AS SUTILEZAS ENCANTATÓRIAS DO AMOR


                                                               

Uma caricatura: imaginemos um inglês do século XIX fazendo a corte a uma dama: nada de baboseiras românticas como luares, flores, pequenos mimos, palavras doces, etc. Não! Tudo objetivo, sempre uma conversa razoável sobre algum assunto concreto. E, subitamente, após muito colóquio a dois, num assomo de coragem, o cavalheiro, titubeante diz: “Quer casar comigo?” e diante da reação de falsa surpresa da dama gagueja um “eu te amo”. A dama, que já esperava com certa impaciência este episódio, num desmaio, diz: “oh, sim”. Consumado o ritual a dama passa a pertencer ao cavalheiro como um troféu, um móvel, uma serviçal que deverá administrar a sua casa e prontamente atender aos desejos de seu amo. É claro que esta é a atitude subjetiva do cavalheiro. A dama certamente tem outros planos e recursos para pô-los em prática. Mas o que está nos interessando aqui é a mentalidade do cavalheiro e logo saberemos por quê. Um razoável exemplo e uma aceitável introdução para o que se segue é a figura de Mr. Higgins do musical “My fair lady”, por sua vez baseada na peça Pigmalião de Bernard Shaw que se inspirou num relato da mitologia romana. Mr. Higgins pode ser tomado como o extremo do homem puramente masculino, objetivo, direto, lacônico, definitivo, irrecorrível. O musical termina com uma expressiva fala de Higgins: “Eliza, traga-me os chinelos”.

Características semelhantes tinha o namorado de uma cliente minha. Quando ela reclamava uma manifestação de afeto ele respondia: “Mas eu já não disse uma vez que te amo? Para que repetir algo que já está estabelecido, que já sabemos?” Ele evidentemente não se dava conta da insegurança que por vezes acometia a sua namorada, nem de sua necessidade de reafirmação do amor, nem da importância de se sentir cortejada, do que isto significava para o reflorescimento de um modo de viver a vida estética e poeticamente, própria do feminino. Os olhos da mulher embelezam e arredondam a vida que os olhos do homem esquematizam. Evidentemente esta é uma situação que vem mudando. Já não estamos na época vitoriana onde Mr. Higgins não precisava se importar com os sentimentos de Eliza Doolittle que, embora paupérrima, inculta, com modos grosseiros, guardava uma potencial sensibilidade feminina. Naquela época, a dependência da mulher era determinada pela institucionalização social, e o homem não precisava se preocupar em entendê-la, percebê-la, senti-la, para mantê-la atrelada a si. Hoje a situação é outra. Cada vez mais mulheres exigem ser compreendidas em sua sensibilidade feminina para permanecer ao lado do companheiro. Elas necessitam de pequenas atenções, elogios sinceros, precisam ser percebidas em seus detalhes, em suas faceirices, em suas variações, em sua potência. No filme “Nova York, eu te amo” ainda em cartaz (estou escrevendo na 2ª semana de 2010) há um episódio em que uma mulher sai de um restaurante, encontra um homem numa calçada adjacente e reclama que é invisível para o marido, pois este não percebe os recursos de sedução que ela emprega para chamar a sua atenção. Na cena seguinte temos o mesmo casal --- e agora sabemos que o homem da calçada é na realidade seu marido --- na mesa do restaurante com o esposo prestando atenção nas vibrações sensuais da mulher, entrando no clima erótico proposto por ela. A mulher vitoriana, transformada em objeto definitivamente conquistado e possuído ficava invisível na sua condição feminina, o que hoje é cada vez menos admitido. O homem, na necessidade de compreender o universo da mulher, acaba por adquirir parte da riqueza do feminino, ficando muito mais ligado no sensível, mais atento às minudências estéticas do mundo, mais tocado pela beleza das coisas, da terra, do universo. Há um equilíbrio maior na união do homem e da mulher, ela desenvolvendo o masculino e ele o feminino.

                            Nahman Armony 
 
 Primeira publicação na revista CARAS.                 

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