O convívio humano é complicado. E mais
complicada ainda a convivência de casais. Especialmente em períodos de
transição como o nosso. De uma época de individualismo em que cada um tinha o
seu papel definido, caminhamos, se é que já não lá chegamos, para um tempo de
igualdade e confronto de casais. A mulher já não aceita se submeter às
determinações do homem. Testemunha inconformada de uma época de submissão
feminina, hipersensibilizada pela antiga configuração familiar vivida pela mãe,
facilmente sente-se tratada pelo homem como um ser inferior. É uma situação que
dificulta o diálogo, pois as colocações que se pretenderiam expositivas, são
vivenciadas como impositivas provocando reações exageradas e levando a relação
para um terreno emocional exacerbado provocando desde discussões verbais
destemperadas até agressões orais e físicas. Porém não devemos esquecer que
ainda carregamos conosco resquícios de uma subjetividade que ainda está em
processo de se tornar passado. Por isso mesmo, poderá haver no homem uma nota
eclipsada de autoritarismo e na mulher uma oculta identificação com a mulher
submissa do passado, tornando a situação muito sensível à mínima e inconsciente
expressão de autoritarismo e submissão.
É ainda esta constelação que herdamos
de um passado recente que influi em outro aspecto da relação de casal. Mesmo na
posição submissa a mulher exercia um poder, maior ou menor, dependendo da
dinâmica do casal; um poder que se exercia silenciosamente, sutilmente, refratário
à verbalização e que mesmo colocado em palavras mal resistia a uma argumentação
racional. Esse poder se exercia nos pontos vulneráveis no homem. Um dos mais
comuns era sua mobilização diante da doença feminina, respeitada quase como um
tabu. Por mais objetivo que o homem fosse, e por mais que ele encarasse as
queixas femininas como frívolas, diante de uma doença ele se mobilizava possibilitando
à mulher podia exercer um poder. Mas havia outras formas de exercício de poder.
A recusa ao sexo mediante pretextos (dos quais o mais conhecido é a dor de
cabeça), a negação de um apoio afetivo consistente, e outras. Mas, diríamos,
este tempo passou. Hoje em dia as relações homem-mulher são igualitárias, os
direitos são equivalentes e, ao invés de domínio e imposição temos entendimento,
respeito e acordo a satisfazer os interessados, de tal forma que eles possam
conviver com as diferenças. Mas, será tão diferente assim? A vontade de fazer
prevalecer os próprios pontos de vista e desejos é um dos impulsos dos seres
humanos. A isso se acresce a recente herança advinda das relações verticais que
obrigava o lado submetido a agir sub-repticiamente. O que muitas vezes parece e
poderia ser uma ponderação sobre as diferenças individuais para se chegar a um
acordo descamba com facilidade para uma tentativa de manipulação do outro. Um
tom de voz impositivo, ameaças veladas, reiteradas repetições, sutis
culpabilizações, um persistente tom queixoso de vitimização, todas estas são
formas conscientes ou inconscientes de pressionar o parceiro para além de seu
desejo e ajuizamento, provocando mal-estar e conflito. Existe aqui uma
dificuldade e complicação. Sem dúvida certos comportamentos seriam
classificados como comportamentos de pressão. Já outros, porém, não apresentam
essa clareza. Dependerão da susceptibilidade de quem ouve, do significado que
as comunicações adquiriram ao longo da convivência. Expressão ou pressão? O
parceiro está apenas expressando seus desejos e pontos de vista ou o está
pressionando? Às vezes a pressão é evidente. Outras vezes ela é sutil, quase
indiscernível e, finalmente há situações em que a pressão depende de um estado
de receptividade. Estamos em um terreno pantanoso, fluido, repleto de idas e
vindas e de variações infinitesimais. Importante que os casais percebam a complexidade
das situações relacionais para não se deixarem levar ingenuamente pela sensação
de manipulação e controle nem ingenuamente esconder de si próprios a
possibilidade de isto estar acontecendo.
Nahman Armony
Primeira
publicação na revista Caras em 2007.
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