Nahman Armony
Todos
conhecem pessoas que têm a necessidade de estarem permanentemente apaixonadas.
É até uma situação bastante comum. A pessoa se apaixona, após algum tempo se
decepciona e então encontra uma nova paixão.
Este
é um padrão habitual e cabe-nos tentar entendê-lo fazendo hipóteses plausíveis.
Tentarei expor aqui uma delas. Simplificadamente: a pessoa ama não a outra
pessoa, mas o amor que vem desta outra pessoa. Portanto, em primeira instância,
ela ama o amor. A pessoa é, de início, apenas o veículo deste amor. José ama o
amor que Maria tem por ele e não a própria Maria. De todos os motivos que se
tem para amar e que são muitos e complexos, esse é ubíquo. Todos nós passamos
por uma experiência de bebê na qual somos passivos, ainda incapazes de amar,
mas necessitando dos cuidados de uma mãe amorosa. É o amor da mãe que amamos em
primeiro lugar. Estou falando de uma experiência primitiva que marca
indelevelmente o sistema nervoso da criança. O bebê, um ser ainda extremamente
passivo não ama; ele tem necessidades que serão atendidas se for amado pela mãe.
Esse amor manifestado através da proteção, dos cuidados e da ternura faz com
que, posteriormente, a criança se apaixone perdidamente pela mãe. Seu primeiro
contato não é com a mãe propriamente dita, mas sim com o amor que ela lhe dedica.
É aí que se fixa o traço selvagem do amor.
Na paixão adulta
imatura essa situação se repete. É o amor incondicional do outro que é amado, não
se chegando a amar o outro em si mesmo. Nos primeiros tempos de idolatria, esta
situação é ainda possível. Com o passar do tempo para além do amor do outro,
surge o próprio outro com a sua individualidade peculiar e por isso mesmo
invasiva. A ilusão do amor intransitivo se desfaz. É hora então de procurar uma
nova ilusão em um novo parceiro. Um intenso sentimento de falta daquela relação
inicial absoluta impele a pessoa a procurar estabelecer uma nova relação de
paixão intransitiva a todo custo. A necessidade de recuperar o paraíso perdido
é tão intensa que qualquer pessoa que minimamente estimule as fantasias de amor
incondicional torna-se imediatamente objeto de paixão. A urgência supera
qualquer outra consideração. Não lhe é possível dar-se um tempo para melhor
conhecer o parceiro e saber da compatibilidade de personalidades. A paixão
ressurge com toda sua força desde que o desconhecido prometa amá-lo sem
restrições. Ao fim de algumas decepções a pessoa poderá finalmente incorporar a
vivência da impossibilidade de uma relação sem diferenças. Podemos pensar que a
estabilidade de um terceiro ou quarto casamento não se deve apenas ao encontro
de uma pessoa psicologicamente mais compatível, a uma escolha melhor, mas
também ao aprendizado profundo da impossibilidade de uma relação incondicional,
o que leva a uma maior aceitação das diferenças. Resumindo: na medida em que por
trás do amor incondicional apareça a pessoa que ama, na medida em que o amor ao
amor vai sendo invadido pela realidade do outro, surge o desejo de reencontrar o
amor abstrato. Procura-se então um parceiro que alimente esta ilusão. Ele será sentido
como “carne de minha carne”, “sangue de meu sangue” remetendo-nos à relação primeira
com a mãe. Um dos antídotos do qual podemos lançar mão é o direcionamento da
paixão para realizações pessoais e culturais. Podemos amar e sentirmo-nos amados
por qualquer coisa: futebol, coleção de selos, música, cavalos, e, melhor que
tudo, pela nossa profissão. O outro antídoto --- e aqui já estamos falando de
um amor maduro --- é romper as barreiras do amor abstrato que é o amor ao amor,
e amar a pessoa que nos distingue com o seu amor. Na verdade estes dois recursos
estão imbricados. Reconhecer o outro é também se reconhecer podendo então prescindir
do amor incondicional.
Nossa! que labirinto esse que mergulha o amor!
ResponderExcluirDe toda sorte, tento compreender essa "fala" e a trago um pouco para mim, para minhas tentativas de descobertas de como se faz crescer e solidificar uma relação amorosa.
Talvez tenhas razão em dizer que o primeiro sinal de paixão vem não da pessoa que nos vimos envolvida, mas sim cheiro da dedicação, do carinho, da sublime aproximação do amor ainda não encarnada em quem, por inexperiência, consideramos o 'verdadeiro amado'.
Assim eu concluo dessa bela reflexão.
Maria Marçal
Porto Alegre - RS
Obrigado por seu interessante comentário. Continue, por favor. Nahman
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