A RECONSTRUÇÃO INTERIOR ATENUA A DOR DA SEPARAÇÃO DOS AMANTES

                                                                          
Quando duas pessoas se amam forma-se, imaginariamente, um entrelaçamento de raízes que, provindas dos dois parceiros, emaranham-se. Por elas corre uma seiva que nutre e fortalece. Essa rede, se mutilada, pode causar sofrimento. Para ajudar a desfazê-la, é preciso tomar consciência de que os sentimentos despertados pertencem à própria pessoa. 

 

Quando um casal separa-se, é quase certo que haja sofrimento de um ou dos dois membros do par. Um sofrimento que vai do doloroso ao insuportável. O sentimento está ligado a uma dinâmica que varia de casal para casal e deve ser examinado em sua singularidade, a qual será mais bem compreendida se antes obtivermos uma visão mais ampla das relações amorosas.

Para essa generalização, tomemos como guias as idéias de distância e de penetração. Um casal pode relacionar-se distanciadamente, cada um preservando sua individualidade, privacidade, intimidade. O contrário também ocorre: ambos deixam-se penetrar pelo outro. E há o caso em que os dois são penetrados um pelo outro, mas preservando o núcleo de sua individualidade.

O maior sofrimento ocorre quando há uma diferença na profundidade da relação. Aquele que mais se entregou é quem vai enfrentar maior sofrimento e dificuldade em aceitar o rompimento, mesmo quando se trata de um passo óbvio e saudável.

Quando falo de profundidade visualizo uma pessoa lançando penetrantes raízes na imagem do amante e dela recebendo raízes também profundas modificadoras da imagem. Os dois utilizam o mesmo processo. Estou falando de uma realidade psíquica análoga à realidade virtual. Essas raízes se entrelaçam, formando um emaranhado que oculta suas origens, não mais se sabendo qual o seu pertencimento. Por elas passa uma seiva nutridora, um dar e receber que alimenta a personalidade. Não importa o quanto de realidade e de fantasia há na percepção do dar e receber, pois o que nos interessa é a imagética psíquica, virtual.

Na separação, a pessoa tende a compor uma imagem inconsciente de um desarraigamento das raízes compartilhadas, sofrendo um sentimento de perda, não só do outro; também de si. Esse desatamento é tão violentamente doloroso que dele fugimos como de uma catástrofe. Lembremo-nos, porém, que estamos no terreno da realidade psíquica, cujo aspecto de virtualidade permite realizar novas composições. Pode-se então desemaranhar as raízes, tornando a separação mais exeqüível e menos dolorosa.

Uma jovem de 30 anos, pouco favorecida pelo destino quanto à qualidade das uniões afetivas, encontrou um parceiro que despertou sua capacidade de dar e receber amor. Intensa ligação se desenvolveu e, com ela, enorme medo de perda, o que levou o casal, em especial a mulher, a exagerado controle mútuo. A união foi se envenenando a ponto de se tornar insuportável. O vínculo oscilava entre céu e inferno; ora um amor infinito, ora um ódio sem limites. O desgaste era terrível. Os dois concordaram que a separação seria a única saída. Da resolução à prática, uma enorme distância. A jovem procurou, então, ajuda. E esta veio na forma de um tratamento psicanalítico. O casal desfez a parceria e ela se mudou do apartamento comum. Mas pensava nele a toda hora e vigiava-lhe a vida e os amores. Só aos poucos entendeu que a capacidade de afeto era propriedade dela, não algo cedido pelo companheiro. Sendo a ternura uma posse sua, poderia ser despertada por outro homem. E algum tempo após a separação, encontrou uma pessoa que tocou as cordas de sua harpa interior. Foi um fato magno, pois ali teve a prova inconteste de que a capacidade de amar lhe pertencia, não sendo dádiva do amante. Com isso dinamizou-se a separação do antigo companheiro.

O processo de desemaranhar as raízes confundidas é tão mais longo quanto mais o casal amalgamou as cartas de seus afetos, desejos, vaidades, realidades, fantasias.

No final, sempre fica algo de um no outro. Mas o que resta precisará ser sentido como próprio e não como alheio. É o ganho que cada um terá da relação desfeita.

 

                                                                              Nahman Armony

        Primeira publicação na revista CARAS.

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