Por milênios não se contestou a ascendência do homem na família. Ele era o poderoso caçador, o homem público, aquele que tinha uma profissão socialmente reconhecida e valorizada, o provedor sem o qual os filhos e a mulher morreriam de fome. Apesar da importância da função feminina no âmbito doméstico – criando e cuidando dos filhos, mantendo um lar como uma sólida base afetiva e organizacional que proporcionava estabilidade, segurança e confiança ao cônjuge –, a sociedade sempre teve um olhar desdenhoso para as mulheres, como se seu trabalho fosse de tão pouca valia que nem merecesse consideração.
Essa atribuição de inferioridade à
mulher e de superioridade ao homem
desencadeou a luta feminina pela conquista de uma posição de maior poder
na família. Mas as armas da mulher – a influência sobre os filhos, a recusa ao
sexo, o jogo da indiferença e do ciúme, entre outros – dificilmente poderiam se igualar à grande arma
do homem: a dependência financeira e social da família.
Já faz algum tempo que essa
situação começou a mudar. Hoje, muitas mulheres gerenciam a família e ganham
mais que o homem. Ficou, porém, nas suas almas, uma marca ancestral de
subordinação que as atrapalha no uso deste poder, um poder que poderia ser
empregado para estabelecer uma relação igualitária.
Um exemplo comovente da dificuldade
em aceitar e assumir a situação de protagonismo nos foi fornecido na sincera e
generosa entrevista que Whitney Houston deu recentemente, falando de suas
dificuldades com um marido menos famoso e menos abonado – que, sentindo-se
inferiorizado, a agredia. Ela falou de seus esforços para preservar a relação,
esforços que tinham a ver com sua educação religiosa, com o valor dado à
presença do pai perto dos filhos e com a crença numa conciliação possível. Para
atingir seu objetivo, Whitney tentou se apagar para que o marido pudesse
sobressair. Pode-se bem prever o resultado dessa atitude. Ela se deprimiu,
tornando-se usuária assídua de drogas pesadas; entrou numa posição masoquista
de quem está disposta a qualquer coisa para preservar o casamento, o que só fez
estimular a atuação sádica do marido. No final do processo, já arrasada, ela
finalmente se separou e pôde começar a se afastar das drogas.
Na minha clínica tenho outro
exemplo deste teor. Um marido que inicialmente detinha o saber e o poder, ao
ensinar o que sabia da profissão à esposa, veio a se sentir superado por ela.
Ela, que compensava com seu não-saber o profundo sentimento de desvalia do
marido, permitindo-lhe aceder ao tranqüilizador sentimento de autoafirmação e
autoestima (que dependia da superioridade que sentia em relação à esposa),
tornou-se a algoz que mobilizava o seu
sentimento de inferioridade.
Decorreu daí um comportamento agressivo do marido e a recusa da esposa em
continuar convivendo com ele.
Os dois casos ilustram a uma
situação nova, que desestabiliza os casais e exige um esforço de conhecimento
de si e da dinâmica da vida a dois. Não há outra saída: o homem deverá
trabalhar seus sentimentos de inferioridade advindos de uma posição superior da
esposa, e esta deve tomar cuidado para não alimentar o sentimento de humilhação
e inferioridade do marido, mas sem amortecer sua própria potência de realização.
Ambos precisam ter sensibilidade para lidar com a nova realidade.
Nahman Armony
Primeira publicação na revista CARAS
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