FEMININO E MASCULINO



            O masculino corre, o feminino colhe.
            O feminino-maternal é receptividade. O masculino é atividade. Mas o feminino é também atividade, pois em sua passividade receptiva atrai para si os acontecimentos como um óvulo atrai espermatozóides. O feminino é abrangente, abarcando, num único olhar, a totalidade. O feminino não precisa de se movimentar para conhecer; os acontecimentos caem docilmente aos seus pés, rendendo-lhe homenagem. Sendo imã imóvel, está dotado de uma aura que atrai para o seu âmbito os acontecimentos, tornando-se o centro deles.
             O masculino é penetração, é movimento rompente, é busca incessante. Necessita do movimento  para a apreensão da realidade. Inquieto, ativo e desbravador visita um objeto por vez; não contendo a totalidade precisa percorrer um a um os objetos do mundo para alcançar o conhecimento; lembra a abelha operosa que carece de pousar em inúmeras flores para fabricar  seu mel. O feminino é contemplativo, é intuitivo; de um só golpe alcança a totalidade porque a totalidade está nele contido. O feminino espera que o momento propício manifeste-se por si mesmo. O masculino se precipita. O feminino embarca no movimento que está à sua frente. O masculino interfere ativamente no movimento, alterando seu ritmo e mudando bruscamente seu rumo. O feminino toca delicadamente nos pontos sensíveis, nas brechas dos acontecimentos, impulsionando-os suavemente, desfazendo obstáculos, restabelecendo continuidades. O feminino não interfere, não empurra; apenas acolhe. O masculino é rude; entra afirmando sua própria existência em contraposição a outra existência. O feminino se apresenta não em contraposição, mas como um acrescentamento, uma complementação, um reforço, um continente, uma compreensão; providencia um encaixe de existências estabelecendo continuidades. Na sua imobilidade e contemplação ativas o feminino atrai os acontecimentos para si conhecendo-os numa simultaneidade. O masculino em sua atividade conhece elemento por elemento e os reúne num percurso de sucessão. O feminino pertence ao curso dos acontecimentos e sua intervenção é silenciosa, uma não-intervenção. O masculino é externo ao fluxo da realidade e sua intervenção é barulhenta. O feminino nem retarda nem apressa o tempo; seu tempo nem é cronológico nem aiônico; seu tempo é o tempo da oportunidade, é o tempo do lapso a ser acudido, tempo pontual que ao restabelecer a continuidade volta a nela desaparecer, volatilizando-se no fluir da vida.
            A percepção masculina é um olhar que varre como um radar todo o espaço para o reconhecimento dos amigos e inimigos. A percepção feminina não tem de varrer o campo com o seu olhar. Seu olhar é tão amplo que abarca todo o perceptível. Seu olhar não é apenas um olhar dos olhos, mas um olhar de todo o corpo, de toda a sensibilidade, de tal maneira que os objetos se juntam para serem percebidos de uma só vez. O olhar masculino é explorador, o olhar feminino é amoroso. O olhar masculino realiza a seqüência temporal dispersão-análise-síntese. Para o olhar feminino os objetos se apresentam já unificados, globalizados.
            O feminino é naturalmente contemplativo. Não precisa de fazer esforço para sê-lo. Sabe, por pura contemplação, qual o momento de intervir e intervém para o amor, para a conjunção. Já o masculino precisa de parar o movimento para contemplar. Porém, ao parar o movimento, ele se encontra perdido, pois tendo por essência a penetração e não a receptividade, não está preparado para a contemplação. Tudo o que consegue - ligando as percepções individuais por intermédio de um pensamento racional -  é um arremedo de contemplação.
            A contemplação feminina acompanha o movimento da vida, intervindo nos espaços vazios, naqueles espaços que a chamam para intervir. O feminino surge providencialmente no ponto em que há uma descontinuidade, uma falta, para restabelecer o manto inconsútil da vida.



                                                                       Nahman Armony

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