VIVER SÓ OU ACOMPANHADO


        Este meu novo ofício de cronista do amor tem-me levado a ficar atento aos acontecimentos pertinentes a essa área. Em recente programa de televisão depoimentos de uma maioria de mulheres na faixa dos 30 anos dava como causa de separação as diferenças de gostos: enquanto ela apreciava a paisagem bucólica das montanhas ele preferia divertir-se na praia. Podemos multiplicar estas diferenças: gostar ou não de cinema, de ar-condicionado, de ficar em ou sair de casa, etc. Gostos que, na verdade, não são fundamentais para a vida de cada um.
        O apaixonamento passa por cima de todos os gostos. É um impulso tsunâmico avassalador que leva tudo de roldão na ânsia de abraçar e se fundir com a outra pessoa. Mas a paixão tem vida limitada. Se duas pessoas pretendem criar uma história em comum necessitam de se amar. Amor é carinho, companheirismo, ternura, confiança mútua, divisão de tarefas, satisfação de estarem juntos, mútuo amparo e outras coisas deste jaez. O sexo da paixão explode na ânsia de entredevoramento: o sexo do amor surge do carinho, da ternura, do sentimento de gratidão.
        O ideal é que paixão e amor possam caminhar juntos. Sendo a paixão um sentimento mais fugaz, a base de um relacionamento estável só poderá ser o amor. Para que paixão e amor convivam é preciso que a linha levemente sinuosa do amor seja periodicamente invadida por picos de paixão. Céu claro do amor e céu tempestuoso da paixão. Choque cósmico de estrelas espalhando brilhos fascinantes nos corações e luz mansa das auroras e vésperas enchendo as almas de calmas belezas.
        Se a paixão é irresistível, o amor está sujeito a temperaturas e temperamentos. Voltamos então ao depoimento das mulheres de 30. São mulheres socialmente e financeiramente realizadas que podem escolher entre viver sozinhas ou com um companheiro.
        A vida de casal é potencialmente mais rica e confortável. Pesquisas têm demonstrado que casados vivem mais que solteiros; os casados (ou equivalentes), podem melhor relaxar na presença de um companheiro amoroso, íntimo e confiável, recuperando-se melhor dos estresses da vida.
        Por que então, nesta amostra, a maioria dispensou o companheiro por uma banal questão de gosto? Certamente que a divergência poderia ser resolvida democraticamente, ora satisfazendo o prazer de um, ora de outro. Ou então um poderia ir ao futebol e outro ao teatro sem perturbar o básico da convivência de um casal.
        Esta pergunta merece pelo menos duas respostas. Pareceu-me que por trás da teimosia em não abrir mão em hipótese alguma de um gosto estava a necessidade de afirmação da individualidade. Ceder ao desejo do outro seria abdicar de si mesmo, da essência de sua personalidade, transformando-se em capacho, um nada, um zero à esquerda. A questão deixa de ser aquilo de que se gosta ou não e passa a ser a conservação ou não da própria essência pessoal.

        A segunda resposta está estreitamente ligada à primeira. Estamos mergulhados em uma cultura individualista. O modo de criação dos filhos da geração que agora chega aos 30 anos foi não opor obstáculos aos seus desejos. As crianças desde cedo se acostumaram a impor suas vontades aos pais. E quando adultos não conseguem conviver com desejos que limitem os seus. Com isso privam-se da delícia da íntima convivência amorosa.
        É verdade que alguns procuram vencer o individualismo e lutam por aceitar restrições às suas vontades. Alguns são bem sucedidos, outros não.
        Não quer dizer que um modo de vida seja melhor que o outro. Enquanto Tom Jobim nos diz que “é impossível ser feliz sozinho” outros dizem que amor é ilusão que só traz sofrimento. Cada um escolhe o caminho que quer e que pode. Mas não posso deixar de notar que a grande maioria das letras poéticas canta o amor e lamentam a sua perda.   
                                        Nahman Armony  

   Primeira publicação na revista CARAS

Nenhum comentário:

Postar um comentário