6 - POSTURAS TERAPÊUTICAS NA PRÁTICA CLÍNICA - FINAL

A POSTURA DIALOGAL

        Só recentemente ideei e iniciei a elaboração da postura-dialogal, acrescentando-a às anteriores. Esta concepção deriva-se diretamente de meu trabalho com adolescentes, mas, desde já percebo que tem influenciado minhas relações com outras categorias de cliente; isto me leva a crer que, futuramente, esta postura terá, para mim, um alcance maior. Kusnetsoff (1975) é onde encontro considerações concordes à minha própria experiência. Suas primeiras tentativas de tratar os adolescentes mediante o comportamento interpretativo  e/ou postura continente resultaram em fracasso: "...tive de modificar minha abordagem técnica...O paciente reagia 'paroxisticamente', atuando a interpretação como um espinho irritativo."(1975, p.40). A insistência em usar o comportamento interpretativo ou a postura continente de uma forma óbvia resulta, nesses casos, "ou a deserção do tratamento ou uma 'adesão masoquista' a estas técnicas de resolução de conflito. A melhoria podia ser conceptualizada , nesse caso, como uma 'domesticação'.(Kusnetsoff, 1975, p.40-41). Kusnetsoff não exclui a interpretação do arsenal terapêutico, mas alerta para o fato de a analise do adolescente oferecer "escassos momentos de aproveitável relacionamento, propícios para a ação interpretativa."(Kusnetsoff, 1975, p.34). Decidiu, então, experimentar outras formas de aproximação do paciente. Dentre elas, a que nos interessa é a "resposta direta dialogada", pois ela se conforma ao que chamamos de postura-dialogal. Em relação à resposta direta dialogada escreve Kusnetsoff : ... percebi que uma conduta terapêutica - resposta direta - que se aproxima o mais possível da forma predominante de comunicação que o paciente expressa, evita a colisão de dois códigos contrapostos e que o paciente adolescente, em geral, não pode decodificar desde o começo."(Kusnetzoff, 1975, p.43). Na minha opinião, o adolescente, trazendo dentro de si o sentimento de estar subjugado pelo poder familiar reage à assimetria evidente do comportamento interpretativo. Por um lado não se deixa dominar pelos 'caretas' e por outro não permite uma situação de intimidade/fraqueza que o faria sentir-se diminuído e dependente, não podendo enfrentar o mundo sem o auxílio de figuras parentais. Em relação ao poder familiar Kusnetsoff (1975, p.43) escreve: "A interpretação das resistências, como se poderia propor, não resolve o problema. Ao contrário submerge o adolescente e o terapeuta em uma escalada simétrica de mútuas agressões."

        Na postura-dialogal o terapeuta simplesmente conversa sobre o assunto trazido pelo adolescente, qualquer que este seja. Em meio ao bate-papo sempre surge a oportunidade de inserir uma intervenção terapêutica verbal, a qual, deverá passar desapercebida, isto é, não deverá parecer uma interpretação , mas uma continuação natural da conversa em curso. Com isto evita-se a 'resistência à autoridade' que surge quando o adolescente desconfia estar o terapeuta pontificando. É preciso tomar cuidado com o tom de voz, o qual não deve trair a importância particular da enunciação. Desta forma dribla-se a susceptibilidade do adolescente e do púbere a tudo aquilo que lembre, mesmo vagamente, uma posição de autoridade. O terapeuta pode então ser sentido como um representante benigno da sociedade, aquele que aceita o seu crescimento, a sua independência e a sua liberdade, em oposição aos pais e ao ambiente circundante, onde são projetados os seus desejos de dependência, onde limites sociais necessários colocam empecilhos à sua afirmação e realização e onde encontra, muitas vezes, de fato, incompreensão, inveja e resistência ao seu crescimento, afirmação, potência e liberdade. Esta figura benigna na qual o terapeuta pode converter-se virá preencher outra necessidade fundamental do adolescente: a de realização de novas identificações. A participação do terapeuta nos interesses do adolescente, além de fornecer uma base para a necessária identificação, valoriza-o, dando legitimidade ao que gosta, pensa e faz, reafirmando a sua individualidade. Nessa época de libertação dos pais externos e das figuras parentais internalizadas, o terapeuta, por sua peculiar posição intermediaria, tem uma função importante. Vejamo-la: até então, diante de situações tormentosas, a tendência do púbere/adolescente era, endogamicamente buscar os pais, tanto os externos quanto os internalizados. Com a adolescência exacerba-se o processo de libertar-se dos pais. Neste momento, a figura exogámica do terapeuta pode ser de grande auxilio. O terapeuta, em que pese a transferência, é algo novo na vida do adolescente, algo externo aos pais, o representante de uma sociedade mais ampla, e que o compreende e apoia nos seus esforços pela libertação, autoafirmação e participação na vida comunitária adulta, assim como também compreende e aceita os seus períodos de dependência e regressão sem deles abusar.

          O terapeuta dialogal funciona como uma base segura para futuros empreendimentos, como uma plataforma móvel capaz de fantasmaticamente penetrar nos diversos segmentos da sociedade, à qual o adolescente conduz e sobre a qual se apoia. Logo que puder, ele deixará o veiculo para seguir o seu caminho com os próprios pés.  

 

Epilogo: como expliquei no início deste longo artigo, ele foi apresentado em 1985 e se naquela época já apresentava fendas, com o passar dos anos essas fendas se multiplicaram. Ainda assim ele me é útil e acredito que o seja para meus colegas pois apresenta uma sistematização que facilita o diálogo entre psicanalistas. Acredito que a mais séria falta esteja na ausência das ideias de Lacan. Seria interessante que os conhecedores de Lacan encontrassem o seu lugar nesta armação que apresento. Como sugestão dou a ideia de batizar o comportamento lacaniano de 'liberto' e a postura lacaniana de postura-enigmática. E talvez valesse a pena reler o "A análise possível" cuja grande procura motivou a reprodução deste artigo.

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