vez como conceito psicológico/psicanalítico por Freud e é a esta castração que vou me referir nas próximas linhas. Coloco a castração como pertencente ao campo do neurótico e o limite ao campo do borderline. A castração, palavra evocadora de brutalidade e que em Freud se refere à proibição do incesto com a mãe, é, quando examinada de um ponto de vista mais amplo, uma metáfora da injunção ao abandono de características femininas como empatia, identificação dual-porosa, etc., para poder se tornar um verdadeiro Homem. Ser homem com H maiúsculo é proibir o feminino no menino e no adulto do sexo masculino, estimulando a dureza, a implacabilidade, a impiedade. (Filmes: “A árvore da vida”; “Fita branca”).
Já na colocação de limites, o carinho e sensibilidade da mãe no trato com a criança presentifica modos de relacionamento e valores que não à-toa chamamos de femininos tais como empatia, dual-porosidade, compaixão, percepção sutil, intuição, atividade conciliadora, etc. Em não havendo uma interferência castradora os modos de relacionamento e os valores da mãe advindos da relação afetuosa com o filho são preservados, só aparecendo a questão do incesto e fixação materna em situações de desenvolvimento distorcido quando então uma ação terapêutica se faz necessária. A castração é um conceito cunhado por Freud e refere-se a uma ação dura, cruel, enquanto que a colocação de limites é uma atividade realizada com afeição e sensibilidade. Citações de Freud e Winnicott.
Freud: “O superego conservará o caráter do pai, e quanto mais intenso foi o complexo de Édipo e mais rapidamente se produziu a sua repressão (pela influência da autoridade, a doutrina religiosa, a educação, a leitura), tanto mais rigoroso será depois o império do superego como consciência moral, talvez também como sentimento inconsciente de culpa, sobre o ego”[4]. Outra citação de Freud: “O superego reteve características essenciais das pessoas introjetadas — a sua força, sua severidade, a sua inclinação a supervisar e punir. Como já disse noutro lugar, é facilmente concebível que, graças à desfusão de instinto que ocorre juntamente com essa introdução no ego, a severidade fosse aumentada. O superego — a consciência em ação no ego — pode então tornar-se dura, cruel e inexorável contra o ego que está a seu cargo. O Imperativo Categórico de Kant é, assim, o herdeiro direto do complexo de Édipo”[5].
Winnicott: “Fica claro que, de acordo com a teoria que uso em meu trabalho, você está possibilitando ao seu filho desenvolver um sentido de certo e de errado ao ser uma pessoa confiável nessa fase formativa inicial das experiências da vida dele. Se não tiver êxito com o seu bebê desse modo (e certamente se sairá melhor com um bebê do que com um outro), terá de tirar o melhor proveito possível de ser estritamente um ser humano, embora saiba que coisas muito melhores poderiam estar acontecendo no processo de desenvolvimento natural da criança. Se fracassar por completo, então deve tentar implantar idéias de certo e errado através do ensino e do treinamento assíduo. Mas isso é um substituto para o procedimento realmente válido, é uma confissão de fracasso e você vai detestar essa idéia; e, em todo caso, esse método só funciona desde que você, ou alguém atuando no seu lugar, esteja presente a fim de impor a sua vontade. Por outro lado, se puder dar a partida para o seu bebê de modo que, através da sua confiabilidade, ele desenvolva um sentido pessoal de certo e errado, em vez de medos primitivos e toscos de retaliação, você descobrirá mais tarde que pode reforçar as idéias de seu filho e enriquecê-lo com as suas próprias idéias”[6].
A distinção entre a castração freudiana e o que chamo de limite winnicotianno é tão mais nítida quanto mais radical e traumática é a castração. Na subjetividade neurótica o acesso ao feminino do homem é impedido mediante uma ação castradora. Na prática esta castração é principalmente exercida pelo pai que impede o acesso da criança aos seus aspectos femininos de empatia, capacidade de identificação, sensibilidade sutil, etc. Hoje, na classe média educada e informada a brutalidade castradora encontra-se atenuada e pode-se mesmo dizer que está se espalhando uma ação não mais de castração crua, mas de colocação sensível de limites. Quando falo de castração penso em violência em seus diversos graus. Quando falo de limites também penso em graus de serenidade e sensibilidade, respeitadoras da subjetividade da criança. Gosto de usar para a castração a imagem de um muro compacto contra o qual a criança irá se chocar e se machucar; já o limite eu o vejo como uma cortina de veludo, macia e flexível que oferecerá proteção e limite à criança sem machucá-la. O pai impiedosamente castrador do século XIX que vemos em filmes como “A fita branca”, “A árvore da vida” está desaparecendo nas classes médias dos centros urbanos. Os pais em geral são amorosos com os filhos e as proibições são realizadas de uma forma delicada, carinhosa e sensível. A repressão que vem dos pais já não é mais traumática, castradora, violenta e isto faz uma diferença. Não podemos porém esquecer que as proibições que a criança impõe a si mesma podem ser poderosamente mandatórias mesmo quando os limites são dados por uma figura benigna. Esta benignidade tem sua importância, pois evita a introjeção de uma personificação despótica. A pressão que a criança necessariamente tem de exercer sobre si mesma para conter seus desejos imaturos emanam da força ditatorial das palavras em si e não do pavor/pânico provocados por uma figura tirânica assustadora vociferando ordens. Esta nova maneira de colocar limites muda a qualidade do recalque e permite que processos de divisão do eu tenham um lugar mais proeminente no psiquismo. Voltarei mais adiante a esse assunto.
Meu livro em sua 1ª edição sugere que a normalidade neurótica da modernidade está, na pós-modernidade, se encolhendo, cedendo seu lugar à normalidade borderline. Já na segunda edição vislumbra-se a idéia de que processos neuróticos e borderlines convivem na mesma pessoa e que esta seria a normalidade utópica do futuro, um horizonte norteador de nossos passos. Na seqüência dos acontecimentos históricos e da evolução do meu pensamento a separação entre neurótico e borderline estava deixando de ser tão importante. Falarei aqui de um ponto de virada que tornou nítida a mudança de meu deslizamento. Refiro-me a um trecho do prefácio escrito por André Martins para a 2ª edição do meu livro “Borderline: uma outra normalidade”: Seja mais, seja menos, temos todos nossos traços neuróticos e psicóticos, ou neuróides e psicóides. Somos todos borderlines. Entre os borderlines, as dificuldades e a organização psíquica variam. Mas a saúde psíquica não está mais do lado da neurose, como tampouco passou a estar do lado da psicose. Ela se encontra na franja central, não no justo meio, que não há, mas na busca da expressão de nossa criatividade com um mínimo de defesas, e em lidar bem com elas, nem tornando-as rígidas, como na neurose, nem abrindo inteiramente mão delas, recaindo em um descontrole emocional e da percepção da realidade, como na psicose (p.XIX)”. Este fragmento acendeu uma luz em meu cérebro e lembrei-me de um artigo de Freud de 1924 “A perda da realidade na neurose e na psicose”. E lá encontrei o que estava buscando: “Chamamos um comportamento de ‘normal’ ou ‘sadio’ se ele combina certas características de ambas as reações — se repudia a realidade tão pouco quanto uma neurose, mas se depois se esforça, como faz uma psicose, por efetuar uma alteração dessa realidade. Naturalmente, esse comportamento conveniente e normal conduz à realidade do trabalho no mundo externo; ele não se detém, como na psicose, em efetuar mudanças internas. Ele não é mais autoplástico, mas aloplástico”(p.231, v.19). (Aqui não resisto a um parêntesis. Na p.123 de meu livro encontro algo muito parecido: O borderline, nem rigidamente estruturado e defendido como o neurótico, e nem fora da realidade como o psicótico, teria em comum com o primeiro uma capacidade de avaliar a realidade e de comum com o segundo um contato íntimo com suas fantasias mais primordiais, sem, no entanto transformá-las em delírios”.) Voltando a Freud: ele fala, portanto de um comportamento ‘normal ou sadio’ quando processos comuns à neurose e à psicose estão em ação. Esta aproximação de neurose e psicose aparece em um trecho mais adiante: “A distinção nítida entre neurose e psicose, contudo, é enfraquecida pela circunstância de que também na neurose não faltam tentativas de substituir uma realidade desagradável por outra que esteja mais de acordo com os desejos do indivíduo. Isso é possibilitado pela existência de um mundo de fantasia, de um domínio que ficou separado do mundo externo real na época da introdução do princípio de realidade. Esse domínio, desde então, foi mantido livre das pretensões das exigências da vida, como uma espécie de ‘reserva’; ele não é inacessível ao ego, mas só frouxamente ligado a ele. É deste mundo de fantasia que a neurose haure o material para suas novas construções de desejo e geralmente encontra esse material pelo caminho da regressão a um passado real satisfatório” (idem, p.233). Também em “Análise terminável e interminável” Freud pondera sobre normalidade: “O ego, se com ele quisermos poder efetuar um pacto deste tipo, deve ser um ego normal. Mas um ego normal dessa espécie é, como a anormalidade em geral, uma ficção ideal. O ego anormal, inútil para nossos fins, infelizmente não é ficção. [Na verdade, toda pessoa normal é apenas normal na média. Seu ego se aproxima do ego do psicótico num lugar ou noutro e em maior ou menor extensão e o grau de seu afastamento de determinada extremidade da série e de sua proximidade da outra, nos fornecerá uma medida provisória daquilo que tão indefinidamente denominamos de “alteração do ego” ](Vol.XXIII – p.267/8).
O conjunto dessas citações trouxe à minha mente o trabalho de Winnicott denominado “O lugar em que vivemos” (capítulo 8 do “O Brincar & a Realidade). Resumindo entendi que Winnicott nos fala que vivemos a maior parte de nosso tempo em um espaço intermediário onde o subjetivo e o objetivo se encontram, possibilitando a criatividade. Esta não poderia existir se vivêssemos em um mundo exclusivamente subjetivo ou exclusivamente objetivo, pois no primeiro estaríamos aprisionados pelo não acesso ao mundo externo e no segundo aprisionados pela realidade física ou consensual. A normalidade do homem pós-moderno começa a se apresentar para mim como um misto de neurótico e borderline onde convivem a onipotência mitigada, as divisões do eu, o recalque traumático adequado. A idéia de “recalque traumático adequado” surgiu de seu contraponto, o “recalque excessivamente traumático” largamente exercido na época vitoriana. Vide os filmes “A fita branca” e “Árvore da vida” entre outros.
No recalque excessivamente traumático temos um pai tirânico que exerce a repressão com aspereza, violência e insensibilidade. A interdição fica indissoluvelmente ligada a uma figura assustadora que, internalizada, irá assombrá-la como superego cruel, atacando impiedosamente o seu eu, impedindo a elaboração da interdição.
No “recalque traumático adequado” a interdição é colocada com firmeza, mas sem desabrimento e com a brandura possível, o que permite sua elaboração. Sabemos que a interdição ao se defrontar com os intensos impulsos primitivos infantis perde o seu caráter de suavidade para que os impulsos possam ser detidos. É comum ouvirmos uma criança falando para si mesma diante de um objeto ou ato interditados um “não pode” repetidas vezes, em um tom autoritário, com voz de comando. A suavidade paternal transforma-se em severidade impositiva. Porém a figura dos pais mantém-se benigna e assim são internalizados. A severidade e o rigor ficam colocados na interdição ela própria e não naqueles que a exerceram.       
Devemos distinguir a voz de comando à qual a criança recorre para a aceitação de limites (que podem ter sido colocados pelos pais com a maior doçura) da imposição severa e insensível dos pais. Eu chamaria a primeira de proibição auto-induzida  na qual não se dá a introjeção de uma Personificação de Pai imperial e insensível, e a segunda de proibição autoritária na qual uma Personificação Tirânica de Direito Olímpico Inabalável e Incontestável se impõe como figura ameaçadora. No primeiro caso os bebês (as crianças) internalizam a proibição respeitando seus processos de equilibração subjetiva. No segundo caso há uma imposição castradora que não respeita os tempos de equilibração do bebê invadindo seu psiquismo e lá deixando sua marca danosa. Uma marca diferente daquela benigna que o próprio bebê se coloca, pois a que ele se coloca está dentro de suas possibilidades de suportar o trauma sem uma quebra significativa da continuidade de ser. Usando os conceitos que Winnicott apresentou no artigo “O conceito de trauma em relação ao desenvolvimento do indivíduo dentro da família” (em Explorações Psicanalíticas, p.114) podemos dizer que a auto-imposição do bebê (da criança) é um trauma benigno enquanto que a imposição dura, severa e insensível dos pais é um trauma que será tão mais maligno quanto mais ríspida, violenta e insensível for a intervenção paterna. Neste caso o pai será internalizado como uma Entidade Maligna Invasiva e não como um pai amoroso protetor.
Feita esta distinção posso continuar a desenvolver meu pensamento, agora tentando articular as variedades de neuróticos e borderlines com as relações parentais.
         A família patriarcal prototípica do período vitoriano era composta por uma mãe suficientemente boa e por um pai que impunha, a qualquer custo, com a aquiescência da mãe, as leis da casa; isso incluía a ação de castração na época apropriada. A mãe através da relação fusional e de mutualidade propiciava ao filho o desenvolvimento da capacidade de empatia, de identificação, da sensibilidade sutil, do sentimento de compaixão. Estas características eram consideradas, na sociedade moderna vitoriana, “coisas de mulher”, enfraquecedoras de crianças do sexo masculino que então deveriam livrar-se desta subjetividade. Os meninos deveriam recalcá-la para tornarem-se fortes, duros, impiedosos: uma masculinidade bem desenvolvida lhes permitiria vencer a dura luta pela sobrevivência, alcançando um padrão de vida consoante o seu grupo social. Para conseguir este resultado o Pai (ou a função pai) proibia duramente o acesso à mãe; ele exercia a função de castração da qual resultava uma interdição do feminino. O resultado era o provável desenvolvimento de um neurótico normal desde que a mãe  fosse suficientemente boa e o pai castrador suficientemente bom; refiro-me a uma mãe suficientemente disponível, sensível e responsiva às modificações da subjetividade do filho e a um pai suficientemente presente, justo, protetor, respeitador da lei, qualidades que fariam dele uma boa figura de identificação. Ser justo e íntegro tinha uma enorme importância: fornecia fortes e seguros pontos de referência ao filho criando uma confiança na equanimidade do social.
Ao contrário do neurótico padrão que constituiu um forte superego e um consistente ideal de ego, o borderline tem um superego maleável e um ideal de ego múltiplo. Partindo da teoria da insuficiência de identificações como um dos principais fundamentos do borderline propus substituir a expressão “insuficiência de identificação” que tem uma conotação negativa, por “valências identificatórias abertas”. O interjogo lúdico e amoroso incorporado pelo bebê em sua relação com a mãe continua a ser exercido na idade adulta desde que não seja obturado por uma ação drástica de castração paterna, pois neste caso haverá um recalque do feminino e a modelagem de um macho patriarcal autoritário.
                A combinação de uma mãe insuficientemente boa com um pai autocrático tenderia a produzir uma dissociação entre psique e mente e, portanto um borderline falso self. O solo materno instável levaria o filho a procurar estabilidade nos preceitos morais e intelectuais portados pelo pai.
Em não havendo uma intervenção súbita e brutal de um pai edípico, as valências identificatórias paternas ficarão insaturadas. Duas possibilidades:
1-   Quando a mãe for insuficientemente boa a identificação da criança com o materno será de má qualidade e mais tarde buscará em primeira instância uma personificação de mãe (ou de pai) para com ela realizar uma relação anaclítica na tentativa de suprir as deficiências de origem.
2-    Já uma mãe suficientemente boa, tendo fornecido um solo identificatório seguro, permite às valências identificatórias abertas voltarem-se mais para os aconteceres externos do que para relações anaclíticas. Estaríamos então em uma área intermediária, resultado do acoplamento das valências insaturadas com o devir do mundo.  Citando Winnicott: “É útil, portanto, pensar numa terceira área do viver humano, uma área que não se encontra dentro do indivíduo, nem fora, no mundo da realidade compartilhada. Pode-se pensar nesse viver intermediário como ocupando um espaço potencial, a negar a idéia de espaço e separação entre o bebê e a mãe, e todos os desenvolvimentos derivados desse fenômeno” (“O Brincar & a Realidade”, p. 152).
Entre os desenvolvimentos derivados do “viver intermediário” estão a identificação dual-porosa, a sensibilidade sutil, a empatia, a compaixão, a equilibração do subjetivamente concebido com o objetivamente percebido.
Penso já ter elementos para debutar o meu Homem Transicional. Este Ser teria tido uma mãe suficientemente boa possibilitando-lhe a internalização de valores femininos que persistem na vida adulta por não se defrontarem com a castração paterna, mas sim com a colocação de limites tanto do pai quanto da mãe, ambos realizando uma mesma tarefa que poderíamos chamar de masculina. Isso acontece principalmente e com mais freqüência nas camadas sociais citadinas e esclarecidas. Por outro lado vemos nessas mesmas camadas o homem exercer o papel feminino de cuidar do bebê. Haveria, pois, um intercâmbio dos papéis masculinos e femininos que tanto poderiam ser exercidos pelo homem quanto pela mulher. É preciso, porém, assinalar que a gestação e a amamentação ao seio pertencem exclusivamente à mulher e estabelecem um forte e indelével vínculo entre mãe e bebê o que pode vir a criar futuras dificuldades em “soltar” seu rebento para os perigos da vida em geral e  do social em particular só ultrapassados com esforço e com ajuda do pai que não tem tantas dificuldades em expor o filho a esses perigos. Um exemplo: a mãe ao proibir o filho de velejar encontra um pai que diplomaticamente interdita a proibição levando-o ao mar. Este é um tipo de limite que deverá ser distinguido da colocação de limites em geral, pois afeta muito diretamente o desenvolvimento do ser humano. Seria o equivalente benigno da castração da castração freudiana.
No final das contas o menino que teve pai e mãe com as características acima apontadas pôde amenamente assimilar os modos de ser masculino e feminino vivendo simultaneamente o objetivo e o subjetivo. Essa criança virá a ser, se nada atrapalhar sua trajetória, o Homem Transicional, cujo lar será na maior parte do tempo, o espaço potencial, nele aprendendo a balancear o subjetivamente concebido e o objetivamente percebido.    
                                                        agosto/2011
                                                                        Nahman Armony

               
               



[1] Grinker,R.R., .Werble,B., Drye,R.C., 1968, p.83-90.
[2]BLEGER, J.,  1972, p.180.
[3] WINNICOT, D.W., 1975b, p.121. “Classificação: existe uma contribuição psicanalítica à classificação psiquiátrica?”
[4]FREUD, S.- “O Ego e o Id” Vol.XIX da Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.36.
[5] FREUD, S. (1924) O problema econômico do masoquismo. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p.208-209. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud.)
[6]WINNICOTT, D.W. - “O desenvolvimento do sentido do certo e do errado em uma criança” in Coversando com os pais. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p.125-126. 

ALGUMAS DAS DIFICULDADES EMOCIONAIS EM UM SEGUNDO CASAMENTO. A IMPORTÂNCIA DA CONSCIENTIZAÇÃO

         Diferentemente de nossos avós, vivemos em um mundo inconstante onde a rotina é freqüentemente assaltada pelo inesperado; temos de aprender a conviver e a lidar com o imprevisto; questão que até a algum tempo atrás não aparecia, pois podia se contar com um mundo estável, um universo de hábitos consolidados. Não havia então o imperativo de uma avaliação ininterrupta do impacto dos acontecimentos sobre a subjetividade de cada um nem a necessidade de se olhar para além do manifesto e explícito. As estruturas em vigor absorviam as insatisfações e conflitos porventura existentes. Tomemos como exemplo a circulação de dinheiro em uma família tradicional para confrontá-la com uma família pós-moderna: na primeira quem tem o poder econômico é o homem, pois é ele quem trabalha enquanto a esposa cuida da casa e filhos. Poderia então ocorrer a seguinte situação: a disponibilização para a cônjuge de um menor ou maior numerário poderia ter menos a ver com uma realidade econômica e mais com a maior ou menor satisfação com o comportamento da esposa. Esta, por sua vez, tentaria compensar sua insatisfação no casamento realizando gastos excessivos. Os conflitos e insatisfações, mesmo não conscientizados e discutidos, não ameaçavam a estabilidade do casamento, pois este era “para sempre”. Os afetos se equilibravam nas ações e reações. Não era necessário nem ter consciência nem falar dos descontentamentos. Eles ficavam ocultos, negados, pois não se colocava a hipótese da separação. Os hábitos e convenções da época seguravam o casamento. Pensemos agora em uma família pós-moderna composta de marido e mulher em segundas núpcias, uma ex-esposa e um filho do primeiro casamento. Obrigatoriamente o homem terá de se relacionar com a ex tendo em vista os gastos com a criança e o exercício da função de pai. Enquanto que a circulação de dinheiro na família patriarcal fluía no interior da instituição do casamento, na pós-moderna obedece a uma determinação externa de pensão. Nesse caso a ex-esposa estará mais livre e motivada para reivindicar aportes extras. Não seria tanto por necessidade econômica, mas por raiva e ciúmes da nova relação. Ela procura se vingar sobrecarregando o marido com pedidos extemporâneos; ela poderá ao mesmo tempo ter ainda resquícios de sentimentos de apego e então o excedente significa que ele ainda se importa com ela. E ainda, se ele cede a suas demandas encontrará conforto na idéia de que ainda o controla. A segunda esposa percebe inconscientemente esses significados e exacerba sua rivalidade e competição com a ex. Sua sensação é a de não ser mais a única mulher com a qual o marido se importa, que existe uma outra a receber agrados, que o dinheiro que poderia ser utilizado por ela e pela família escoa-se para a antiga esposa por fraqueza e por um elo afetivo indevido do marido. O que a ex-esposa pede para o filho é percebido como um pedido individual. A criança aqui perde a sua individualidade sendo sentida como parte da mãe.
         Como não há uma contenção institucional para essa constelação familiar a situação pode não se equilibrar com as ações dos implicados, vindo a atingir a região do insuportável quando então algo radical é feito: ou uma separação do novo casal, ou o rompimento do marido/pai com a família anterior. Essa fratura terá maior probabilidade de ser evitada se cada membro da família de quatro pessoas der-se conta de suas dinâmicas psíquicas. A nova esposa deverá perceber sua rivalidade e competição com a ex; esta deverá perceber o mesmo em relação a atual e ainda, o ódio e amor residual pelo ex-marido. Já o marido deverá compreender aquilo que move as duas mulheres nas suas discussões com ele.  Só assim será possível atenuar os efeitos de tão fortes emoções, mantendo a continuidade das relações.  

                                                                         
                                                                         Nahman Armony

                                                                         

ISAAC STERN

Dedos gordos. Desproporção corpo-espírito. Um violino perdido num exagero de carne. Como compreender? Matéria, alma, gordura. Prisão ultrapassada. Na liberdade o sofrimento, a bondade. Olhar triste, benevolente. Rachaduras faciais deixam surgir o sumo, o líquido cálido e aquecente. A comunicação invisível. O olhar posto em algum lugar dentro. De dentro e de música retira-se a substância: densa, forte, quente. Música, som, olhos, rosto, pequenos gestos, fugazes expressões, o soar, o sonar do violino, Isaac Stern, mais humano que divino. Momento de criação. Isaac Stern é Bruch, é música, é mar, é universo, é Nahman, sentimento do humano infinito, oceano de tonalidades, contínuo fluir de emoções: a ternura, a volúpia, a força, a terrível força que convulsiona, revelação da insuspeitada energia do ser integrado com a natureza das coisas, o Outro Lado, quem é afinal Isaac Stern, Max Bruch, Nahman Armony, o homem, o Homem? Ah beleza inefável, prece permanenente, paisagens de luz e sombras infinitamente coloridas, o levantar da cortina até onde os olhos se atrevem a sentir o Abismo desvendado por um ser-homem, Deus-homem redivivo, descido ao palco, encarnado em Isaac Stern, Isaac Stern, meu amigo, meu único amigo, partilha comigo tua dor transfigurada em Beleza e Paixão pela Vida, Isaac Stern, irmão que habita meu interno ser, meu perene e fugaz irmão, eu te amo. 

                                                                    Nahman Armony

UMA CONTRIBUIÇÃO À PSICANÁLISE DA CIRCUNCISÃO

UMA CONTRIBUIÇÃO À PSICANÁLISE DA CIRCUNCISÃO [1]



Estou aqui diante do auditório e do Dr. Tractenberg como um clínico geral diante de um especialista; um especialista que já revelou seu profundo conhecimento sobre circuncisão com uma obra portentosa, rica em detalhes e conclusões. O que poderia eu acrescentar ao tema, tão exaustiva e brilhantemente esquadrinhado pelo meu colega? Creio que a minha reflexão pessoal sobre o tema, reflexão esta enriquecida de leituras e que se traduz em uma postura metodológica. Tivemos, Dr. Tractenberg e eu, trajetórias profissionais e teóricas diferentes; em certa época estas trajetórias chegaram a ser consideradas absolutamente divergentes, sem encontro possível. De poucos anos para cá, felizmente, vem ocorrendo uma convergência da qual o meu encontro com Tractenberg é uma prova eloqüente.
A abordagem que farei da circuncisão será pela via do sentido, do significado, seria melhor dizer, do significante. Disciplinas tão afastadas como a neurofisiologia e a fisiologia reconhecem duas abordagens possíveis (que se completam) da obra de Freud. No livro “Freud’s ‘Project’ Re-assessed”[2], Karl Pribram e Merton Gill expõem a partir da neurofisiologia, dois enfoques: o enfoque energético (mecanismo de feedback onde são aplicáveis conceitos energéticos tais como carga, etc.) e o enforque da informática (organizações feedforward, programas de comunicação). Os pontos de vista energético e informático que o estudo a partir da neurofisiologia encontra, aproxima-se surpreendentemente do estudo filosófico que Paul Ricoeur[3] realiza, encontrando também duas abordagens: a energética e a hermenêutica. Pág. 61 “...alternadamente, a psicanálise se nos apresentará como uma explicação dos fenômenos psíquicos por conflitos de força, portanto, como uma energética – e como uma exegese do sentido latente, portanto como uma hermenêutica”. Tanto Pribram e Gill quanto Paul Ricoeur procuram integrar essas duas abordagens em uma unidade. Pribram e Gill – pag.28 “Nós, portanto, propomos interpretar uma das mais importantes e básicas distinções da metapsicologia psicanalítica – a separação do processo primário e secundário – em parte em termos de ajuste de carga ou processamento de erro versus processos de programação ou informação”. Paul Ricoeur – pag.61 “A unidade dessas duas maneiras de compreender será o desafio dessa primeira parte”. Como já deixei anteriormente explícito, minha abordagem do problema da circuncisão será pela via do sentido, do significante.


Evidentemente, o privilegiamento do sentido, a desmaterialização dos fatos e dos traumas não é nenhuma novidade em psicanálise. Américo Vallejo em seu livro “Topologia de J. Lacan – del Narcisismo” escreve (pág. 112)[4]. “Vimos anteriormente que o corpo é tampouco para a teoria este corpo-coisa que podemos tocar mas sim o que antecipou nossa completude desde ‘lá’, desde o lugar do outro; portanto, não poderá menos que ser um corpo imaginário assinalado pelo outro desde o simbólico”. E mais adiante (pág. 113): “As zonas erógenas não são necessariamente os lugares anatômicos específicos do corpo humano, mas também aqueles onde o desejo do outro assinalou os lugares do gozo”. E acrescento eu: - os lugares da repressão – sendo que o lugar do gozo e da repressão podem estar no mesmo “lócus” – no caso presente, no pênis, ou melhor no falo, ou, melhor ainda, no significante primordial falo. É a repressão, e basicamente a repressão primária, que libera o homem para as possibilidades de gozo da existência. O gozo fora do contexto da repressão é auto-destrutivo como o atestam os destinos de Édipo, dos toxicômanos, de Narciso, dos psicóticos, dos personagens do ‘Império dos Sentidos’, da ‘Comilança’, etc. Evidentemente esta repressão é uma violência necessária para a própria constituição do ser humano. Piera Aulagnier em seu livro “A violência da interpretação”[5] distingue uma violência primária de uma violência secundária.(pág.36) “...propomos separar uma violência primária, que designa o que, no campo psíquico se impõe do exterior ao preço de uma primeira violação de um espaço e de uma atividade que obedece a leis heterogêneas ao Eu e ao discurso; e uma violência secundária, que abre seu caminho apoiando-se na violência primária da qual ela representa um excesso, excesso quase sempre nocivo e desnecessário ao funcionamento do eu, apesar de sua freqüência. No primeiro caso, trata-se de uma ação necessária cujo agente é o Eu de um outro, tributo que a atividade psíquica paga para preparar o acesso a um modo de organização que se fará em detrimento do prazer e em benefício da construção futura da instância chamada Eu”. Evidentemente violência primária não significa violência física, mas a imposição de um sistema de valores que terminará por romper a simbiose com a mãe introduzindo a criança na ordem da Lei, da Cultura, do Simbólico. Veremos mais adiante que a circuncisão, embora violência física, situa-se, por seu papel estruturante, no âmbito da violência primária.



Diz-nos Lacan em seu artigo “As formações do inconsciente”[6](pág.106). “A castração não é real, está ligada a um desejo...” “...o que quer dizer que, para que o desejo atravesse com felicidade certas frases, o falo deve ser marcado por isto: somente é mantido, conservado, se atravessou a ameaça de castração. É nessa relação do desejo com a marca que se deve buscar o essencial da castração mais do que nos seus efeitos. (sublinhamento meu). Voltaremos a encontrar esta marca nos ritos de circuncisão, de puberdade, de tatuagem: cada acesso do sujeito a um certo nível do desejo fica marcado”. Em “La família”[7](pág.100) Lacan escreve: “Essa gênese da repressão sexual tem, sem duvida, referências sociológicas: exprime-se por ritos através dos quais os primitivos manifestam que esta repressão se imbrica com as raízes do vínculo social: ritos de festas que, para liberar a sexualidade designam nela mediante sua forma orgiástica o momento da reintegração afetiva no Todo; ritos de circuncisão que, ao sancionar a maturidade sexual, manifestam que a pessoa acede a ela somente a custa de uma mutilação corporal”. Reintegração no Todo é o mesmo que integração no corpo da Mãe, volta à simbiose; mutilação corporal significa que a unidade mãe-filho ficou desfeita para que a criança passe a ocupar o seu lugar adulto na sociedade. Os ritos Wasamba de circuncisão[8] podem, dentro de sua multideterminação, ser interpretados dentro dessa perspectiva. Simbolizam o perdido e o adquirido. O que foi perdido? a simbiose com a mãe; a infância ‘despreocupada’ (melhor seria dizer, com outro tipo de preocupação). Esta perda está simbolizada pelo luto por ocasião da circuncisão, (tribo Sabanga do Ubungui – pág.53);[9] pelo gesto ritual de atirar o prepúcio cortado no rio (idem); pela entrega das roupas femininas que o jovem usava (tribo Malinka pág 62)[10] O que foi adquirido? Um lugar na sociedade; um nome; inserção no mundo adulto; uma voz ativa; direitos e deveres. O jovem não mais conta com a proteção materna sancionada pela lei da tribo; agora ele pertence à ordem da Lei e dela deve cuidar. Esta situação é simbolizada pela entrega da indumentária feminina e a aquisição da indumentária masculina (tribo Malinka pág.62).[11] Nesta mesma tribo Malinka canta-se uma canção triste alegremente (pág. 59).[12] Tristeza e luto em referência à separação da mãe e alegria em referência à entrada do mundo dos adultos. A aceitação da dor da separação se exprime na dor da circuncisão.
Uma cultura em que fica muito clara a relação entre circuncisão e lei é a cultura judaica. Antes de tudo sejamos acacianos: a circuncisão não é uma castração real. Ela não impede ao ser humano de procriar, gozar, copular, crescer, criar, etc. Mas, o que poderia ser esta castração simbólica? Voltemos por alguns momentos a Lacan. No seu trabalho ‘As formações do inconsciente’[13], (pág. 106) escreve: “Psicologizou-se o complexo de castração ao rastreá-lo cada vez mais longinquamente na gênese do temor: temor do pai, temor narcisista (dano à integridade corporal), temor do órgão feminino – seja como modelo da desapropriação do pênis, seja como ameaça – e por último, temor do próprio falo, oculto no fundo do órgão materno, imagem da arma primordial do menino em sua agressão contra a mãe. (Melanie Klein). Assim se chega a isolar o complexo de castração, a reduzi-lo a uma pulsão agressiva primordial. Porém, em tendo o complexo de castração esse caráter essencial que Freud e a experiência analítica reconheceram, é preciso então concebê-lo de outro modo. A castração não é real e está ligada a um desejo...”. Todas estas perdas materiais que se designam por castração, podem ser recobertas pelo significante primordial falo, desde que adotemos uma nova concepção. Nesta nova perspectiva não se considera a materialidade do evento, mas sim o contexto intersubjetivo em que se produz. Vale a pena aqui citar Bion que também alude à desmaterialização dos eventos. No seu artigo ‘Ataques ao vínculo’ (pág. 139-140, de “Volviendo a pensar” )[14] escreve: “O conceito de objetos parciais como análogo a uma estrutura anatômica, que se vê favorecido pelo fato do paciente utilizar imagens concretas como unidades de pensamento, é enganoso, porque a relação de objeto parcial não se estabelece com as estruturas anatômicas mas com a função, não com a anatomia mas com a fisiologia, não com o peito mas com a alimentação, o envenenar, o amar, o odiar”. Acrescento: com o vínculo intersubjetivo. A ameaça ao falo, a ameaça à perda da completude tem então a ver com o desejo do Outro, está marcado pelo Simbólico, pela cultura. O significante falo torna-se o ponto de partida de uma cadeia de significantes que o substituem e a ele remetem. Ficam aí representados o nascimento, o desmame, a separação edípica, tudo em nome do desejo do Outro, desejo que marca o corpo e a alma do ser em desenvolvimento.

A ambivalência, pela via da demanda, tem a ver com o desejo; isto porque a oposição presença/ausência nos remete à dualidade completude/incompletude, que por sua vez nos remete à situação de ambivalência. Tanto se quer o nascimento quanto conservar a benaventurança da gravidez; tanto se quer o desmame quanto continuar usufruindo dos prazeres amorosos da amamentação; tanto se quer o crescimento e independência do filho quanto mantê-lo ligado e dependente.

Todas estas oposições integradas podem ser representadas pela oposição básica presença/ausência. É a tensão vital que daí resulta que suporta o desejo. Desejo, pois é o querer algo que estamos destinados a perder, e que estamos continuamente perdendo.

Se pegarmos esta frase e a imobilizarmos, assim como se dela tivéssemos tirado uma fotografia, e se pegarmos esta fotografia assim imobilizada e a transplantarmos para a alma humana, teremos nos aproximado da compreensão da estrutura mais íntima do desejo. Isto sem perder a perspectiva de que estamos lidando com um constructo. Se vocês me perdoarem a excentricidade das comparações, direi que o desejo é o motor que mais se aproxima do moto-contínuo, é um cachorro perseguindo o próprio rabo, é uma bateria que se auto-renova até o momento da morte. Então estamos sempre reconstruindo o falo ao qual continuamente atacamos. Esta situação estrutural fica fotograficamente imobilizada e claramente expressa pela circuncisão: lá está a marca do eterno ataque ao falo onipotente, que, no entanto, ao mesmo tempo, se mantém íntegro e potente na sua eterna busca de uma completude.

Porém, a circuncisão na cultura judaica não é apenas a simbolização do desejo. Ou melhor, é a simbolização do desejo na medida em que o desejo está ligado à Lei, neste caso, à Lei outorgada por Deus. Vale a pena irmos até a Bíblia. Gênesis 17,9: “e disse Deus a Abraão...10 – eis aqui o pacto que eu faço contigo, para que tu o observes e a tua posteridade depois de ti. Todos os machos dentre vós serão circuncidados. 11 – E vós circundareis a carne do vosso prepúcio, para que essa circuncisão seja o sinal do concerto, que há entre mim, e vós.12 – O menino de 8 dias será circuncidado entre vós...13 – E esta marca do meu pacto será na vossa carne como um sinal duma eterna aliança. 14 – Todo macho cuja carne não for circuncidada será aquela alma exterminada do seu povo porque violou o meu pacto”. Aqui estabelece-se uma correlação entre corpo e alma, que lembra a visão psico-somática do homem. Esta é a interpretação que encontramos no “Sefer há-Zohar” livro escrito por sábios judeus no século II. Lá está escrito que o homem “é marcado com o santo selo de Javé... a alma (neshamá) é ligada à circuncisão” (pág. 40).[15] Maimônedes, filósofo judeu do século XII escreveu: “Assim, qualquer um que é circundado entra para a aliança de Abraão para acreditar na Unidade de Deus, de acordo com a Lei... Esta lei só pode ser mantida e perpetuada em sua perfeição se a circuncisão é realizada...” (pág. 40).[16] O mohel no momento da circuncisão recita a seguinte prece: “Abençoado seja o Senhor, nosso Deus, que nos santificou com seus mandamentos e nos outorgou a circuncisão”. No Deuteronômio 10, 16 lê-se: “Circuncidai pois o prepúcio do vosso coração e não endureçais mais a vossa cerviz”.[17] Monsenhor José Alberto de Castro Pinto assim comenta este versículo: “Circuncidai, etc.: expressão metafórica para dizer: consagrai vosso coração a Deus, cortando dele todas as paixões e afetos desregrados. Endurecer a cerviz, i.e., afastar-se de Deus por desobediência a Sua Lei”. ( pág. 138).[18] No seu trabalho “A circuncisão e a formação de um povo”, Marcos Margulies comenta: (pág. 42)[19] “Assim o coração não circuncidado – ou seja, encoberto pelo prepúcio simbólico – é o coração que ao invés de ser aberto ao comando de Deus e obediente a ele é obstinado e fechado”. Circuncisão portanto é um ato de submissão amorosa. Submissão não ao semelhante – ao outro - , mas à Lei personificada por um Deus Ùnico, Intangível – ao Outro. “O inconsciente é o discurso do Outro”, diz-nos Lacan. A lei está gravada no Inconsciente do Povo por ordem do Deus-Pai assim como a circuncisão grava o corpo. Ambas são indeléveis. Alma e corpo formam uma unidade. A lei fica gravada no ser íntimo da criança antes que ela possa julgá-la. É a violência primária à qual já me referi. A Lei de Deus, o mandato cultural antecede todo e qualquer julgamento e deve ficar inscrita de forma eterna, absoluta, incontestável. É neste ponto que podemos introduzir o Nome do Pai, a Metáfora Paterna de Lacan (pág. 85 de “As formações do Inconsciente”).[20] “Tudo isto nos estimula a reconsiderar a função do pai que está no centro da questão do Édipo. A análise do Presidente Schreber nos ensinou que para a constituição do sujeito é essencial ter adquirido o nome-do-pai: mas além do outro é necessário que exista o que dá fundamento à lei. Se há Verwerfung (forclusão) do Nome-do-Pai, como no caso Schreber, os dois enlaces de ida e volta da mensagem ao código são destruídos “. Lacan distingue três tempos na resolução do Édipo. Citando: “Neste primeiro tempo o menino trata de identificar-se com o que é o objeto de desejo da mãe”. É claro que fala-se aqui de uma relação simbiótica entre mãe e filho. Voltando a Lacan: “Segundo tempo: o pai intervém efetivamente como privador da mãe em um duplo sentido: priva o menino do objeto de seu desejo e priva a mãe do objeto fálico. Aqui há uma substituição da demanda do sujeito: ao dirijir-se ao outro encontra o Outro do outro, a sua lei (pág. 86-87)[21]. “Ao procurar a mãe esta lhe indica a Lei, a dolorosa lei que o priva dela e que a priva dele”.
A circuncisão é a expressão da vontade de um povo de que os seus filhos respeitem a lei e a imposição precoce desta vontade aos seus membros (a circuncisão ritual dos judeus é feita quando a criança tem 8 dias de nascida); em sua sabedoria intuitiva, os antigos pressentiam que o respeito à Lei depende de uma separação adequada da Mãe. Esta separação é uma castração. Não uma castração real, mas uma castração simbólica (no melhor dos casos). A castração simboliza a separação do corpo da criança do corpo da Mãe (rompimento da simbiose) e a concomitante aceitação da Lei. Simboliza ainda a proscrição da mãe e a prescrição isogâmica. Estes aspectos encontramos tanto no ritual Wasamba (lembremo-nos: o jovem entrega a roupa feminina e passa a usar roupas masculinas – tribo Malinka, pág. 62),[22] quanto na circuncisão do povo judeu. Evidentemente, na cultura judaica o efeito da circuncisão só pode ser “nachtraglich”, isto é, a posteriori. Mas isto veremos mais adiante. Uma pergunta agora se impõe: Porque a castração teve de ser simbolizada cruentamente ? Prefiro anteceder esta pergunta de uma outra. É necessário algum sacrifício, alguma dor para pertencer a Lei ? Evidentemente a dificuldade de ligar-se uma Lei era maior em épocas passadas, como veremos daqui a pouco. Porém renunciar a uma satisfação completa e irrestrita é sempre uma dificuldade. É difícil suportar a falta, a ausência. Difícil incorporar a dor como um aspecto da existência. Requer um aprendizado. Aceitar a lei é aceitar a dor da separação. Voltando a pergunta que me levou a esta digressão: Por quê a circuncisão ? A entrada na Ordem da Lei não poderia ser simbolizada de uma forma não cruenta como por exemplo o fazem os cristãos com o batismo ? Deixarei de lado os argumentos higiênicos que não me convencem. Prefiro, novamente, recorrer Lacan. No seu livro ‘La família’ pág. 108[23] escreve: “Segundo esta referencia sociológica, o fato do profetismo, ao qual, historicamente, Bergson se referiu, na medida em que se produziu eminentemente no povo judeu, compreende-se pela situação de eleitos na qual se colocou este povo, como partidários do patriarcado entre grupos entregues a culturas maternas, através de sua luta convulsiva por manter o ideal patriarcal contra a sedução irresistível destas culturas”. A cultura judaica surgiu entre culturas eminentemente matriarcais. Havia que lutar contra dois grandes inimigos: o desejo íntimo de voltar à velha cultura da qual o povo estava ainda muito próximo no tempo (bezerro de outro) e a influência das tribos vizinhas. Um ato forte, marcante, irrecusável, definitivo pode ter tido a função de, pelo exagero mesmo, reprimir o desejo de retorno à Mãe. É sabido que, ao evoluirmos internamente de um modo de ser para outro, necessitamos muitas vezes exagerar o novo a fim de evitar o retorno do antigo: isto nos permite fixar a aquisição recente. É possível também que naqueles tempos remotos a atuação concreta e o simbólico gravado no corpo tivessem um valor maior que na atualidade. Séculos de civilização judaico-cristã promoveram grandes transformações neste nosso mundo, especialmente no que se refere à conquista tecnológica da natureza. Porém, é fora de dúvida que alguma coisa também ocorreu no Homem na medida em que se sedimentaram conquistas filosóficas e sociais de nossos antepassados e se abriram novos campos de reflexão. Os rituais cruentos de nossos antecessores tendem a desaparecer. Nossa reflexão permite-nos entender o simbolismo destes rituais e assim podemos considerar a possibilidade de prescindir deles. Deus exigia a submissão do povo judeu, até o extremo de ordenar a Abraão que sacrificasse seu derradeiro filho. Nos tempos bíblicos teria sido necessária esta submissão a Deus. Só um Pai poderoso, onipotente e impiedoso poderia combater a Mãe poderosa, onipotente e sedutora. Havia que submeter-se a uma Lei dura e imparcial.
A socialização necessitaria, ainda hoje, de atos violentos? Não seria possível, uma vez reduzido o temor de não poder educar a criança dentro do respeito à lei diminuir a pressão social no sentido de empregar com exagero, métodos dolorosos e métodos repressivos? A oposição entre natureza e cultura afirmada por Lévi-Strauss (As estruturas elementares do parentesco – pág. 41)[24] como tendo um (citando) “valor lógico que justifica plenamente sua utilização pela sociologia moderna, como instrumento de método”, e até certo ponto, retomada pela teoria lacaniana (natureza-cultura-sociedade) pode, se usada inconvenientemente por especialistas que labutam no campo da infância, alimentar arraigados preconceitos. Isto porque, se mantivermos uma oposição radical, será difícil escapar da idéia de uma educação que inclua o sacrifício, o esforço sobre-humano, a extrema exigência, a auto-flagelação. Por isso mesmo teremos de questionar esta oposição. A partir deste questionamento teríamos de estabelecer para o nosso campo de atividade, uma outra conceituação das relações entre natureza, cultura e sociedade, uma conceituação que facilitasse uma mudança de atitude em relação à educação. Não seria mais preciso “impor” (ex.: circuncisão) a cultura. Poder-se-ia ‘oferecê-la’ à criança na esperança de que queira aceitá-la. E esta não é uma esperança vã; no seu desejo de identificação com o adulto ela apreende a cultura que a cerca, inclusive a língua. A criança quer (ambivalentemente) se incluir na cultura. Não sendo preciso impor a circuncisão, símbolo de submissão a uma vontade superior que ordena, esta poderá ser substituída (ou até não) por alguma outra coisa que simbolize os esforços educativos não-ansiosos, os esforços carinhosos de um ser adulto no sentido de socializar a criança. Ao invés do autoritarismo dos pais teríamos uma apresentação da cultura que seria assimilada mais pela via de identificação egóica e menos pela supergóica. Ao invés dos pais se sentirem exigidos a realizar uma tarefa quase impossível (impor a cultura a um selvagem irremediável) poderão oferecer ternamente esta cultura a seus filhos.
Chegamos finalmente à clínica. A justificativa teórica de minha posição. tomou-me muito tempo e não poderei me estender muito. Infelizmente, porém, terei ainda de transcrever o conceito de “nachtraglich” (posterioridade) de Freud, tal qual Pontalis e Laplanche[25] o concebem. Posterioridade, (nachtraglichkeit) posterior, posteriormente (nachtraglich) são “termos freqüentemente utilizados por Freud em relação com a sua concepção da temporalidade e da causalidade psíquica: há experiências, impressões, traços mnésicos que são ulteriormente remodelados em função de experiências novas, do acesso a outro grau de desenvolvimento. Pode então ser-lhes conferida uma eficácia psíquica” (pág.441). A circuncisão é a expressão da vontade de uma cultura. Na medida em que a criança amadurece e tem novas experiências, vai tomando consciência da circuncisão e remodelando o seu significado. Esta remodelação é um processo individual e depende do contexto social e das vicissitudes da história individual. Poderá chegar a significar um impedimento ao gozo e ao desenvolvimento; ou poderá significar uma marca que insere a pessoa em uma cultura: ou poderá significar qualquer outra coisa. É de se presumir que, quando uma cultura ou uma unidade cultural está atravessando uma fase de relativa estabilidade, o significado que seus membros darão às marcas da cultura tenderá a coincidir com a Lei; e, em não havendo um questionamento mais sério, as eventuais remodelações não terão um caráter revolucionário. O contrário, evidentemente, ocorrerá em época de crise de uma cultura ou unidade cultural.
Em resumo: é na situação intersubjetiva que se revelam os simbolismos. Uma atitude descompromissada, nos facilitará apreender a cadeia de significantes relativa às produções do cliente. Uma abertura do terapeuta aos vários significados possíveis da circuncisão facilitará o incremento de uma corrente comunicativa em nível transferencial-contratransferencial, permitindo ao cliente reorganizar e ampliar o seu mundo psíquico.

                                                  Nahman Armony





[1] Palestra realizada no dia 10/01/81 dentro do tema “A Circuncisão e suas conseqüências Médico-Psicológicas”na 3 a Jornada de Terapêutica Médico-Psicológica da Criança, promovida pela APPIA.

[2] PRIBRAM, K. B. E GILL M.M (1976) – “Freud’s Project Re-Assessed” Basic Books, Inc. Publishers, New York, U.S.A.

[3] RICOEUR, Paul (1965) – “Da interpretação :ensaio sobre Freud” – Imago Editora Ltda, Rio de Janeiro, Brasil 1977

[4] VALLEJO, AMÉRICO (1979) – “Topologia de J. Lacan – Del  Narcisismo”. – Helguero Editores,  El Salvador 5588

[5] AULAGNIER, Piera (1975) – “A violência da interpretação”, Imago Editora Ltda, Rio de janeiro, Brasil, 1979.

[6] LACAN, J. (1958) – “Las formaciones del inconsciente”. Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires,  Argentina, 1970.

[7] LACAN, J. – “La Família” – Ediciones Homo Sapiens, Argentina 1977
[8] TRACTENBERG, M. (1977) – “Psicanálise da circuncisão” – Editora Civilização Brasileira S.A. – Rio de janeiro

[9] TRACTENBERG, M. (1977) – “Psicanálise da circuncisão” – Editora Civilização Brasileira S.A. – Rio de janeiro


[10] TRACTENBERG, M. (1977) – “Psicanálise da circuncisão” – Editora Civilização Brasileira S.A. – Rio de janeiro


[11] TRACTEMBERG, M. (1977) – “Psicanálise da circuncisão” – Editora Civilização Brasileira S.A. – Rio de Janeiro

[12] TRACTEMBERG, M. (1977) – “Psicanálise da circuncisão” – Editora Civilização Brasileira S.A. – Rio de Janeiro
[13] LACAN, J. (1958) – “Las formaciones del inconsciente”. Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires,  Argentina, 1970.
[14] BION, W.R. (1959) – “Volvendo a pensar” – Editorial paidos, Buenos Aires, 1977, 2ª edição.
[15] Citado por MARCOS MARGULIES em seu ensaio “A circuncisão e a formação de um povo” in “A circuncisão – o mito e o rito”. Editora Documentário, Rio de janeiro, 1974.
[16] Citado por MARCOS MARGULIES em seu ensaio “A circuncisão e a formação de um povo” in “A circuncisão – o mito e o rito”. Editora Documentário, Rio de janeiro, 1974.
[17] Bíblia sagrada – edição ecumênica. Barsa, 1977.
[18] Bíblia sagrada – edição ecumênica. Barsa, 1977.

[19] Citado por MARCOS MARGULIES em seu ensaio “A circuncisão e a formação de um povo” in “A circuncisão – o mito e o rito”. Editora Documentário, Rio de janeiro, 1974.
[20] LACAN, J. (1958) – “Las formaciones del inconsciente”. Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires,  Argentina, 1970.
[21]LACAN, J. (1958) – “Las formaciones del inconsciente”. Ediciones Nueva Vision, Buenos Aires,  Argentina, 1970.
[22] TRACTEMBERG, M. (1977) – “Psicanálise da circuncisão” – Editora Civilização Brasileira S.A. – Rio de Janeiro
[23]LACAN, J. – “La Família” – Ediciones Homo Sapiens, Argentina 1977.
[24]LÉVI-STRAUSS, C. (1967) – “As estruturas elementares do parentesco”. Editora Vozes Ltda, Petrópolis e Editora da Universidade de São Paulo, S. Paulo – 1976).
[25]LAPLANCHE, J. E PONTALIS, J. (1967) – “Vocabulário da psicanálise”, Moraes Editora, Lisboa, 1970.