FALSO
E VERDADEIRO DIÁLOGO
Desde que a mulher
conquistou independência financeira e autonomia pessoal, o diálogo passou a
fazer parte da vida de casal. Antes prevalecia a voz masculina, dona do
dinheiro e do poder, voz que ditava as regras de convivência e que, em querendo
se manter no domínio absoluto da situação, abafava o clamor feminino. O diálogo
permitiu à mulher fazer reivindicações, introduzir o modo feminino de ver o
mundo, afirmar sua individualidade e lutar por desejos e valores.
Estabeleceu-se uma relação igualitária na qual é preciso negociar e chegar a
ajustes. A mulher, que até então reprimia a própria singularidade, pôde
aparecer com a sua potência, enriquecendo a relação, a família e a sociedade.
Por isso mesmo, devemos saudar o entranhamento do diálogo na mentalidade atual.
Permite uma convivência afetuosa e democrática; oferece a oportunidade de
exercer a intimidade e a diferença; e, ao mesmo tempo em que flui o amor, cada
membro do casal afirma a sua singularidade. Os enfrentamentos enriquecem a
ambos, pois abrem espaço para a compreensão da subjetividade do parceiro por
meio de um exercício de identificação. Isso lhes permitirá serem tolerantes com
as diferenças individuais, podendo então aceitar limites. Comunicações
verdadeiras são guias preciosos no cipoal de suscetibilidades, fantasias,
introjeções e projeções que acontecem em uma relação; quando desejos e
sentimentos deixam de ser expressos, o casal fica perdido quanto à conduta do
outro. Posso pensar, por exemplo, que a cara fechada com que minha parceira me
recebe significa zanga comigo. É possível. Mas também pode ter ocorrido algo
desagradável independente de mim. Só uma conversa esclarecerá a situação. Por
outro lado, o diálogo passou a ser tão valorizado que se transformou em valor
absoluto. A recusa em dialogar ou a sua interrupção tornaram-se politicamente
incorretos podendo então criar um ponto de atrito prévio à conversação. Mas o
diálogo apresenta outro grande perigo que o destrói como entendimento e acordo.
Vejamos por quê:
O diálogo é produtivo
até o ponto em que, por ele, se chega a perceber as diferenças. Ultrapassado
este estágio, negocia-se uma convivência. A paz reinará enquanto o casal
aceitar as dessemelhanças. Mas, se um deles quiser fazer prevalecer seu ponto
de vista, poderá usar o diálogo para pressionar o parceiro a mudar seu modo de
ser e/ou seus pontos de vista. O perigo maior acontece quando há convicção de
que está acontecendo um verdadeiro diálogo, quando na realidade entra em cena o
perigoso pseudodiálogo. Um exemplo: imaginemos o casal em que um seja
aventureiro e goste de correr riscos, e o outro, conservador, prefira a
segurança à ousadia. Depois de um período de desentendimentos, em que a ação de
um é questionada pelo outro, resolvem sentar-se e dialogar. Imaginemos que
constatem diferenças de temperamento e negociem um acordo. Pode ser que o
acordo seja aceito. Ou não. Neste último caso, é possível que o parceiro
insatisfeito queira reabrir o diálogo. Acontece que o diálogo deu o que tinha
de dar. Reabri-lo seria repetir as falas. E fala repetida não é mais uma
tentativa de conhecer e entender, mas forma de pressão e manipulação. Contudo,
tendo o diálogo adquirido o status de politicamente correto, torna-se peremptório; assim, cai-se em uma armadilha. Este é o momento de desmitificar o
diálogo como panacéia universal. Nesse ponto transformou-se em pseudodiálogo,
que esconde um desejo de domínio, uma forma de fazer prevalecer uma opinião e
maneira de ser.
É preciso ter lucidez
a respeito de suas verdadeiras intenções ao encetar um diálogo. É preciso
lembrar de que o objetivo é conhecer as motivações do parceiro, expor as suas,
aprofundar o respeito e o conhecimento mútuos, e alegrar-se com a convivência
de diferentes como fonte de aprendizado.
Nahman Armony
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