Uma pergunta anda preocupando muitos casais atuais: será
possível alcançar a estabilidade de uma união hoje, com tantas mudanças nas
relações entre homem e mulher? A dúvida procede e tem raízes profundas e
antigas. Ameaçados por predadores, doenças e até pelo clima, nossos ancestrais
pré-históricos viviam em permanente estado de insegurança. O desenvolvimento de
instrumentos de defesa e o domínio do fogo reduziram um pouco esse sentimento,
mas não o eliminaram. Inventaram-se então os deuses protetores. Ainda assim, a
imprevisibilidade e a insegurança persistiam. As religiões monoteístas trariam
outra alternativa de alívio para o mal: a vida pós-morte, que, se vivida no
paraíso, traria felicidade, segurança e tranqüilidade eternas. O homem tinha,
então, o seu olhar projetado para o além
da vida. Com a filosofia do francês René Descartes (1596-1650) e a
física do inglês Isaac Newton (1642-1727) as coisas mudariam: havia a promessa da felicidade plena
ainda em vida, pelo desenvolvimento da ciência, que nos livraria de doenças e
nos daria máquinas que resolveriam todo tipo de problema. Em tal clima de
otimismo, o homem deixou de aceitar a incerteza como parte da vida e passou a
exigir de si mesmo e dos outros estabilidade, previsibilidade, segurança,
felicidade permanente. É essa mentalidade que ainda predomina, embora já haja
brechas por onde a insegurança se infiltra. Uma dessas brechas é o setor
amoroso.
Estamos saindo de um período em que esperava-se que os casais se
encontrassem, namorassem, se casassem e vivessem felizes para sempre. Havia um
simulacro de estabilidade e sossego. Uma estabilidade tipo “eu mando, você
obedece”. A paz reinava à custa de sacrifício e sofrimento ocultos, mas isso
era ignorado e o troféu era “o casal feliz”, “a família feliz”, a estabilidade,
enfim.
Com o advento das relações igualitárias, as divergências vieram
à tona. A mentalidade de ponta não aceita que um dos membros do casal fique em
posição submissa, reprimindo desejos e sentimentos para manter suposta
harmonia. E agora? Como conciliar as diferenças? Mais que isso, como cada
parceiro irá lidar com a sensibilidade do outro? Se penso dizer alguma coisa
que o ferirá, devo me calar? Mas e se, em emudecendo, acumulo ressentimentos
que irão estourar em algum lugar e momento? Até onde devo passar por cima de
meus sentimentos para respeitar a sensibilidade do outro? E será que este outro
está tendo o mesmo cuidado? Até onde devo me sacrificar pela pessoa que amo?
A resposta a essas questões não é precisa, mas fugidia, pois
depende da sensibilidade momentânea do casal, fruto das experiências cotidianas
com o parceiro e com o mundo, do estado de espírito, do estado de saúde, e de
muitos outros fatores.
A bússola se encontra no vir a ser da relação. Realiza-se uma
ação e há uma resposta que deverá ser levada em conta para a próxima ação, e
assim por diante. Haverá momentos em que um dos dois estará em condições de
receber maior carga mobilizadora e poderá ser mais compreensivo. Haverá outros
em que as circunstâncias o tornarão mais frágil e não poderá então suportar o
peso da susceptibilidade do outro.
Se concebermos dois pólos extremos “pensando em mim” e “pensando no outro” e os ligarmos
por uma linha de gradação, poderemos dizer que a possibilidade de uma relação
satisfatória está na flutuação do casal por essa linha imaginária, ocupando a
cada momento o ponto mais conveniente para seu escorregadio equilíbrio. O par
alcançará então uma segurança insegura, uma instabilidade estável. Esta poderá
ser a baliza de referência para o entrosamento do casal.
Nahman Armony
Primeira
publicação na revista CARAS
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