São muitos os significados de traição.
Exagerando, poderíamos dizer que há um significado para cada pessoa. Traição
pode ser quebra de contrato; não defender o amigo ou namorado quando atacado; não
corresponder a uma expectativa em relação a uma conduta fundamental (o advogado
que “trai” seu cliente; o político que “trai” seu eleitor). O amig@ que rouba o
namorad@. Há quem se sinta traído em pensamento. O amante que deseja uma outra
pessoa que não a namorada. O amante que enquanto faz amor com a namorad@ pensa
em outr@. O marido que na cama, ao lado da esposa, pensa em outra mulher.
Também é sentido como traição por alguns o olhar desejoso para uma fotografia
de um modelo lindo, ou a excitação com filme erótico. A própria masturbação,
feita na presença ou na ausência pode ser sentida como traição. “Se eu estou
aqui, para que el@ precisa disto? É a mim que tem de procurar”. Inversamente,
um homem pode estar tendo sexo casual, porém pensando na sua amada. É claro que
nessas situações há vários outros problemas e não pretendo, neste texto me
deter neles, pois outra é minha intenção ao escrever esta crônica. Para tornar
meu pensamento claro serei minimalista. Vou considerar a traição em seu sentido
mais generalizado que é @ parceir@ sexual ter relações sexuais com outr@. Na
verdade, a melhor palavra para este tipo de traição é infidelidade. Infidelidade
também significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Mas, como tenho de
ser minimalista pensarei na infidelidade de duas maneiras: uma referida à infância
quando o bebê exige ser o único amor e única atenção da mãe. Certamente isto
tem uma base biológica, pois os recém-nascidos que conseguissem estar perto da
mãe, mamar em suas tetas, ter o calor e atenção da mãe eram os que sobreviviam
e certamente a seleção natural encarregou-se de fixar esta característica.
Queremos todos ter uma atenção exclusiva e para isso queremos que a mulher e o
homem só conosco tenham sensações prazerosas. “Só eu sou capaz de lhe dar este
prazer, portanto ela ficará comigo”. A questão da posse dos órgãos sexuais pode
ser que tenha como antecedente a idéia de que “este seio é só meu e de mais
ninguém”. Além disto, o contato dos órgãos genitais e da boca representa o
máximo de intimidade que faz com que duas pessoas se sintam unidas, em
comunhão. Esta comunhão será conspurcada se aqueles órgãos forem usados em uma
outra relação. A outra maneira de pensar é darwiniana. O homem quer que seus
genes sobrevivam e por isso não admite que sua mulher tenha relações sexuais
com outro. É por essa mesma razão que ele teria uma tendência poligâmica,
embora, ainda do ponto de vista darwiniano possamos pensar que a monogamia
protege melhor os filhotes.
O que eu desejo, no momento, é pensar
porque o homem pôde se elevar acima dos seus desejos infantis (por exemplo:
onipotência) e de suas determinações genéticas (desejo de vingança que se
transforma em justiça) e porque não pode se elevar para além do sofrimento que
lhe causa a infidelidade. Creio haver aí um fator cultural. Por alguma razão desconhecida
a cultura ocidental, e quem sabe todas as culturas aceitam, são compreensivas
com atos violentos advindos do ciúme. Não há um lobby forte contra o ciúme que
se assemelhe a uma campanha contra a impulsividade em geral, a matança em
geral, e todos os 10 mandamentos. A propósito disto quero repetir aqui uma
frase de Bischof-Köhler: “aquilo que mais nos distingue como seres humanos é
sermos capazes de superar nossas tendências e instintos naturais, e até mesmo
extrair disso, em certas circunstancias, grande satisfação”. (Revista “Mente e
Cérebro” Edição Especial n.6 PERSONALIDADE).
A pergunta então se impõe: por que é que dos sentimentos infantis desmedidos,
só o ciúme é admitido como natural e perdoável nos adultos? Não sei a resposta,
mas acho que deveríamos trabalhar para tornar socialmente incômodo o sentimento
excessivo de ciúme. O sucesso da campanha contra o fumo poderia ser inspirador
para uma propaganda contra o ciúme. Isto evitaria muito sofrimento e inúmeras
mortes.
Nahman Armony
Primeira
publicação na revista CARAS.
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