Pensamento cartesiano
ou pensamento paradoxal? (a partir do relato de um colega).
O pensamento cartesiano é mais
simples, uma linha reta ligando dois pontos sobre uma superfície plana. O
paradoxal é mais complexo, pois cobre o emaranhado de acontecimentos exigindo
um trabalho psíquico maior: temos de entrar em labirintos, fazer curvas
fechadas, passar por cruzamentos, atravessar encruzilhadas, confundir estradas
e ruas, etc. Há ocasiões em que o cartesianismo é mais conveniente embora menos amplo; em outras ocasiões o pensamento paradoxal se presta melhor para entender os acontecimentos e lidar com eles. Darei exemplos: uma pessoa tem uma infecção,
faz um exame laboratorial e descobre a bactéria responsável e o antibiótico
adequado. O médico prescreve a medicação apropriada sem ver o paciente,
avisando à família para que busque a receita. Essa pessoa toma a medicação e a
infecção desaparece. Cartesianamente pode-se dizer que tal pessoa estava
doente, tomou a medicação apropriada e ficou saudável. Causa e efeito. Digamos
que o paciente foi ao consultório onde pegou a receita sem ser examinado. É
quase como ser avisado da medicação por telefone. Continua em vigor o
pensamento dicotômico: saúde-doença. Pensemos na alternativa: o paciente toma o
remédio adequado e não melhora de seu quadro infeccioso necessitando de mais
cuidados. Por que teria falhado a epistemologia cartesiana? Porque no caso
cabia uma epistemologia paradoxal que fosse além da dicotomia doença e saúde.
Melhor raciocinar paradoxalmente dizendo que o paciente é ao mesmo tempo
saudável e não saudável. Poderíamos ir pelo seguinte caminho: desde que
nascemos somos atacados por inumeráveis seres vivos: bactérias, parasitas,
germes de toda natureza, ofensas, sapos, etc. Nós nos defendemos mobilizando
nossas defesas. Há uma luta entre o germe e as defesas imunológicas, entre a
raiva e as defesas psíquicas. Mas estes sintomas só existem porque o
corpopsiquemente tem recursos para se
defender. Podemos dizer que tal pessoa é doente ou que, ao contrário, está
saudável já que esta podendo combater as invasões? (não esqueçamos que durante
toda a sua existência o ser humano terá de diuturnamente lutar para permanecer suficientemente
bem, isto é, vivo.) Ele está doente ou sadio? As duas coisas é a resposta óbvia.
Temos que raciocinar dentro de uma epistemologia paradoxal para dar conta da
complexidade do ser humano. O antibiótico é sim necessário. Mas há pessoas que vitalmente
necessitam algo que vá além da medicação. Precisam de acolhimento, pois se este
não existir o sistema imunológico falhará, reverberando nx mente/cérebro sob a
forma de medo de não se recuperar, exacerbando fantasias de não-cuidado, herança
de uma infância mal concernida, etc., etc. Para alguns pacientes bastará dar o
antibiótico permanecendo na lógica cartesiana. Outros precisarão que o cuidador
cuide do paciente dentro da lógica paradoxal, pois terá de levar em
consideração a complexidade humana. Estes o obrigarão a pensar dentro da lógica
paradoxal que acompanha a complexidade.
Nahman Armony
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