DINAMISMOS EM PSICANÁLISE

DINAMISMOS EM PSICANÁLISE

                                                                   Nahman Armony
                                                                                                      



Este artigo e os dois que se seguem foram escritos no século passado e os estou reapresentando porque, na minha opinião, o conceito sullivaniano de dinamismo aproxima-se do modo intersubjetivo de exercer a psicanálise. Creio que o pensamento intersubjetivista se beneficiará dessa fonte. Foi Sullivan (1963) quem usou pela primeira vez, em psicanálise, o conceito de dinamismo. Apesar de seu parentesco semântico com “dinâmico”, o termo subsume, na verdade, uma outra postura prática e teórica. Enquanto Freud refere-se à dinâmica como um processo que ocorre no interior  do aparelho psíquico, Sullivan dá a ‘dinamismo’ um sentido interpessoal, uma atividade que envolve pelo menos duas pessoas. Suas teorias, resultados de posicionamento filosófico e epistemológico distinto, apresentam justamente esta divergência básica: o primeiro tenta manter-se no âmbito do intrapsíquico, enquanto o segundo considera necessária a inclusão do ‘outro’ no próprio cerne da teoria. Foi justamente esta inclusão que permitiu a Sullivan a elaboração de uma teoria muito próxima à clínica (Armony, 1979), superando a tendência solipsista da teoria freudiana. Quando Sullivan, em 1929, começou a formular a sua teoria das relações interpessoais, Freud ainda era vivo; teria 10 anos de existência pela frente e ocupava-se, desde pelo menos 1917 (Freud, 1917), em encontrar um lugar para o ‘outro’ em sua metapsicologia. O que teria impedido de, nas suas reformulações, encontrar um lugar teórico mais adequado para o ‘outro’, um lugar que aproximasse teoria e clínica?
Freud, nascido em meados do século XIX, é um filho do iluminismo. Embora estivesse em curso, no momento da constituição do saber psicanalítico, uma revolução no campo epistêmico, Freud mantém-se fiel aos seus mestres e à sua formação. O aparecimento de um novo par epistemológico, ciências da natureza/ciência da cultura, não o sensibiliza nem o impele a uma escolha. Não há possibilidade de escolha, pois, para Freud, a única ciência possível é a ciência da natureza na qual ancora persistentemente a psicanálise (Assoun, 1981). No plano da teoria produz, em 1895, o “Projeto de uma psicologia para neurólogos” criando um fantástico aparelho neurônico. Esta “Máquina que não tardaria a funcionar por si mesma” (Freud, 1895), deveria explicar as ocorrências psíquicas, normais e patológicas. Suas inúmeras deficiências levaram Freud a engavetá-lo mas não a esquecê-lo. Reaparece metamorfoseado em 1900 no cap. 7 da “Interpretação dos Sonhos”. A linguagem energética-fisiólogica é transposta para um idioma energético-psicológico, ampliando o poder de inclusão da teoria, mas mantendo sua base mecanicista e o seu solipsismo. No plano da clínica Freud colocava-se com um observador externo dos sintomas, procurando descobrir a cadeia casual que os determinava. Estas relações de determinação seriam descobertas mediante um artifício técnico: o terapeuta teria uma “atenção flutuante” para a “associação livre” do paciente, podendo então descobrir os deslocamentos e condensações responsáveis pelos sintomas. Neste contexto científico, “asséptico”, de pura observação e intervenção externas surge um fenômeno perturbador: a transferência. De início tratada como um incômodo, pouco a pouco ganha importância, até que em 1912, no artigo “Dinâmica da transferência” (Freud, 1912), afirma-se como o elemento primordial na “cura” psicanalítica. A esta altura, porém, as bases da teoria psicanalítica já tinham sido assentadas no “Projeto” e no Cap. 7 da “Interpretação dos Sonhos” (Freud 1900), e a transferência ocupa, ali, um pobre lugar teórico, não diferenciando de qualquer outro deslocamento. A distância entre teoria e clínica, assim instituída, não foi suficientemente reduzida  por Freud nem mesmo em sua última reformulação teórica, dado o seu profundo comprometimento com suas bases teoréticas assentadas no “Projeto”. Não seria demais presumir que, se a importância da transferência tivesse sido descoberta antes das primeiras elaborações teóricas, outra talvez fosse a teoria psicanalítica freudiana. Parte da comunidade psicanalítica, sentindo a necessidade de aproximar a teoria da prática, o fez com a assim chamada “teoria clínica” (Waelder, 1962).
É justamente neste ponto que introduzo minha concepção de dinamismo. Ela, a princípio, é um prolongamento da concepção sullivaniana de dinamismo: “... a menor abstração útil, que pode ser empregada no estudo da atividade funcional do organismo vivo, é o dinamismo em si mesmo, o padrão relativamente perdurável de transformações de energia que caracterizam recorrentemente ao organismo vivo. Esta é, talvez, a enunciação mais geral que me é possível formular sobre a concepção de dinamismo; alcança muito além do reino da psiquiatria, e, certamente, todo o reino da biologia. A juízo de alguns, talvez alcance muito além, ainda” (Sullivan, 1953, p. 129). Sullivan continua: “os dinamismos de interesse para a psiquiatria são os padrões relativamente perduráveis de transformação de energia que caracterizam, recorrentemente, as relações interpessoais --- o interjogo funcional das pessoas e personificações, signos pessoais, abstrações pessoais e atributos pessoais --- que compõem a classe claramente humana de ser” (IBID, p. 129). Quando transponho a concepção sullivaniana de dinamismo para a situação psicanalítica a dois realizo algumas modificações. Considero dinamismo como o padrão relativamente perdurável de trocas psicológicas na cena fantasmática de uma relação psicanalítica dual, captado pela contratransferência alogênica, especialmente por identificação complementar (Armony, 1978, pp. 69/70). Este padrão para ser percebido exige, em primeiro lugar, que o terapeuta deixe-se colocar e/ou coloque-se no centro dos acontecimentos do “aqui e agora” da sessão. Requer também uma atitude particular chamada por Bion de “devaneio” (Bion, 1962, pp. 52 e 104), por Winnicott de “devoção” (Winnicott, 1956, p. 494) e que eu gostaria de denominar de “disponibilidade para a identificação”. Neste estado o terapeuta experimentará em si mesmo, em resposta à transferência do paciente (portanto através de sua contratransparência alogênica), a emergência de sentimentos e emoções e a tendência a desempenhar papéis. Se o terapeuta não desmitificar precocemente a transferência, a situação transferencial/contratransferencial evolverá dentro de uma lógica própria que se tornará cada vez mais clara pela reiteração das situações. Haverá um momento em que poderemos isolar, da corrente fluida da relação, um dinamismo. Este dinamismo será um padrão abstraído de um relacionamento vivo, um esqueleto que se delineia por trás da carne dos acontecimentos. A recorrência de certos padrões permite delimitar alguns dinamismos: esquizóide, paranóide, depressivo, obsessivo, fálico, histérico e fóbico. O reconhecimento destes dinamismos assim abstraídos apresenta suas dificuldades; na prática os padrões dinâmicos por nós delimitados podem se interpenetrar ou se superpor; pode haver uma tal quantidade de ocorrências nas sessões que os balizamentos indicativos do padrão tornam-se borrados. Como então reconhecer o dinamismo no pipocar dos acontecimentos analíticos? Esta questão poderá ser mais bem examinada se tomamos a definição de padrão de Sullivan: “Padrão é um conjunto de diferenças particulares insignificantes” (Sullivan, 1953, p. 130). Duas laranjas, diz-nos Sullivan, pertencem a um mesmo padrão porque suas diferenças são insignificantes do ponto de vista do padrão laranja abstraído. Na situação analítica, como evitar deixar-se confundir pelas particularidades que em termos do padrão são irrelevantes? Se pudermos distinguir as linhas mestras repetitivas do relacionamento, aquelas que dão o movimento predominante à relação, as particularidades que envolvem e atravessam estas diretrizes e se revelam incapazes de alterar o seu curso merecerão o qualificativo de insignificantes. Para distinguir estas linhas mestras o analista deixar-se-á levar pelo dinamismo, como se este fosse uma forte corrente caudalosa arrastando-o através dos valões cavados pelo padrão repetitivo. Esta metáfora suporta ainda, em seu limite, uma importante colocação de Sullivan: “Apesar de que tal padrão é relativamente durável, nada tem de estático, porque uma mudança, por muito insignificante que seja, é produzida por cada manifestação recorrente, no viver, deste padrão recorrente” (Ibid., p. 135). Esta afirmação ganha maior relevo quanto Sullivan diz que mudanças “insignificantes no que se refere ao padrão podem ser muito significativas em relação ao viver” (Ibid., p. 134). Entramos na questão da “cura analítica” sob a ótica dos dinamismos e suas transformações. (Coloquei “cura” entre aspas por achá-la uma palavra inadequada para nomear a trajetória percorrida pelo paciente numa relação analítica; prefiro chamá-la de “crescimento” ou “evolução”). Nesta perspectiva a evolução dar-se-á através da diminuição da rigidez do dinamismo; seu afrouxamento permitirá um maior acesso às motivações inconscientes, aumentando as possibilidades de evitar a repetição cega e automática de padrões na interação com a vida e com o outro; o afrouxamento possibilitará também a valorização de elementos já existentes no dinamismo e a entrada de novos elementos com a conseqüente ampliação e flexibilização do dinamismo e ainda, a utilização de outros dinamismos que permanecerão subordinados ao predominante.
Ao deixar-se levar pela corrente dos acontecimentos analíticos, o terapeuta poderá perceber, a partir de sua posição contratransferencial, dois tipos mais gerais de solicitação dos pacientes, agrupáveis em dois amplos conjuntos: o conjunto dos dinamismos básicos e o conjunto dos dinamismos secundários. O conjunto dos dinamismos básicos compreende os dinamismos esquizóide, paranóide e depressivo, pertencendo os demais aos secundários. Nos básicos o terapeuta sente-se colocado na posição de uma Mãe-Primeva, com o poder de Salvar ou Destruir. O paciente relaciona-se com o Terapeuta-Mãe buscando conquistá-lo e/ou mantê-lo conquistado, pois seu objetivo na vida é ter uma Mãe-Fada que lhe assegure a onipotência, permitindo-lhe ou desconsiderar as solicitações da realidade, ou relacionar-se confortavelmente com ela através da Mãe. Sua luta é pela conquista da Mãe; pois assim tudo o mais estará assegurado; nada há que supere o poder da Mãe; acima e além das leis e regras sociais está o poder delegado pela própria Natureza Originária à Mãe-Primeva.
Nos dinamismos secundários agregam-se outras fantasias ao transfundo transferencial anterior. Estamos agora falando dos dinamismos obsessivo, histérico, fóbico e fálico. Diferentemente dos dinamismos básicos, a referência principal não é a conquista da Mãe mas a conquista do Mundo. Para isto o paciente conta com o auxílio do terapeuta, visto no plano da realidade objetiva (plano sintáxico) (Armony, 1978, p. 66) como um técnico detentor de um conhecimento que lhe possibilitará debelar seus sintomas e seu mal-estar. Este mesmo terapeuta, agora na fronteira da realidade fantasmática (plano paratáxico) (Armony, ibid), é percebido como o Representante Autorizado da Sociedade de quem se espera apoio, aprovação e orientação (mágica ou não) em relação aos seus esforços para encontrar um lugar na comunidade dos adultos. Mais um pequeno passo e, mergulhando na “outra cena”, deparamo-nos com o Pai-Onipotente, grande e poderoso palmilhador dos caminhos sociais, mágico conhecedor das regras, leis e malícias que regem as relações humanas. Este Pai-Onipotente tem a função de abrir um espaço social privilegiado para o seu Filho-Protegido, colocando-o no topo do mundo. É neste ponto que surge um paradoxo: só há lugar para uma única pessoa no cume do universo, na cadeira do Imperador; mas este lugar já está preenchido e, por ironia do destino, pelo próprio Terapeuta-Pai, justamente a quem o paciente pede auxílio. Isto cria uma oscilação: enquanto o Terapeuta-Pai é sentido como um aliado que apóia-aprova, funciona a unidade Pai-Dadivoso/Filho-Amado e não há conflito; quando o analista intervém afirmando a sua identidade e diferenciando-se das propostas do paciente, passa a ser sentido como o Grande Castrador, aquele que defende o seu lugar de Rei contra os assédios de uma Criança desejosa de se tornar Adulto-Onipotente tomando o lugar do Terapeuta-Pai. Este dinamismo, embora claramente pertencente aos secundários por sua filiação ao social, tem uma especificidade que talvez até justificasse uma categoria à parte. Mas isso será visto mais adiante na seção dos dinamismos secundários.

Os dinamismos básicos

Nestes dinamismos a pessoa está em estreito contacto com os núcleos mais primitivos de seu ser, núcleos protegidos das identificações resultantes da necessidade de convivência com o social e da fatalidade de uma produção para a sobrevivência. Mesmo imersa no social a pessoa impede que seus regulamentos e obrigatoriedades invadam o seu centro egóico, colocando a salvo as suas vivências identificatórias mais primárias. Sua vida psíquica pode até comportar os mandatos sociais, fixando-os na memória e utilizando-os na ação prática; porém, na medida em que não são incorporados ao ego, praticamente não o transformam. É como se o paciente dissesse: “Não deixaria que minha essência se modifique pelo que ‘eles’ pensam e querem; vou conversar a minha pureza, a minha autenticidade”. Esta ‘autenticidade’ está referida às personificações da Mãe. No dinamismo depressivo o paciente relaciona-se intimamente com a Mãe-Boa, no paranóide com a Mãe-Má, e no esquizóide consigo mesmo. Esta última afirmação reclama um esclarecimento: enquanto o depressivo e o paranóide necessitam de figurações externas da Mãe para com elas realizar a simbiose, o esquizóide, depois de estabelecidas e internalizadas as personificações de Mãe-Boa e Mãe-Má, pode prescindir de projetá-las no mundo externo, mantendo-se afetivamente desligado e solitário. Este desligamento afetivo permite-lhe uma fina crítica das convenções gregárias, uma aguda percepção das inadequações do social em relação às carências humanas. Permanece, porém, latente o desejo de realizar uma simbiose com a personificação da Mãe-Boa; mas isto só ocorrerá se o terapeuta tiver comportamentos e atitudes que conquistem a confiança do esquizóide.
Diferentemente dos esquizóides, depressivos e paranóides não podem se furtar à manutenção de uma simbiose sem sérias conseqüências. O depressivo realiza uma simbiose com a Mãe-Boa o que lhe permite conhecer profundamente a sua vida psíquica; utiliza-se deste conhecimento para tentar manter na cena fantasmática a Mãe-Boa-Idealizada que onipotentemente o protegerá. Conseguido este objetivo, o depressivo descansará no colo do Universo, relaxando-se física e mentalmente, imaginariamente resguardado de todos os perigos. Intimamente familiarizado com os afetos carinhosos é talvez ainda mais sensível e perceptivo aos mínimos movimentos de afastamento e diferenciação da Mãe, vividos como rejeição e abandono cujas conseqüências são o desamparo e o aniquilamento. Se, no remoto horizonte, aponta uma breve e leve aragem de distanciamento, desagrado ou individuação, o depressivo se mobilizará todo no sentido de recativar a Mãe-Terapeuta, conjurando o perigo de rompimento da simbiose. A segurança de uma proteção onipotente deixa-o livre para perceber, sentir e pensar sem maiores impedimentos internos. O que não pode ser sentido é a sua própria agressividade para com a Mãe-Boa-Onipotente, sob o risco de perder a bem-aventurada condição de segurança. O paranóide, por sua vez, encontra-se eternamente ameaçado de ataque e aniquilamento, o que fá-lo viver em tensão permanente. Predomina, soberana, na sua vida psíquica, a personificação da Mãe-Má, a qual é projetada nas diversas pessoas e situações do mundo. Esta projeção assim dirigida para o mundo protege o terapeuta de ser colocado no papel da Mãe-Má. É, porém uma proteção precária, pois na expectativa do paciente pode-se revelar, a qualquer momento, a face oculta do terapeuta, a Mãe-Má que nele se esconde; embora a expectativa seja sentida, seu conteúdo permanece na maior parte do tempo inconsciente. Em virtude da relação simbiótica que realiza com a Mãe-Má, o paranóide possui uma extraordinária intimidade com afetos agressivos. Daí a sua extrema sensibilidade e perspicácia em relação aos mínimos traços inconscientes de hostilidade, depreciação, condenação, etc. das outras pessoas. Quando detecta no terapeuta qualquer longínquo sinal de algum afeto negativo, sente-se ameaçado de destruição e trata de rapidamente recompor a situação anterior, enviando a Mãe-Má para as sombras, onde ela permanecerá à espreita, aguardando uma nova oportunidade de se manifestar.
A ameaça que paira sobre as pessoas quando vivem os dinamismos básicos é aniquilamento. Já nos dinamismos secundários a integridade da personalidade e a prevenção da vida ficam fora de questão; a ameaça se desloca no sentido de castração, entendida aqui como um impedimento para o ingresso na vida adulta. Este ingresso na vida adulta é pretendido, pelo paciente, pela via da onipotência. Levará um tempo de análise para que possa abrir mão desta ilusão.

Os dinamismos secundários

Na verdade não há suficiente homogeneidade nos dinamismos secundários para que possam ser estudados em conjunto, Será preciso separar dos outros três o dinamismo obsessivo, pois embora por sua inserção no social se filie aos dinamismos secundários, apresenta características que tornam necessário seu estudo em separado. Seria talvez até conveniente colocar o dinamismo obsessivo em uma categoria à parte, entre os dinamismos básicos e secundários, porém mais próximo dos segundos.

Examinaremos, em primeiro lugar, os dinamismos fálico, histérico e fóbico. Prefiro começar pelo fálico pois, dos três, é o que mais se presta para evidenciar o transfundo destes dinamismos. Enquanto que no dinamismo histérico e fóbico o olhar do terapeuta fica confundido pelos sintomas, no fálico, a ausência de uma sintomatologia florida permite uma visão mais clara do transfundo dinâmico. O que mais atazana a pessoa fálica é um sentimento de estar sendo impedido de alcançar o lugar adulto a que tem direito. Qualquer revés, qualquer adiamento, qualquer hesitação são sentidos como um deliberado desejo de dificultar ou impedir a sua progressão no mundo adulto. As interpretações que apontam para os seus aspectos infantis despertam nele a sensação de que o terapeuta quer confiná-lo à esfera da infância, impedindo-o de alcançar as posições adultas: estas o terapeuta reservaria para si.
O histérico luta aflitivamente por sua condição adulta passando por cima de seus problemas a tal altitude e tão velozmente que mais parece um pássaro sobrevoando em vôo livre uma região; é este o rápido olhar que o histérico dirige às suas situações de vida; não ‘pousa’ nas suas experiências, não medita sobre elas nem as aprofunda, Suas carências infantis são assim como que levianamente desatendidas, transformando-se em sintomas ou sendo sedutoramente super-representadas; a teatralização aqui tem por finalidade não só conquistar a admiração do outro como também superficializar os afetos --- senti-los plenamente seria deixar-se invadir pela impotência infantil, tornado-se incapaz de lutar e competir. O histérico busca no terapeuta solução para seus sintomas e aprovação-aplauso para o seu modo de luta. O terapeuta, não se deixando envolver pela teatralização histérica, aponta para as dificuldades do paciente, o qual, frustrado em suas expectativas, ameaçado pela firmeza do terapeuta e pelas interpretações endereçadas à infância, projeta nele a personificação do Grande Castrador, aquele que não quer deixá-lo crescer. Esta personificação, até então eclipsada pela do Pai-Aprovador, torna-se dominante; exacerba-se sua competição com o terapeuta, ao qual tentará conquistar, vencer, para depois descartar.

O fóbico concentra e localiza suas ansiedades em situações específicas, transformando-as em fobias. Esta manobra permite-lhe lutar pela sua afirmação social de uma maneira mais efetiva, já que fica menos perturbado pelas suas figuras fantasmáticas persecutórias, confinadas à situação fóbica. Pelo mesmo motivo o terapeuta pode ser vivenciado como o Pai-Benigno, um amigo qualificado que o ajudará a debelar suas fobias. A proposta terapêutica de buscar as motivações inconscientes é por um lapso de termo facilmente aceita, e analista e paciente parecem dois companheiros empenhados em uma investigação. Em algum momento a conjuntura se modifica. O exame das fobias remete a ocorrências referidas à personificação do Pai-Castrador, até então reprimida; surge então a clássica resistência transferencial, sendo esta personificação projetada no terapeuta e iniciando-se uma competição.
Nos três últimos dinamismos estudados alternam-se colaboração e competição. No dinamismo obsessivo que estudaremos a seguir, o aspecto competitivo está eludido; a luta pelo lugar do Pai, onipresente nos três dinamismos anteriores, oculta-se nos desvãos do inconsciente. O desejo primeiro do obsessivo não é obter um lugar privilegiado, mas sim, um lugar seguro no seio da sociedade. Coloca-se pois, como o Filho-Respeitoso-Submisso, reverente acatador e seguidor das leis, que esperará pacientemente a sua vez de se tornar Pai-Onipotente; esta hora poderá concretizar-se ou não; de qualquer forma não poderá ser provocada ou apressada; está determinada pela Ordem Natural das Coisas e um Bom-Filho não tem nada mais a fazer senão aguardá-la e, eventualmente, recebê-la.
Quero reiterar que, a descrição dos dinamismos em sua intimidade acima tentada, só é possível por estar o terapeuta incluindo no campo fantasmático. É a sua presença que possibilita o estabelecimento e funcionamento do dinamismo. O terapeuta, colocando-se em estado de disponibilidade para a identificação, permite que os fantasmas do paciente mobilizem os seus próprios, passando ambos a interagir na cena fantasmática, na dimensão transferencial/contratransferencial. A identificação pode ser homóloga – terapeuta sentindo o mesmo que o paciente, ou complementar – paciente solicitando do analista o desempenho de um papel complementar aos seus medos e necessidades fantasmáticos. Para a estruturação do dinamismo, a identificação complementar é de relevante importância. Nos dinamismos básicos o terapeuta sente-se completamente colocado como a Mãe-Primeva com a função de salvar o seu Filho-Paciente e com o poder de destruí-lo, abandonando-o ou atacando-o. No dinamismo obsessivo o terapeuta sente-se colocado na posição de uma Figura Parental Inafetiva e Exigente que impõe ao Filho-Paciente regras e deveres a serem cumpridos à risca. Nos dinamismos fálico, histérico e fóbico o terapeuta sente-se colocado na posição do Pai-Castrador, aquele que pretende guardar o poder e suas benesses para si. Colocado nestes lugares o terapeuta, a partir deles, pode se aperceber da dinâmica mais fina do jogo interpessoal fantasmático, o que lhe permite penetrar nos meandros do dinamismo em curso. Uma pincelada geral destes dinamismos foi dada neste artigo. Espero, em próximos trabalhos, estudar cada dinamismo de per se justamente através deste método: a contratransferência alogênica, especialmente através da identificação complementar, revelando um campo fantasmático de interação analista-analisando.
O estudo em separado dos dinamismos não deverá porém nos enganar; eles geralmente não se apresentam isolados. Na grande maioria das vezes (senão em todas) eles se superpõem e se interpenetram. São possíveis todas as combinações, independentemente da categoria em que estão colocados. Algumas conjunções são, porém, mais freqüentes. Entre estas está a conjunção de um dinamismo básico com um dinamismo secundário, geralmente predominando o secundário. Via de regra a predominância de um dinamismo é durável; é, geralmente, preciso um bom tempo de análise para que dinamismos subordinados ou eclipsados apareçam com clareza, ocupando o lugar de destaque.
Fica claro, pois, que a sistematização por mim realizada tem, acima de tudo, a função de balizamento e transmissão, sem pretender corresponder à ‘verdade’ dos acontecimentos, muito mais pessoal, fluida e complexa do que é possível registrar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ARMONY, N. (1978) – “Contratransferência alogênica e autogênica: duas noções auxiliares para a compreensão dos fenômenos contratransferenciais”. Tempo Psicanalítico, Vol. 1 n. 2. ARMONY, N. (1979) – “ A metapsicologia sullivaniana e a clínica”. Tempo psicanalítico, Vol. 2, n.1.
3. ASSOUN, P.L. (1981) – “Introdução à epistemologia freudiana”. Imago Editora, Rio de Janeiro, 1983.  
4. BION, W.R. (1962) – “Os elementos da psicanálise”. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1966.
5. FREUD, S. (1895) – “Projeto para uma psicologia cientifica”. Edição Standard Brasileira, Vo.. 1, Imago Editora, Rio de Janeiro, 1977.
6- -------------------------------- - Carta de 20/10/1895, citado por Assoun P.L., obra citada, p.143.
7. ------------------------- (1900) – “A interpretação dos sonhos”. Ibid, Vol.4,  1972.
8. --------------------------- (1917) – “Luto e melancolia”. Ibid. V.14, 1974.
9. LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J.B. (1967) – “Vocabulário de Psicanálise”. Editora Livraria Martins Fontes, Lisboa, 1970.
10. SULLIVAN, H.S. (1953) – “La teoria interpersonal de la psiquiatria”. Editora Psique, Buenos Aires, 1964.
11. --------------------------------------------  “Estudios cínicos de psiquiatria”. Ibid, 1973.
12. WAELDER, R. (1962) – “Psychoanalysis, scientific method abd philosophy”.  IN: “Psychoanalysis: observation, theory, application”. Ed. S.A. Guttman. International University Press, 1976, p. 248-274.
13. WINNICOTT, D.W. (1956) – “Preocupação materna primária”. In “Da pediatria à psicanálise”. Livraria Francisco Alves Editora S.A.. Rio de Janeiro, 1982.     


Nenhum comentário:

Postar um comentário