Algumas dificuldades na relação de casal
têm a ver com aquilo que é popularmente chamado de “carne de pescoço”. Um de
seus membros tem sua personalidade estruturada de tal modo que jamais lhe é
possível numa altercação ou, numa inicialmente amena troca de ideias, concordar
com o parceiro, por mais que este apresente razões sólidas para os seus
pensamentos e sentimentos. Isto pode desgastar
mortalmente a relação que, não fosse esta característica de personalidade,
poderia ser frutuosa e feliz.
A origem deste traço de caráter,
comumente apelidada de “não dar o braço a torcer” nós a podemos encontrar na
relação ambiente-criança, e mais especialmente na relação materno filial.
Estaremos então diante de uma mãe invasiva, dona da verdade, autoritária, que
não leva em consideração os desejos, necessidades e respostas do filho,
desconsiderando-os através de uma torrente de palavras que acabam com qualquer
possibilidade de manifestação verbal. A vontade da mãe tem de prevalecer custe
o que custar. Para preservar sua autoestima, mantendo assim a possibilidade de
estruturação psíquica, a criança opõe à enxurrada de argumentações falaciosas
uma barreira compacta que não distingue o significado do que está sendo dito,
pois qualquer brecha, qualquer admissão de que existe alguma verdade no que a personificação
materna diz é usado por esta como arma para derrubar a individualidade e
independência da criança. A internalização desta maneira de ser tem mais
desvantagens que vantagens. As vantagens encontram-se na construção de uma
personalidade forte, que não se dobra, que não se deixa seduzir nem
influenciar. Um certo grau de firmeza é útil na neutralização das seduções que
o mundo oferece e que pode levar a caminhos indesejados ou mesmo perigosos. Mas
levada ao extremo torna a pessoa rígida, pouco adaptável e de difícil convívio,
prejudicando suas relações pessoais e profissionais. Também a impede de
aproveitar as percepções do outro a respeito de si e de aprender com a
experiência alheia, perdendo uma extraordinária fonte de crescimento psíquico.
E, talvez o mais grave, perturba as suas relações intersubjetivas,
especialmente as mais íntimas.
Da enorme gama de
reações que podem ocorrer a partir desta forma de funcionamento psíquico posso
distinguir com alguma clareza três situações: a vítima das invasões maternas mantém
o comportamento de oposição presencial como algo indispensável à sua
sobrevivência psicológica, e, apesar disto, já fora do enfrentamento direto,
assimila algumas das coisas ditas pelo companheiro, modificando seu
comportamento. É uma situação que, embora com alguma precariedade, permite
manter a relação amorosa. A precariedade vem do fato de o não reconhecimento de
atitudes inadequadas, mexer narcisicamente com o seu par, pois ele não se vê
reconhecido e legitimado quando suas ponderações nunca são aceitas. A segunda
situação que enxergo é a da bissexta aceitação da percepção do companheiro.
Esta situação dá lugar à esperança de uma redução do fechamento incondicional ou
quase incondicional às palavras do outro. E finalmente, o pior cenário, é a
absoluta inutilidade de qualquer tentativa de abertura da barreira, tamanho é o
medo de ser atacado e dominado, o mesmo medo que o levou um dia a se defender
maciçamente da figura materna. Neste caso, pode-se dizer que a relação amorosa
está fadada ao fracasso. Só mesmo uma terapia poderá provocar modificações
nesta maneira de ser.
Nahman
Armony
Primeira publicação na revista CARAS
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