Descobri que D. H.
Lawrence, autor do famoso livro “O amante de Lady Chatterley” tem um poema cujo título é “A indecência pode
ser saudável”. Título instigante que me pôs a pensar. Resolvi começar pelo significado
da palavra indecência. Ela é o oposto da decência. Decência segundo o
dicionário de Houaiss é “o que está em conformidade com os padrões morais e
éticos da sociedade”. É uma definição ampla se pensarmos que indecência é na
grande maioria das vezes usado no sentido sexual. Neste sentido indecência é
todo ato de natureza sexual que desafia a repressão imposta pela moral social.
A sexualidade fica então aprisionada numa camisa de força não podendo se
manifestar. Como disse o próprio Freud isso gera um mal-estar difuso assim como
gera sintomas visíveis e dizíveis que atrapalham a vida sexual.
O sentimento de
indecência tem um duplo aspecto. Ele nos protege de sermos inconvenientes ou
grosseiros e nos faz sofrer com inibições e sintomas que interferem em nossa
vida sexual. A inconveniência e
grosseria têm a ver com os valores da cultura. O que é inconveniente numa
cultura pode não ser em outra. Este valor é inculcado desde a mais tenra
infância pela ação social sendo por isso mesmo vivido como uma naturalidade,
como uma evidencia em si mesma, como uma verdade não questionável. O sentimento
de indecência se manifesta sem a participação da vontade individual. Seu
aparecimento é automático e está profundamente entranhado no ser da pessoa. Esta
não participação da vontade perpetua a inibição e o aprisionamento dos desejos
sexuais e dificultam o relacionamento erótico tornando-o complicado e sofrido.
É, portanto de toda
conveniência que a pessoa possa retirar a indecência de seu recinto sagrado.
Não para praticar uma iconoclastia cega, mas para apreciar o valor que tem para
a pessoa. A pergunta seria: o que é para mim sexualmente decente e o que é
indecente? Vale, porém a pena recuar mais ainda as perguntas: o que é indecente
para os animais e para o bebê? A resposta que de imediato aparece é que nada é
indecente para estas duas categorias. E por que os atos se tornam indecentes?
A resposta a esta
pergunta exigiria um longo estudo político, histórico e ético. E o que nos
interessa aqui é que a ideia de indecência mais atrapalha que ajuda na qualidade
de vida. Precisaríamos então encontrar um caminho de desativação desta ideia.
Será que isto é possível?
No filme “Um divã para
dois” um casal que há muitos anos não tem relações nem carinhos sexuais procura
um terapeuta sexual na esperança de salvar o casamento. Fica claro que há
muitos problemas psicológicos envolvidos. Porém, além deles, existe um pudor,
uma vergonha quanto a algumas questões da sexualidade. Existem certas
“indecências” que não devem ser feitas, que não podem acontecer. Pois bem, a
terapia se orienta mais no sentido de fazer o casal enfrentar situações de
indecência estabelecendo exercícios que obrigam a realizar atos sentidos como
“indecorosos” do que fazer interpretações sobre as motivações. Esta atitude se
justifica exatamente porque o sentimento de indecência preexiste às questões
psicológicas que surgem com a convivência de casal, embora estas agravem a
situação de dificuldade.
Conheci um adolescente
que não conseguia dizer palavrões e que por isso sofria bullying de seus pares.
Um dia ele se obrigou a se trancar num quarto e ficou falando palavrões por
muito tempo. A repetição deste exercício fê-lo mais íntimo dos palavrões e
finalmente pôde falá-los diante de seus colegas de escola. Acredito que esse
pequeno acontecimento possa ser inspirador para casais que trazem enraizados no
seu ser, sentimentos de indecência.
Nahman
Armony
Publicado originalmente na revista CARAS
Publicado originalmente na revista CARAS
Muito bom seu artigo! Você já ouviu a música "A indecência" do Kid Abelha? É de 1991, e foi inspirada no poema do Lawrence.
ResponderExcluirBom trabalho, amigo! Abraço!