DINAMISMOS EM PSICANÁLISE
Nahman
Armony
Este artigo e os dois que se
seguem foram escritos no século passado e os estou reapresentando porque, na
minha opinião, o conceito sullivaniano de dinamismo aproxima-se do modo
intersubjetivo de exercer a psicanálise. Creio que o pensamento
intersubjetivista se beneficiará dessa fonte. Foi Sullivan (1963) quem usou
pela primeira vez, em psicanálise, o conceito de dinamismo. Apesar de seu
parentesco semântico com “dinâmico”, o termo subsume, na verdade, uma outra
postura prática e teórica. Enquanto Freud refere-se à dinâmica como um processo
que ocorre no interior do aparelho
psíquico, Sullivan dá a ‘dinamismo’ um sentido interpessoal, uma atividade que
envolve pelo menos duas pessoas. Suas teorias, resultados de posicionamento
filosófico e epistemológico distinto, apresentam justamente esta divergência
básica: o primeiro tenta manter-se no âmbito do intrapsíquico, enquanto o
segundo considera necessária a inclusão do ‘outro’ no próprio cerne da teoria.
Foi justamente esta inclusão que permitiu a Sullivan a elaboração de uma teoria
muito próxima à clínica (Armony, 1979), superando a tendência solipsista da
teoria freudiana. Quando Sullivan, em 1929, começou a formular a sua teoria das
relações interpessoais, Freud ainda era vivo; teria 10 anos de existência pela
frente e ocupava-se, desde pelo menos 1917 (Freud, 1917), em encontrar um lugar
para o ‘outro’ em sua metapsicologia. O que teria impedido de, nas suas
reformulações, encontrar um lugar teórico mais adequado para o ‘outro’, um
lugar que aproximasse teoria e clínica?
Freud, nascido em meados do
século XIX, é um filho do iluminismo. Embora estivesse em curso, no momento da
constituição do saber psicanalítico, uma revolução no campo epistêmico, Freud
mantém-se fiel aos seus mestres e à sua formação. O aparecimento de um novo par
epistemológico, ciências da natureza/ciência da cultura, não o sensibiliza nem
o impele a uma escolha. Não há possibilidade de escolha, pois, para Freud, a
única ciência possível é a ciência da natureza na qual ancora persistentemente
a psicanálise (Assoun, 1981). No plano da teoria produz, em 1895, o “Projeto de
uma psicologia para neurólogos” criando um fantástico aparelho neurônico. Esta
“Máquina que não tardaria a funcionar por si mesma” (Freud, 1895), deveria
explicar as ocorrências psíquicas, normais e patológicas. Suas inúmeras
deficiências levaram Freud a engavetá-lo mas não a esquecê-lo. Reaparece
metamorfoseado em 1900 no cap. 7 da “Interpretação dos Sonhos”. A linguagem
energética-fisiólogica é transposta para um idioma energético-psicológico,
ampliando o poder de inclusão da teoria, mas mantendo sua base mecanicista e o
seu solipsismo. No plano da clínica Freud colocava-se com um observador externo
dos sintomas, procurando descobrir a cadeia casual que os determinava. Estas
relações de determinação seriam descobertas mediante um artifício técnico: o
terapeuta teria uma “atenção flutuante” para a “associação livre” do paciente,
podendo então descobrir os deslocamentos e condensações responsáveis pelos
sintomas. Neste contexto científico, “asséptico”, de pura observação e
intervenção externas surge um fenômeno perturbador: a transferência. De início
tratada como um incômodo, pouco a pouco ganha importância, até que em 1912, no
artigo “Dinâmica da transferência” (Freud, 1912), afirma-se como o elemento
primordial na “cura” psicanalítica. A esta altura, porém, as bases da teoria
psicanalítica já tinham sido assentadas no “Projeto” e no Cap. 7 da
“Interpretação dos Sonhos” (Freud 1900), e a transferência ocupa, ali, um pobre
lugar teórico, não diferenciando de qualquer outro deslocamento. A distância
entre teoria e clínica, assim instituída, não foi suficientemente reduzida por Freud nem mesmo em sua última
reformulação teórica, dado o seu profundo comprometimento com suas bases
teoréticas assentadas no “Projeto”. Não seria demais presumir que, se a
importância da transferência tivesse sido descoberta antes das primeiras elaborações
teóricas, outra talvez fosse a teoria psicanalítica freudiana. Parte da
comunidade psicanalítica, sentindo a necessidade de aproximar a teoria da
prática, o fez com a assim chamada “teoria clínica” (Waelder, 1962).
É justamente neste ponto que introduzo
minha concepção de dinamismo. Ela, a princípio, é um prolongamento da concepção
sullivaniana de dinamismo: “... a menor abstração útil, que pode ser empregada
no estudo da atividade funcional do organismo vivo, é o dinamismo em si mesmo,
o padrão relativamente perdurável de transformações de energia que caracterizam
recorrentemente ao organismo vivo. Esta é, talvez, a enunciação mais geral que
me é possível formular sobre a concepção de dinamismo; alcança muito além do
reino da psiquiatria, e, certamente, todo o reino da biologia. A juízo de
alguns, talvez alcance muito além, ainda” (Sullivan, 1953, p. 129). Sullivan
continua: “os dinamismos de interesse para a psiquiatria são os padrões
relativamente perduráveis de transformação de energia que caracterizam,
recorrentemente, as relações interpessoais --- o interjogo funcional das
pessoas e personificações, signos pessoais, abstrações pessoais e atributos
pessoais --- que compõem a classe claramente humana de ser” (IBID, p. 129).
Quando transponho a concepção sullivaniana de dinamismo para a situação
psicanalítica a dois realizo algumas modificações. Considero dinamismo como o
padrão relativamente perdurável de trocas psicológicas na cena fantasmática de
uma relação psicanalítica dual, captado pela contratransferência alogênica,
especialmente por identificação complementar (Armony, 1978, pp. 69/70). Este
padrão para ser percebido exige, em primeiro lugar, que o terapeuta deixe-se
colocar e/ou coloque-se no centro dos acontecimentos do “aqui e agora” da sessão.
Requer também uma atitude particular chamada por Bion de “devaneio” (Bion,
1962, pp. 52 e 104), por Winnicott de “devoção” (Winnicott, 1956, p. 494) e que
eu gostaria de denominar de “disponibilidade para a identificação”. Neste
estado o terapeuta experimentará em si mesmo, em resposta à transferência do
paciente (portanto através de sua contratransparência alogênica), a emergência
de sentimentos e emoções e a tendência a desempenhar papéis. Se o terapeuta não
desmitificar precocemente a transferência, a situação
transferencial/contratransferencial evolverá dentro de uma lógica própria que
se tornará cada vez mais clara pela reiteração das situações. Haverá um momento
em que poderemos isolar, da corrente fluida da relação, um dinamismo. Este
dinamismo será um padrão abstraído de um relacionamento vivo, um esqueleto que
se delineia por trás da carne dos acontecimentos. A recorrência de certos
padrões permite delimitar alguns dinamismos: esquizóide, paranóide, depressivo,
obsessivo, fálico, histérico e fóbico. O reconhecimento destes dinamismos assim
abstraídos apresenta suas dificuldades; na prática os padrões dinâmicos por nós
delimitados podem se interpenetrar ou se superpor; pode haver uma tal
quantidade de ocorrências nas sessões que os balizamentos indicativos do padrão
tornam-se borrados. Como então reconhecer o dinamismo no pipocar dos
acontecimentos analíticos? Esta questão poderá ser mais bem examinada se
tomamos a definição de padrão de Sullivan: “Padrão é um conjunto de diferenças
particulares insignificantes” (Sullivan, 1953, p. 130). Duas laranjas, diz-nos
Sullivan, pertencem a um mesmo padrão porque suas diferenças são
insignificantes do ponto de vista do padrão laranja abstraído. Na situação
analítica, como evitar deixar-se confundir pelas particularidades que em termos
do padrão são irrelevantes? Se pudermos distinguir as linhas mestras
repetitivas do relacionamento, aquelas que dão o movimento predominante à
relação, as particularidades que envolvem e atravessam estas diretrizes e se
revelam incapazes de alterar o seu curso merecerão o qualificativo de
insignificantes. Para distinguir estas linhas mestras o analista deixar-se-á
levar pelo dinamismo, como se este fosse uma forte corrente caudalosa
arrastando-o através dos valões cavados pelo padrão repetitivo. Esta metáfora
suporta ainda, em seu limite, uma importante colocação de Sullivan: “Apesar de
que tal padrão é relativamente durável, nada tem de estático, porque uma
mudança, por muito insignificante que seja, é produzida por cada manifestação
recorrente, no viver, deste padrão recorrente” (Ibid., p. 135). Esta afirmação
ganha maior relevo quanto Sullivan diz que mudanças “insignificantes no que se
refere ao padrão podem ser muito significativas em relação ao viver” (Ibid., p.
134). Entramos na questão da “cura analítica” sob a ótica dos dinamismos e suas
transformações. (Coloquei “cura” entre aspas por achá-la uma palavra inadequada
para nomear a trajetória percorrida pelo paciente numa relação analítica;
prefiro chamá-la de “crescimento” ou “evolução”). Nesta perspectiva a evolução
dar-se-á através da diminuição da rigidez do dinamismo; seu afrouxamento
permitirá um maior acesso às motivações inconscientes, aumentando as
possibilidades de evitar a repetição cega e automática de padrões na interação
com a vida e com o outro; o afrouxamento possibilitará também a valorização de
elementos já existentes no dinamismo e a entrada de novos elementos com a
conseqüente ampliação e flexibilização do dinamismo e ainda, a utilização de
outros dinamismos que permanecerão subordinados ao predominante.
Ao deixar-se levar pela corrente
dos acontecimentos analíticos, o terapeuta poderá perceber, a partir de sua
posição contratransferencial, dois tipos mais gerais de solicitação dos
pacientes, agrupáveis em dois amplos conjuntos: o conjunto dos dinamismos
básicos e o conjunto dos dinamismos secundários. O conjunto dos dinamismos
básicos compreende os dinamismos esquizóide, paranóide e depressivo,
pertencendo os demais aos secundários. Nos básicos o terapeuta sente-se
colocado na posição de uma Mãe-Primeva, com o poder de Salvar ou Destruir. O
paciente relaciona-se com o Terapeuta-Mãe buscando conquistá-lo e/ou mantê-lo
conquistado, pois seu objetivo na vida é ter uma Mãe-Fada que lhe assegure a
onipotência, permitindo-lhe ou desconsiderar as solicitações da realidade, ou
relacionar-se confortavelmente com ela através da Mãe. Sua luta é pela
conquista da Mãe; pois assim tudo o mais estará assegurado; nada há que supere
o poder da Mãe; acima e além das leis e regras sociais está o poder delegado
pela própria Natureza Originária à Mãe-Primeva.
Nos dinamismos secundários
agregam-se outras fantasias ao transfundo transferencial anterior. Estamos
agora falando dos dinamismos obsessivo, histérico, fóbico e fálico. Diferentemente
dos dinamismos básicos, a referência principal não é a conquista da Mãe mas a
conquista do Mundo. Para isto o paciente conta com o auxílio do terapeuta,
visto no plano da realidade objetiva (plano sintáxico) (Armony, 1978, p. 66)
como um técnico detentor de um conhecimento que lhe possibilitará debelar seus
sintomas e seu mal-estar. Este mesmo terapeuta, agora na fronteira da realidade
fantasmática (plano paratáxico) (Armony, ibid), é percebido como o
Representante Autorizado da Sociedade de quem se espera apoio, aprovação e
orientação (mágica ou não) em relação aos seus esforços para encontrar um lugar
na comunidade dos adultos. Mais um pequeno passo e, mergulhando na “outra
cena”, deparamo-nos com o Pai-Onipotente, grande e poderoso palmilhador dos
caminhos sociais, mágico conhecedor das regras, leis e malícias que regem as
relações humanas. Este Pai-Onipotente tem a função de abrir um espaço social
privilegiado para o seu Filho-Protegido, colocando-o no topo do mundo. É neste
ponto que surge um paradoxo: só há lugar para uma única pessoa no cume do
universo, na cadeira do Imperador; mas este lugar já está preenchido e, por
ironia do destino, pelo próprio Terapeuta-Pai, justamente a quem o paciente
pede auxílio. Isto cria uma oscilação: enquanto o Terapeuta-Pai é sentido como
um aliado que apóia-aprova, funciona a unidade Pai-Dadivoso/Filho-Amado e não
há conflito; quando o analista intervém afirmando a sua identidade e
diferenciando-se das propostas do paciente, passa a ser sentido como o Grande Castrador,
aquele que defende o seu lugar de Rei contra os assédios de uma Criança
desejosa de se tornar Adulto-Onipotente tomando o lugar do Terapeuta-Pai. Este
dinamismo, embora claramente pertencente aos secundários por sua filiação ao
social, tem uma especificidade que talvez até justificasse uma categoria à
parte. Mas isso será visto mais adiante na seção dos dinamismos secundários.
Os dinamismos básicos
Nestes dinamismos a pessoa está
em estreito contacto com os núcleos mais primitivos de seu ser, núcleos
protegidos das identificações resultantes da necessidade de convivência com o
social e da fatalidade de uma produção para a sobrevivência. Mesmo imersa no
social a pessoa impede que seus regulamentos e obrigatoriedades invadam o seu
centro egóico, colocando a salvo as suas vivências identificatórias mais
primárias. Sua vida psíquica pode até comportar os mandatos sociais, fixando-os
na memória e utilizando-os na ação prática; porém, na medida em que não são
incorporados ao ego, praticamente não o transformam. É como se o paciente
dissesse: “Não deixaria que minha essência se modifique pelo que ‘eles’ pensam
e querem; vou conversar a minha pureza, a minha autenticidade”. Esta
‘autenticidade’ está referida às personificações da Mãe. No dinamismo depressivo
o paciente relaciona-se intimamente com a Mãe-Boa, no paranóide com a Mãe-Má, e
no esquizóide consigo mesmo. Esta última afirmação reclama um esclarecimento:
enquanto o depressivo e o paranóide necessitam de figurações externas da Mãe
para com elas realizar a simbiose, o esquizóide, depois de estabelecidas e
internalizadas as personificações de Mãe-Boa e Mãe-Má, pode prescindir de
projetá-las no mundo externo, mantendo-se afetivamente desligado e solitário.
Este desligamento afetivo permite-lhe uma fina crítica das convenções
gregárias, uma aguda percepção das inadequações do social em relação às
carências humanas. Permanece, porém, latente o desejo de realizar uma simbiose
com a personificação da Mãe-Boa; mas isto só ocorrerá se o terapeuta tiver comportamentos
e atitudes que conquistem a confiança do esquizóide.
Diferentemente dos esquizóides,
depressivos e paranóides não podem se furtar à manutenção de uma simbiose sem
sérias conseqüências. O depressivo realiza uma simbiose com a Mãe-Boa o que lhe
permite conhecer profundamente a sua vida psíquica; utiliza-se deste
conhecimento para tentar manter na cena fantasmática a Mãe-Boa-Idealizada que
onipotentemente o protegerá. Conseguido este objetivo, o depressivo descansará
no colo do Universo, relaxando-se física e mentalmente, imaginariamente
resguardado de todos os perigos. Intimamente familiarizado com os afetos
carinhosos é talvez ainda mais sensível e perceptivo aos mínimos movimentos de
afastamento e diferenciação da Mãe, vividos como rejeição e abandono cujas
conseqüências são o desamparo e o aniquilamento. Se, no remoto horizonte,
aponta uma breve e leve aragem de distanciamento, desagrado ou individuação, o
depressivo se mobilizará todo no sentido de recativar a Mãe-Terapeuta,
conjurando o perigo de rompimento da simbiose. A segurança de uma proteção
onipotente deixa-o livre para perceber, sentir e pensar sem maiores
impedimentos internos. O que não pode ser sentido é a sua própria agressividade
para com a Mãe-Boa-Onipotente, sob o risco de perder a bem-aventurada condição
de segurança. O paranóide, por sua vez, encontra-se eternamente ameaçado de
ataque e aniquilamento, o que fá-lo viver em tensão permanente. Predomina,
soberana, na sua vida psíquica, a personificação da Mãe-Má, a qual é projetada nas
diversas pessoas e situações do mundo. Esta projeção assim dirigida para o
mundo protege o terapeuta de ser colocado no papel da Mãe-Má. É, porém uma
proteção precária, pois na expectativa do paciente pode-se revelar, a qualquer
momento, a face oculta do terapeuta, a Mãe-Má que nele se esconde; embora a
expectativa seja sentida, seu conteúdo permanece na maior parte do tempo
inconsciente. Em virtude da relação simbiótica que realiza com a Mãe-Má, o
paranóide possui uma extraordinária intimidade com afetos agressivos. Daí a sua
extrema sensibilidade e perspicácia em relação aos mínimos traços inconscientes
de hostilidade, depreciação, condenação, etc. das outras pessoas. Quando
detecta no terapeuta qualquer longínquo sinal de algum afeto negativo, sente-se
ameaçado de destruição e trata de rapidamente recompor a situação anterior,
enviando a Mãe-Má para as sombras, onde ela permanecerá à espreita, aguardando
uma nova oportunidade de se manifestar.
A ameaça que paira sobre as
pessoas quando vivem os dinamismos básicos é aniquilamento. Já nos dinamismos
secundários a integridade da personalidade e a prevenção da vida ficam fora de
questão; a ameaça se desloca no sentido de castração, entendida aqui como um
impedimento para o ingresso na vida adulta. Este ingresso na vida adulta é
pretendido, pelo paciente, pela via da onipotência. Levará um tempo de análise
para que possa abrir mão desta ilusão.
Os dinamismos secundários
Na verdade não há suficiente
homogeneidade nos dinamismos secundários para que possam ser estudados em
conjunto, Será preciso separar dos outros três o dinamismo obsessivo, pois
embora por sua inserção no social se filie aos dinamismos secundários,
apresenta características que tornam necessário seu estudo em separado. Seria
talvez até conveniente colocar o dinamismo obsessivo em uma categoria à parte,
entre os dinamismos básicos e secundários, porém mais próximo dos segundos.
Examinaremos, em primeiro lugar,
os dinamismos fálico, histérico e fóbico. Prefiro começar pelo fálico pois, dos
três, é o que mais se presta para evidenciar o transfundo destes dinamismos.
Enquanto que no dinamismo histérico e fóbico o olhar do terapeuta fica
confundido pelos sintomas, no fálico, a ausência de uma sintomatologia florida
permite uma visão mais clara do transfundo dinâmico. O que mais atazana a
pessoa fálica é um sentimento de estar sendo impedido de alcançar o lugar
adulto a que tem direito. Qualquer revés, qualquer adiamento, qualquer
hesitação são sentidos como um deliberado desejo de dificultar ou impedir a sua
progressão no mundo adulto. As interpretações que apontam para os seus aspectos
infantis despertam nele a sensação de que o terapeuta quer confiná-lo à esfera
da infância, impedindo-o de alcançar as posições adultas: estas o terapeuta
reservaria para si.
O histérico luta aflitivamente
por sua condição adulta passando por cima de seus problemas a tal altitude e
tão velozmente que mais parece um pássaro sobrevoando em vôo livre uma região;
é este o rápido olhar que o histérico dirige às suas situações de vida; não
‘pousa’ nas suas experiências, não medita sobre elas nem as aprofunda, Suas
carências infantis são assim como que levianamente desatendidas,
transformando-se em sintomas ou sendo sedutoramente super-representadas; a
teatralização aqui tem por finalidade não só conquistar a admiração do outro
como também superficializar os afetos --- senti-los plenamente seria deixar-se
invadir pela impotência infantil, tornado-se incapaz de lutar e competir. O
histérico busca no terapeuta solução para seus sintomas e aprovação-aplauso
para o seu modo de luta. O terapeuta, não se deixando envolver pela
teatralização histérica, aponta para as dificuldades do paciente, o qual,
frustrado em suas expectativas, ameaçado pela firmeza do terapeuta e pelas
interpretações endereçadas à infância, projeta nele a personificação do Grande
Castrador, aquele que não quer deixá-lo crescer. Esta personificação, até então
eclipsada pela do Pai-Aprovador, torna-se dominante; exacerba-se sua competição
com o terapeuta, ao qual tentará conquistar, vencer, para depois descartar.
O fóbico concentra e localiza
suas ansiedades em situações específicas, transformando-as em fobias. Esta
manobra permite-lhe lutar pela sua afirmação social de uma maneira mais
efetiva, já que fica menos perturbado pelas suas figuras fantasmáticas persecutórias,
confinadas à situação fóbica. Pelo mesmo motivo o terapeuta pode ser vivenciado
como o Pai-Benigno, um amigo qualificado que o ajudará a debelar suas fobias. A
proposta terapêutica de buscar as motivações inconscientes é por um lapso de
termo facilmente aceita, e analista e paciente parecem dois companheiros
empenhados em uma investigação. Em algum momento a conjuntura se modifica. O
exame das fobias remete a ocorrências referidas à personificação do
Pai-Castrador, até então reprimida; surge então a clássica resistência
transferencial, sendo esta personificação projetada no terapeuta e iniciando-se
uma competição.
Nos três últimos dinamismos
estudados alternam-se colaboração e competição. No dinamismo obsessivo que
estudaremos a seguir, o aspecto competitivo está eludido; a luta pelo lugar do
Pai, onipresente nos três dinamismos anteriores, oculta-se nos desvãos do
inconsciente. O desejo primeiro do obsessivo não é obter um lugar privilegiado,
mas sim, um lugar seguro no seio da sociedade. Coloca-se pois, como o
Filho-Respeitoso-Submisso, reverente acatador e seguidor das leis, que esperará
pacientemente a sua vez de se tornar Pai-Onipotente; esta hora poderá
concretizar-se ou não; de qualquer forma não poderá ser provocada ou apressada;
está determinada pela Ordem Natural das Coisas e um Bom-Filho não tem nada mais
a fazer senão aguardá-la e, eventualmente, recebê-la.
Quero reiterar que, a descrição
dos dinamismos em sua intimidade acima tentada, só é possível por estar o
terapeuta incluindo no campo fantasmático. É a sua presença que possibilita o
estabelecimento e funcionamento do dinamismo. O terapeuta, colocando-se em
estado de disponibilidade para a identificação, permite que os fantasmas do
paciente mobilizem os seus próprios, passando ambos a interagir na cena
fantasmática, na dimensão transferencial/contratransferencial. A identificação
pode ser homóloga – terapeuta sentindo o mesmo que o paciente, ou complementar
– paciente solicitando do analista o desempenho de um papel complementar aos
seus medos e necessidades fantasmáticos. Para a estruturação do dinamismo, a
identificação complementar é de relevante importância. Nos dinamismos básicos o
terapeuta sente-se completamente colocado como a Mãe-Primeva com a função de
salvar o seu Filho-Paciente e com o poder de destruí-lo, abandonando-o ou
atacando-o. No dinamismo obsessivo o terapeuta sente-se colocado na posição de
uma Figura Parental Inafetiva e Exigente que impõe ao Filho-Paciente regras e
deveres a serem cumpridos à risca. Nos dinamismos fálico, histérico e fóbico o
terapeuta sente-se colocado na posição do Pai-Castrador, aquele que pretende
guardar o poder e suas benesses para si. Colocado nestes lugares o terapeuta, a
partir deles, pode se aperceber da dinâmica mais fina do jogo interpessoal
fantasmático, o que lhe permite penetrar nos meandros do dinamismo em curso.
Uma pincelada geral destes dinamismos foi dada neste artigo. Espero, em
próximos trabalhos, estudar cada dinamismo de per se justamente através deste
método: a contratransferência alogênica, especialmente através da identificação
complementar, revelando um campo fantasmático de interação analista-analisando.
O estudo em separado dos
dinamismos não deverá porém nos enganar; eles geralmente não se apresentam
isolados. Na grande maioria das vezes (senão em todas) eles se superpõem e se
interpenetram. São possíveis todas as combinações, independentemente da
categoria em que estão colocados. Algumas conjunções são, porém, mais
freqüentes. Entre estas está a conjunção de um dinamismo básico com um
dinamismo secundário, geralmente predominando o secundário. Via de regra a
predominância de um dinamismo é durável; é, geralmente, preciso um bom tempo de
análise para que dinamismos subordinados ou eclipsados apareçam com clareza,
ocupando o lugar de destaque.
Fica claro, pois, que a
sistematização por mim realizada tem, acima de tudo, a função de balizamento e
transmissão, sem pretender corresponder à ‘verdade’ dos acontecimentos, muito
mais pessoal, fluida e complexa do que é possível registrar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ARMONY, N. (1978) –
“Contratransferência alogênica e autogênica: duas noções auxiliares para a
compreensão dos fenômenos contratransferenciais”. Tempo Psicanalítico, Vol. 1 n. 2. ARMONY, N. (1979) – “ A
metapsicologia sullivaniana e a clínica”. Tempo
psicanalítico, Vol. 2, n.1.
3. ASSOUN, P.L. (1981) – “Introdução à epistemologia freudiana”. Imago
Editora, Rio de Janeiro, 1983.
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Editores, Rio de Janeiro, 1966.
5. FREUD, S. (1895) – “Projeto
para uma psicologia cientifica”. Edição Standard Brasileira, Vo.. 1, Imago
Editora, Rio de Janeiro, 1977.
6-
-------------------------------- - Carta de 20/10/1895, citado por Assoun P.L.,
obra citada, p.143.
7. -------------------------
(1900) – “A interpretação dos sonhos”. Ibid,
Vol.4, 1972.
8. ---------------------------
(1917) – “Luto e melancolia”. Ibid. V.14, 1974.
9. LAPLANCHE, J. e PONTALIS,
J.B. (1967) – “Vocabulário de
Psicanálise”. Editora Livraria Martins Fontes, Lisboa, 1970.
10. SULLIVAN, H.S. (1953) – “La teoria interpersonal de la psiquiatria”.
Editora Psique, Buenos Aires, 1964.
11.
--------------------------------------------
“Estudios cínicos de psiquiatria”.
Ibid, 1973.
12. WAELDER, R. (1962) –
“Psychoanalysis, scientific method abd philosophy”. IN: “Psychoanalysis: observation, theory, application”. Ed. S.A. Guttman. International
University Press, 1976, p. 248-274.
13. WINNICOTT, D.W. (1956) –
“Preocupação materna primária”. In “Da
pediatria à psicanálise”. Livraria Francisco Alves Editora S.A.. Rio de
Janeiro, 1982.
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