BORDERLINE E DESENVOLVIMENTO

BORDERLINE E DESENVOLVIMENTO
 Nahman Armony
         Antes, uma advertência. O que se segue é especulação,  assim como considero especulações as teorias sobre a infância advindas da regressão psicanalítica. De uma maneira geral, os autores psicanalíticos preferem usar as teorias infantis derivadas do trabalho clínico com adultos às teorias que se estão formando por observação de bebês. As observações só são focalizadas quando apoiam uma teoria do desenvolvimento prévio. Um autor que usa tanto a observação de bebês quanto os dados clínicos de pacientes regredidos é Winnicott. Mas sua observação de bebês não é sistemática: ela é feita no trabalho clínico. A reconstituição histórica tem mais a ver com o trabalho clínico do que com a observação sistemática. Ela serve de apoio, ferramenta e legitimação para a teoria clínica. Portanto, acho que a teoria do desenvolvimento de cada autor tem mais a ver com sua teoria clínica que com o conhecimento da criança. Vide “estágio do espelho”, a teoria da não-integração, as fases libidinais freudianas, etc.
          Depois dessa advertência posso ir ao assunto. Minha referência é Winnicott com seus conceitos de dependência absoluta, dependência relativa, ser, objeto transicional e espaço potencial, mãe suficientemente boa, e talvez outros que poderão aparecer no decorrer da laboração deste trabalho.
         Meu assunto é borderline e farei uma tentativa de situar o que seria a principal influência (lembro novamente que é especulativo e que tem a função de facilitar o pensamento) no posterior aparecimento do modo de viver borderline.
         Postulo que ele teve uma mãe suficientemente boa nos seus inícios, uma mãe com preocupação materna primária adequada. O SER do bebê está, conseqüentemente, bem constituído. A mãe tendo podido SER permitiu o aparecimento de uma consistência ontológica no infante.
         Já na transição entre dependência absoluta e dependência relativa quando se forma o espaço e objeto transicional a mãe do borderline não teria sido suficientemente boa. De que maneira? Ela teria imposto a sua presença de tal maneira que o objeto transicional teria perdido a função de estar no lugar da mãe. Uma das funções do objeto transicional é abrir um espaço de independência, de brincar, de cultura, de criatividade propriamente dita. O desastre só não é total por ser impossível a presença ininterrupta da mãe. Mas o desejo de continuar a ser um objeto de absoluta necessidade perturba a formação do espaço potencial. Não é preciso dizer que é o objeto transicional que torna o bebê relativamente independente da mãe. Com o objeto transicional pleno ele pode prescindir da presença dela por um certo período de tempo. Pode também exercer a sua imaginação e pode perceber que existe um mundo lúdico e de cultura a ser construído pela sua criatividade.  Caso contrário a mãe torna-se, ela própria, o objeto transicional do bebê que assim passa a necessitar de uma figura humana simbiótica ou fusional para viver. Se houver um preenchimento de mãe e uma ausência total de objeto transicional e espaço potencial a pessoa será lançada em um extremo em que será incapaz de realização, necessitando  para viver de uma personificação materna fusional. Quando a mãe não ocupa todo o espaço potencial, a criatividade e uma relativa autonomia podem se desenvolver. Mas a necessidade de figuras maternas simbióticas persiste pela vida. O melhor destino da fusão e da simbiose é sua transformação em identificação em devir com tudo que o cerca.

         Teremos uma situação em que a pessoa se constituiu como SER, aprendeu a realizar trocas afetivas, viveu a mutualidade das relações, mas tem dificuldade de se situar em um espaço potencial que permitiria uma adequada relação entre o subjetivamente concebido e o objetivamente percebido. A mãe não é vivida como inteiramente autônoma, não se torna um pleno não-eu, e é então buscada no ambiente que rodeia o borderline. Essa seria a gênese, do ponto de vista de desenvolvimento, do borderline, que teria a ver com a nossa atualidade, em que a mãe ao não ter o tempo desejado para o bebê procura compensá-lo preenchendo todo o espaço potencial com a sua presença.   

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