PAIXÃO CEGA E PAIXÃO LÚCIDA


A paixão é um sentimento avassalador: arrebata, revigora. Dois caminhos levam a ela: ou a pessoa se apaixona de pronto, possuída pelo desejo de logo se encontrar em um estado de eufórica união com a criatura perfeita e adorada, ou se forma gradativamente, até chegar ao ponto de ebulição. Duas vias: uma cega e outra lúcida com os mesmos resultados: sentimentos de plenitude, felicidade, enlevo, potência, onipotência. Pela via da paixão instantânea o apaixonado, de início, nada sabe da pessoa que é objeto de deslumbramento. Particularidades sutis propiciam a projeção do que já existia na imaginação do apaixonado: um ser perfeito, uma miragem que preenche todos os requisitos almejados para aquele (ou aquela) destinado a ser o amor de sua vida. O ser amado é tecido pela fantasia de quem ama. A verdade, porém, aos poucos se impõe, desfazendo a ilusão da perfeita concordância entre fantasia e realidade. Esse é um momento crucial para a relação. Ou as características não desejadas são aceitas e a paixão se torna relação amorosa, ou são repelidas, desfazendo-se o relacionamento e surgindo um rancor provocado pelo desencanto em relação ao objeto amado que não corresponde à fantasia acalentada.

Falemos agora da segunda via. Se tudo corre bem ela pode ser denominada, em sua trajetória ascendente, de enamoramento. A paixão cresce na sequencia de encontros e no dia-a-dia da relação, quando tanto os atributos desejados como os indesejados se revelam. Certas características provocam tal encantamento que conscientemente se ignora o indesejado, deixando-o na sombra. É a paixão lúcida. A paixão constituída por esse caminho tem mais chance de perdurar. Mas, passado o entusiasmo lúcido, o que era indesejado e estava em segundo plano pode vir ao proscênio e emaranhar-se negativamente com a fantasia, tornando a relação amorosa inaceitável. Coloca-se o mesmo dilema da paixão cega: ou se elaboram as dificuldades e as diferenças, conseguindo-se um emaranhamento positivo, ou se rompe a relação.

O estado de paixão, pela sua intensidade e capacidade de produzir bem-estar e potência, é desejado pela maioria de nós. Não podemos, porém, esquecer que é um bem-estar da ordem da exaltação, da sobreexcitação que põe acima de tudo o encontro apaixonado. É, pois, um estado que não pode ser contínuo sob pena de esgotamento psicofísico e prejuízo social, profissional e familiar. Poderíamos, abusivamente, fazer analogia com o cio animal, que também é um estado de sobreexcitação, mas com um período limitado de vigência. A paixão nos renova, nos potencializa, mas em vários sentidos pode nos esgotar. Uma maneira de lidar com o apaixonamento absoluto sem nos prejudicar, é ter períodos de amor mais tranquilo, invadidos por ciclos finitos de paixão. Ao esgotamento da paixão segue-se um amor mais tranqüilo. Às vezes, porém, para os que viveram a paixão, o amor não é suficiente. Querem sentir de novo e sempre a potência máxima da vida. E, em geral, sem deixar de amar o objeto da primeira paixão, partem em busca de nova união apaixonada. Tudo se repete, causando sofrimento para as pessoas envolvidas e suas famílias.

Se admitirmos que a paixão pode ser uma necessidade e que uma sucessão de paixões com pessoas diferentes traz problemas, poderíamos nos perguntar: por que não voltamos a nos apaixonar pelo primeiro objeto de amor? Teríamos a tranquilidade de um amor constante, pontuado por fases de paixão, sem maiores confusões. Pergunta-se, porém, se isso seria possível, ou se uma nova paixão só ocorre com uma nova pessoa. Em outras palavras: a questão é saber se podemos viver ao mesmo tempo fantasia e realidade em um emaranhado positivo. O assunto é complexo. Porém acho possível justapor a fantasia que acompanha a paixão à realidade que se apresenta com a convivência. Como mencionei antes, trata-se de aceitar as características não desejadas, algo que se torna possível quando os outros aspectos da pessoa as compensam. É uma paixão lúcida. Assim, o que une pesa mais do que os fatores que desunem. E a relação amorosa pode persistir, pontilhada por varreduras de paixão.

 

                                       Nahman Armony

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