Algumas pessoas impõem de tal forma seus desejos ao parceiro que
ele acaba por se anular, tornando-se fraco, desinteressante. Muitas vezes o
comportamento é fruto do medo de perda: tenta-se dominar o outro para eliminar
do outro tudo o que possa atrair olhares alheios. O resultado é que mesmo o
próprio olhar vai querer afastar-se. O antigo objeto de amor torna-se indigno
de ser amado.
Uma das armadilhas prediletas do amor é a exigência de dedicação
incondicional do parceiro. De início, a vítima dessa demanda tenta resistir,
manifestando seus desejos, discutindo, fazendo acordos. Mas se o outro é uma
pessoa ardilosa, que exibe sofrimento diante das frustrações causadas pelos
atos afirmativos do parceiro, este, com o tempo, acaba cedendo, desistindo de
seus valores e de sua postura autônoma e independente. Em nome do amor,
torna-se servo. E quando a mudança se instala, parte do que era atraente nele
-- a força da sua personalidade, a diferença, o desafio, a incerteza --
desaparece. Uma imagem conhecida exprime bem a situação: chupar a fruta até
tirar dela todos os elementos nutritivos e então cuspir o bagaço.
A dobradinha admiração/aprovação faz parte da composição
amorosa. A pessoa sente-se valorizada quando é amada por alguém que admira e a
aprovação dessa pessoa torna-se um elemento fundamental no equilíbrio da
relação. Os conflitos muitas vezes surgem do sentimento de que um não está
sendo devidamente apreciado pelo outro e são resolvidos mediante acordo entre
iguais. Se o parceiro se torna um zero à esquerda, se já não tem vontade
própria, se concorda com tudo que o outro deseja, desaparece como pessoa e não
pode mais ser admirado. Sua aprovação ou desaprovação deixa de ser relevante:
já não serve para a auto-estima, para o orgulho de ter um parceiro altivo e
brioso; já não é um parceiro de luta, pois sua personalidade e força sumiram.
Onde deveria haver dois a enfrentar o mundo sobra apenas um com sua rabeira:
uma cópia, uma sombra sem força de realização.
É uma situação paradoxal: deseja-se uma pessoa forte mas se tem
medo de que essa força atraia outros provocando abandono. Faz-se então um
esforço para dominá-lo até que ele se torne uma criatura fraca, indigna do amor
e incapaz de realizar uma parceria produtiva. Isso nos leva a pensar que em
certo número de casos a insegurança é um dos componentes que mantém o amor.
Essas considerações se baseiam em um caso que ocorreu em minha
clínica. Um rapaz inicialmente tímido havia se tornado auto-afirmativo,
adquirindo charme e densidade, usando sua inteligência para estabelecer
relações amorosas e eróticas. Tinha romances que duravam algum tempo e, ao
terminarem, provocavam um sofrimento que não chegava a atrapalhar o curso da
vida. A auto-estima e o garbo se mantinham. Até que, ao se apaixonar por uma
mulher que considerava especial, idealizando-a, passou a ter um medo excessivo
de perdê-la, como se dela não fosse merecedor. Diferentemente das situações
anteriores, em que se sentia em plano de igualdade ou mesmo de superioridade,
ele se pôs em situação de inferioridade e passou a atender às solicitações da
namorada mesmo quando contrariavam seus sentimentos e princípios. Em pouco
tempo perdeu a individualidade e, com isso, seu charme, seu mistério, sua
essência. Deixou de existir como pessoa e foi descartado, ficando num estado de
extremo sofrimento e desvalorização. Sua auto-estima desapareceu e foi preciso
longo tempo para que entrasse no caminho da recuperação de sua identidade e
potência.
O amor exige concessões de parte a parte. Mas certos princípios
e sentimentos básicos pessoais não podem ser abandonados, sob pena de um
desenvolvimento desfavorável da relação e, pior, de uma transformação de um ser
humano consistente em uma inconsistência perigosa para o próprio viver.
Nahman Armony
Primeira
publicação na revista CARAS.
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