“Até que a morte os separe” era (e
ainda é) uma frase dita pelo padre ao consagrar um casamento e tem o
significado de um pacto irreversível, o de permanecerem juntos “na saúde e na
doença, no infortúnio e na felicidade, até que a morte os separe”. Está
embutida na idéia de infortúnio os desentendimentos menores e maiores, as
pequenas e grandes incompatibilidades que ocorrem na situação de casal. O
compromisso aponta para um além da manutenção do amor; também fala da
indissolubilidade da união de duas pessoas que ficam amarradas para sempre e
que portanto de alguma maneira deverão se suportar aconteça o que acontecer. Porém
os tempos estão mudando. Como muito bem disse nosso grande poeta pop/erudito
Vinicius de Moraes a respeito do amor: “que não seja imortal posto que é chama,
mas que seja infinito enquanto dure”. Ao infinito no tempo (o eterno), Vinicius
contrapõe um infinito em profundidade. Se no passado a assunção de um
compromisso “para sempre” era a regra, hoje os casais admitem a possibilidade
de um encontro sem previsão de término. No entanto, permanece latente na
maioria de nós o desejo de eternidade, de constância, de solidez, de “envelhecer
juntos”, de um companheiro para sempre. Tendo desaparecido de cena o contrato
formal, ou mesmo informal (os casais já não mais dizem para sempre), haveria
alguma coisa que permitisse vislumbrar uma indissolubilidade? Nestes tempos de
narcisismo egoísta e superficialidade de sentimentos se algo incomoda o mais
fácil é descarta-se do estorvo. Já não existe um compromisso assumido perante a
sociedade ou perante o outro de manter a relação. A tolerância às diferenças,
às susceptibilidades e idissioncrasias está mais para zero do que para infinito
e, em não havendo um comprometimento formal ou informal a relação se desfaz. No
entanto encontramos na maioria das pessoas, ao lado do narcisismo egoísta e
superficial um anseio profundo de uma relação sólida, de um amor verdadeiro e
eterno. A ausência de compromisso facilita a separação quando alguma coisa vai
mal na convivência, sem que o casal se esforce por superar o desentendimento.
Como então atender ao anseio profundo de segurança fora da idéia de obrigação
contratual?
Vislumbro duas possibilidades: a
primeira é quando o desejo de viver em companhia de um amor é tão grande que o
casal encara o sofrimento que os desentendimentos causam como menos aflitivos
que uma vida solitária. Em nome do desejo de ter um companheiro para sempre se
faz um esforço de superação das desavenças. A outra possibilidade, mais romântica,
é quando a relação do casal é tão infinita (no sentido do verso de Vinicius de
Maraes) que todo rompimento é seguido de um retorno. Após algumas experiências
repetitivas de separação-retorno o casal conforma-se com os periódicos
mal-estares que acontecem entre eles e os superam, pois sabem que mais cedo ou
mais tarde retornarão. Em uma coluna anterior eu usei a expressão “amor
visceral” para falar de um afeto cujo protótipo é a relação mãe-filho. Assim
como a mãe sente o filho como uma parte sua, no amor visceral os amantes sentem-se
parte um do outro não sendo admissível a idéia de separação. Vemos assim que
não é só o compromisso formal que mantém duas pessoas juntas para o resto da
existência. Também a valorização de um amor a dois, de uma companhia constante
e a existência de amores viscerais provocam este efeito. Com a experiência as
pessoas aprendem que o amor estável é imensamente reconfortante. Até certo
ponto é compensador suportar as susceptibilidades, os desencontros, as agulhadas
na autoestima, as eventuais farpas, desde que se consiga superar estas questões
pela fala ou pelos comportamentos compensatórios. As pesquisas psicológicas e
as neurociências têm confirmado isto. Portanto, amigos, mãos à obra.
Nahman Armony
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