A DISTRIBUIÇÃO DA ENERGIA VITAL


TRABALHO E AMOR

       

Muito antigamente o pai saía para trabalhar e a mãe ficava encarregada do lar. Suas tarefas eram, basicamente, o cuidado da casa e dos filhos. A mãe era, pois, uma figura presente no lar e os filhos se beneficiavam de uma atenção constante. Embora o pai estivesse ausente, digamos, oito a dez horas por dia (estou-me, evidentemente, referindo aos bons tempos em que as pessoas não se matavam de trabalhar) sua presença estava assegurada pelo remetimento constante da mãe a ele, presença confirmada com a sua chegada, à noite, quando então, recebendo o relatório da mãe, distribuía os castigos e louvores pertinentes. Havia uma estabilidade que fazia da família um lugar de acolhimento e segurança. Nesta configuração de antanho o pai era a figura dominante, o patriarca da família, aquele que tinha direito (exagerando) de vida e de morte sobre esposa e filhos. A esposa, submissa, aceitava e acatava, por mais que lhe custasse em termos de sofrimento e saúde, aquilo que vinha de seu marido. Certamente não era um mundo ideal, pois havia muitos não ditos, muita repressão e conseqüentemente muita neurose. Ganhava-se sim, em previsibilidade e estabilidade.

        Os tempos mudaram. Hoje não existe mais estabilidade e previsibilidade. Tanto o pai quanto a mãe se ausentam do lar para trabalhar e variados arranjos são feitos para atender as necessidades e preencher o tempo dos filhos. Todos entram numa roda viva. Os pais inseguros quanto ao futuro, entopem os filhos de cursos e deveres e entram em uma competição desenfreada com os seus colegas de trabalho, sobrecarregando-se de tarefas e chegando em casa tarde, esgotados, ansiosos, mal-humorados, com os filhos já recolhidos e com uma esposa estafada que também enfrentou um trabalho extenuante. Temos um quadro assustador em que todos --- pais, filhos, sociedade, ficam prejudicados. Por essa razão esta loucura do trabalho ---  que mereceu o nome de síndrome de burnout ---começa a ser preocupação de pessoas pensantes de nosso meio. Houve, recentemente, o 2º Congresso Brasileiro de Família que tratou deste assunto. Para que haja mudanças é preciso transformar a mentalidade corrente. O estímulo ao consumo provoca uma avidez que reforça a enorme importância dada à realização profissional medida em reais. O trabalho, pois, é posto em primeiro lugar. Este primeiro lugar facilmente se transforma num lugar absolutamente dominante. Contribui para isso o abissal valor que se dá ao sucesso e o conseqüente desdém por aqueles que não exibem sinais de riqueza. A palavra sucesso transformou-se em uma estrela-guia que cega as pessoas para as amenidades da vida tão necessárias ao equilíbrio emocional. O sucesso exige um trabalho árduo e é este trabalho que devora o tempo que poderia ser dedicado ao amor, ao lazer, à família. Aquele que escolhe trabalhar menos, ganhar menos e se beneficiar de uma vida intelectual, estética e afetiva mais rica é considerado pela mentalidade vigente como um perdedor (looser).

Outro aspecto: a estabilidade nas relações amorosas e familiares que existia no passado e que se dava às custas do sacrifício do contingente feminino da sociedade, está hoje em extinção. A mulher se ombreia ao homem, exigindo ser ouvida e respeitada. O confronto tornou-se inevitável e as diferenças agora têm de ser negociadas. As relações de casais e a estabilidade das novas famílias estão se ressentindo desta mudança sociológica. Mesmo quando a paixão passa por cima das diferenças, em algum momento elas surgirão e terão de ser enfrentadas. O medo deste enfrentamento pode reforçar o apego ao trabalho duro e sem tréguas fortalecendo a aderência da pessoa ao sucesso e afastando-a do bálsamo proporcionado pela vida amorosa, estética e lúdica. Indivíduos e sociedade sofrem com isso. Urge, pois, uma aceleração na mudança de mentalidade.

                                                      

Nahman Armony

  Primeira publicação na revista CARAS

      

         

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