1- POSTURAS TERAPÊUTICAS NA PRÁTICA CLÍNICA

Esta postagem, excerto de meu livro "Psicanálise: de interpretação à vivência compartilhada" de 1989, capítulo 3.6,  é decorrência do interesse demonstrado pelo número de visitas feitas ao meu artigo "A análise possível" recentemente blogado, pois este último, com uma diferença de 30 anos, decorre do primeiro e os dois serão melhor compreendidos se igualmente conhecidos. Espero que isso faça uma diferença.
Pretendo, se meus leitores concordarem, publicar o artigo dividindo-o em várias partes, já que é um artigo muito longo. Peço que meus leitores se manifestem a respeito.

POSTURAS TERAPÊUTICAS NA PRÁTICA CLÍNICA 
 "A compreensão dos documentos de Freud
                                              está ligada à nossa própria experiência ana-
                                              lítica."   
                                                                  Samuel D. Lipton
 
                                                                                                                               

                                                    I

                                                                INTRODUÇÃO                                    

                                       Ao percorrer a história da psicanálise eu o fiz abraçado à minha experiência vital. Portanto, aquilo que estiver escrito terá a ver com situações vividas e elaboradas por mim. As lacunas e falhas resultantes deste posicionamento se compensam por uma maior densidade, incerteza, sutileza e força expressiva na apresentação das noções e das situações. Os acontecimentos vistos de dentro e sentidos no seu próprio interior revelam qualidades impossíveis de serem captadas mediante uma simples observação externa. A identificação e a empatia são formas de conhecimento que nos colocam na intimidade nuclear do objeto, diferentemente da simples percepção e do raciocínio logico que nos mantêm no seu exterior. Da mesma forma que, em biologia, a ontogenia repete resumidamente a filogenia, na minha evolução repeti o desenvolvimento da psicanálise. Estou, pois, falando concomitantemente de duas evoluções: a minha e a da psicanálise. A pessoalidade desta formulação é proposital. O conhecimento psicanalítico deve passar pela personalidade do terapeuta, o que não o impedi de ser objetivo.

          Por que e para que a expressão 'postura terapêutica'? O que pretendo abranger e significar? Não se cogita de pensar a maneira particular que cada terapeuta tem de se relacionar com seus clientes. Isso pertence à ordem do idiossincrásico e será deixado nas sombras da subjetividade. Penso, sim em posturas que emanam de desenvolvimento e elaborações técnicas e teóricas e que, portanto, apresentam uma certa generalidade. Mas, então, por que falar de postura? Será que as recomendações encontradas nos artigos sobre técnica, de Freud, já não incluem a postura terapêutica a ser adotada? Quando se prescreve neutralidade, abstinência, incognição, reserva, atenção flutuante, etc. não decorre daí uma postura? Para uma mesma técnica caberia mais de uma postura? 

          Reportemo-nos a Kanzer e Blum (1967): "A atitude (dependente) analítica com que o paciente se apresenta para o tratamento encontra uma disposição complementar na função diatrófica (Spitz, 1956), isto é, nas intenções de curar que reproduzem 'as atitudes acalentadoras que emanam da verdadeira durante o desenvolvimento primitivo da criança'."(p.164). E mais adiante: "Gitelson acredita que a função diatrófica é suficientemente inerente à técnica clássica, usada com flexibilidade, para tornar desnecessárias modificações especificas."(p.165). Segundo Gitelson, portanto, a introdução e valorização de temas pré-edípicos na teoria e técnica psicanalítica não requer nenhuma modificação explícita desta última. Porém algo se introduz e algo tem de mudar. Esta mudança se nos apresenta não como uma mudança de comportamento, mas como uma modificação ou um acréscimo nos propósitos e intenções. Modifica-se então a postura. A postura-espelho, inicialmente indistinguível da técnica psicanalítica clássica evolui para uma outra postura: a postura-continente. Tenho a impressão de ter pinçado de modo aparentemente arbitrário um momento de um continuum que vai da postura-espelho, passa pela postura-continente e segue adiante. Temos aqui evidenciada a importância da experiência própria, a qual, enquanto não validada consensualmente, permanece subjetiva. É um risco que temos de correr. O ponto 'continente' foi selecionado por atender às necessidades terapêuticas de um certo tipo de cliente: o borderline. O paciente neurótico pode ser atendido dentro dos limites da postura-espelho. Esta tem a vantagem ou desvantagem de ser a mais limpa, a mais higiênica, a mais asséptica das atitudes, aquela que menos envolve e perturba o terapeuta. Porém as situações 'borderline' exigem uma participação afetiva maior do terapeuta, uma sensibilidade aumentada para as necessidades não-verbalizadas do cliente, o que pode ser conseguido mais facilmente quando nos colocamos em uma postura-continente. Como já foi dito, tanto a postura-espelho quanto a continente estão cobertas pela técnica analítica clássica. Esta técnica tem como seu principal instrumento a intepretação. Por isto mesmo podemos denominar a conduta do terapeuta, dentro das duas posturas já assinaladas , como um comportamento interpretativo. Não há, porém, como ignorar, desde o início da psicanálise, a existência de uma outra perspectiva: a vivencial. Esta permanece grande parte do tempo em segundo plano, atrelada ao comportamento interpretativo. Aos poucos, contudo, ganha um extraordinário desenvolvimento, especialmente no trato com psicóticos, adolescentes e crianças, a ponto de, em certas situações, sobrepujar e substituir o comportamento interpretativo, constituindo-se em uma unidade de direito próprio: o comportamento co-vivencial. Veremos no decorrer deste trabalho, mais apuradamente, as suas características. Por enquanto adiantarei que o comportamento co-vivencial compartilha com o comportamento interpretativo a postura-continente e admite mais duas: a postura-simbionte e a postura-dialogal. Como veremos, a primeira é particularmente adequada para o trato com as situações psicóticas enquanto a segunda tem o seu uso preferencial nas relações terapêuticas com adolescentes.

 

                                              II

                        O COMPORTAMENTO INTERPRETATIVO

                                                            Postura continente 

                                                                                                     (continua)

                    

    

 
         
 
   

Um comentário:

  1. SIMPLICIDADE é o último grau de SOFISTICAÇÃO, foi o que nos ensinou LEONARDO DA VINCI, gênio italiano. Se estivesse vivo hoje, ele diria que a PSICANÁLISE é o último grau de COMPLICAÇÃO!

    As POSTURAS TERAPÊUTICAS têm seis dimensões básicas, expressas de uma maneira surpreendentemente simples:

    1º. EMPATIA: a capacidade de se colocar no lugar do outro, de modo a sentir o que se sentiria caso estivesse em seu lugar.

    2º. ACEITAÇÃO INCONDICIONAL: a capacidade de acolher o outro integralmente, sem que lhe sejam colocadas quaisquer condições e sem julgá-lo pelo que sente, pensa, fala ou faz.

    3º. CONGRUÊNCIA: a capacidade de se mostrar ao outro de maneira autentica e genuína, expressar através de palavras e atos seus verdadeiros sentimentos.

    4º. CONFRONTAÇÃO: a capacidade de perceber e comunicar ao outro as incoerências e discrepâncias em seu comportamento. Ou seja, a distância entre a teoria e a prática, entre o que fala e faz ou mostra.

    5º. IMEDIATICIDADE: que é a capacidade de descrever o que está acontecendo aqui e agora entre o ASSISTENTE e o ASSISTIDO e aproveitar a oportunidade para trabalhar a relação.

    6º. CONCRETICIDADE: a capacidade de decodificar a experiência em elementos específicos, objetivos e concretos.

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