CONFORTO E ENFRENTAMENTO


CONFORTO E ENFRENTAMENTO

 

Comportamentos extremos raramente são encontrados na vida real, mais composta de meios-tons e misturas. No entanto, são os casos radicais que nos dão maior clareza sobre os dinamismos interpessoais e intersubjetivos. Apresentarei, pois, esses casos extremos: 1- dominação/submissão; 2- autoafirmação e enfrentamento. No primeiro caso busca-se paz, conforto, tranqüilidade. No segundo, estímulo, aventura, desafio e aperfeiçoamento permanente. Tanto um quanto outro poderá ou não vingar. Os riscos de dissolução do casal sempre existem.

Imaginemos uma união de dependência. Um dos membros do casal, “A”, é dominante em relação ao parceiro “B”, dócil e leniente. Ideemos uma dominação sutil, exercida mediante solicitações de diálogo, cujos desfechos estão marcados de antemão. Invariavelmente “A” tem razão e “B” acaba concordando; quando é o caso, pede desculpas. Como é possível que um só tenha sempre razão? Se assim fosse, estaríamos diante de alguém infalível, uma aberração. Se olharmos a relação pela ótica do casal,

a verdade se apresentará cristalina. “A” é infalível e “B” o permanentemente errado. Vista de fora, a situação é absurda.

Muitas vezes os casais se procuram para se complementar. No caso presente, “A” precisava encontrar alguém a quem pudesse controlar para satisfazer sua ânsia de domínio; e “B”, de alguém a quem submeter-se para se poupar de decisões e ações desagradáveis. As duas personalidades se encaixavam, complementando-se; e ambos estavam satisfeitos. A atração inicial tinha por base justamente a satisfação das mútuas necessidades e a promessa de uma vida sem atritos. Este seria um destino possível da relação, do tipo “felizes para sempre”, dentro do qual cabem os inevitáveis atritos. Existem, no entanto, outras possibilidades menos afortunadas. Por exemplo: o membro dominante do casal poderia vir a sentir um gradativo desdém pelo companheiro concordante e dócil. Deixando de admirar, respeitar e de sentir atração sexual pelo parceiro, agora percebido como um molambo desossado, passa a buscar alguém mais sólido e consistente, em uma relação extraconjugal. A tranqüilidade tão desejada, pela qual os dois se empenhavam, levando “B” a evitar qualquer confronto, e “A” a contar com essa atitude, está agora sacudida; a relação, ameaçada.

Imaginemos, agora, o outro extremo, a relação amorosa entre duas personalidades fortes que se atraíram justamente por sua fortaleza. Diz um provérbio popular que dois bicudos não se beijam. Embora eles se tenham procurado pela força e independência que admiravam no outro,

essas mesmas qualidades poderão provocar tais atritos que a relação acabe não se sustentando. Nenhum dos dois quer ser dominado. Discordâncias e diferenças são explicitadas e cada um defende seu desejo e seu ponto de vista. Se o casal tiver afinidades básicas, uma deleitável sexualidade e um grande desejo de conservar o relacionamento, existe a possibilidade de chegar a uma conciliação. E, talvez, até uma mudança pessoal mais profunda poderá ocorrer, em nome de um amor que terá como bonificação o estímulo constante para a vida e a transformação pessoal. É no relacionamento diário que cada tipo de casal aqui considerado poderá encontrar seu peculiar e singular equilíbrio. Um equilíbrio que exigirá um esforço de conscientização e flexibilização. Mas valerá a pena.

                                       Nahman Armony

    Primeira publicação na revista CARAS

 

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