GÊNEROS
DE CONHECIMENTO DE SPINOZA
A propósito do livro “O enigma de
Espinosa” de Irvin D. Yalom
Aprendi com André Martins que Spinoza
fala de três gêneros de conhecimento: o primeiro é o imaginativo, fonte
possível de muitos enganos. O segundo é o gênero racional que ao desconsiderar
a imaginação não progride no sentido de uma percepção criativa do mundo. E
finalmente temos o terceiro gênero, o conhecimento intuitivo que usa tanto o
raciocínio quanto a imaginação na compreensão e construção do mundo. Este seria
o ponto culminante do pensamento[1]. Este
paradoxo, imaginação + raciocínio parece difícil de conciliar. Consegui melhor entendê-lo
e aceitá-lo ao me deparar com dois relatos: um do psicanalista Winnicott e
outro do pesquisador químico Kekulé. Um das ciências humanas e outro das
ciências exatas. O de Winnicott se encontra no livro “Explorações
psicanalíticas” no artigo “Uma nova luz
sobre o pensar infantil” na p. 123: “Num sentido positivo, o pensar faz parte
do impulso criativo, mas existem alternativas ao pensar e elas possuem algumas
vantagens sobre ele. Exemplificando, o pensamento lógico leva muito tempo e
pode nunca chegar lá, mas o lampejo de intuição não leva tempo e chega lá
imediatamente. A ciência precisa de ambas estas maneiras de progredir.
Achamo-nos aqui buscando palavras, pensando e tentando ser lógicos, e incluindo
um estudo do inconsciente que permite uma imensa ampliação do raio de ação da
lógica. Ao mesmo tempo, porém, precisamos ser capazes de buscar símbolos e
criar imaginativamente e em linguagem pré-verbal; precisamos ser capazes de
pensar alucinatoriamente”.
A colaboração
involuntária de Kekulé vem de seu relato de um sonho que precedeu sua
descoberta da estrutura cíclica do benzeno. Ei-lo: “Eu estava sentado à mesa a escrever
o meu compêndio, mas o trabalho não rendia; os meus pensamentos estavam noutro
sítio. Virei a cadeira para a lareira e comecei a dormitar. Outra vez começaram
os átomos às cambalhotas em frente de meus olhos. Desta vez os grupos mais
pequenos mantinham-se modestamente à distância. A minha visão mental, aguçada
por repetidas visões desta espécie, podia distinguir agora estruturas maiores
com variadas conformações; longas filas, por vezes alinhadas e muito juntas;
todas torcendo-se e voltando-se em movimentos serpenteantes. Mas olha! O que é
aquilo? Uma das serpentes tinha filado [abocanhado] a própria cauda e a forma
que fazia rodopiava trocistamente diante dos meus olhos. Como se se tivesse
produzido um relâmpago, acordei; ... passei o resto da noite a verificar as
consequências da hipótese. Aprendamos a sonhar, senhores, pois então talvez nos
apercebamos da verdade ... mas também vamos ter cuidado para não publicar
nossos sonhos até que eles tenham sido examinados pela mente desperta”. Esta citação faz parte de um discurso
proferido em 11 de março de 1890, em Berlim, em comemoração aos 25 anos da publicação
de um artigo do discursante sobre a estrutura química do benzeno.
Será preciso dizer
mais alguma coisa? Claramente, tanto Winnicott quanto Kekulé defendem que só a razão
não é suficiente para a busca da verdade. É preciso juntar o raciocínio lógico
à imaginação, ao sonho, para se alcançar uma intuição, fruto desta colaboração.
É o terceiro gênero de conhecimento considerado por Spinoza como o melhor.
Nahman Armony
[1] André
Martins, a quem consultei, teve a gentileza de me apresentar, por escrito, o
pensamento de Spinoza: “O segundo gênero, que ele chama de razão, é o
conhecimento universal, das leis e normas que regem a natureza, e a natureza
humana, por exemplo o funcionamento dos afetos do homem. A razão assim
concebida por Spinoza já não se confunde com a lógica. Ele diz explicitamente
que a lógica é requerida para a razão, mas que a lógica é outra coisa. Ele faz
uma analogia para dizer isso: a medicina não é a saúde, mas é importante para a
manutenção da saúde; do mesmo modo a lógica não é a razão, mas a lógica é
importante para a razão. De fato, o terceiro gêneros, que Spinoza reconhece
como o melhor e que ele nomeia de “ciência intuitiva”, usa a razão e a imaginação
junto com a intuição, pois é um conhecimento das coisas singulares, indo
portanto além das leis gerais. Se vale da razão, mas com a imaginação intuitiva
compreende o que é singular, e que por ser singular é inalcançável pela razão.
Spinoza diferencia a intuição (mencionado no livro ‘Breve tratado’) da ciência
intuitiva (do livro ‘Ética’): ambos são conhecimentos superiores, mas a
vantagem da segunda é que ela se baseia na razão, e por isso temos consciência de
que é um conhecimento verdadeiro e temos maior domínio sobre ele,enquanto que a
pura intuição também é um conhecimento verdadeiro, mas pode mais facilmente se
confundir com a imaginação falsa”.
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