O homem pré-histórico vivia em estado
de insegurança ameaçado que estava por animais predadores, doenças, plantas
venenosas, condições climáticas, etc. Provavelmente, aos poucos, na medida em
que evoluía mental e tecnologicamente o sentimento de insegurança foi-se
reduzindo não deixando porém de existir. A segurança proporcionada pelo domínio
do fogo e pela multiplicação e aperfeiçoamento de objetos de defesa e proteção
não eram suficientes para deixa-los tranquilos. Foi preciso inventar seres
supra-humanos para se sentirem protegidos. Mas o sentimento dominante ainda era
de imprevisibilidade, insegurança, incerteza. Com as religiões monoteístas
inventou-se uma segurança pós-morte; lá, no reino dos mortos, se encontraria a
paz, a tranqüilidade, o amor, a estabilidade. Com a filosofia de Descartes e a
física de Newton a mentalidade do homem foi mudando. Descartes e Newton
prometiam uma felicidade plena que seria alcançada através de um pensamento
racional iluminista e através do desenvolvimento das ciências. Nesse período
concebia-se o mundo como um grande aparelho mecânico capaz de realizar
previsões e intervenções precisas. Acreditava-se que o desenvolvimento da
ciência com suas incríveis descobertas e realizações transformariam o mundo em
verdadeiro paraíso de felicidade, tranqüilidade, segurança, estabilidade. Não
haveria mais doenças e as máquinas, substitutivas do homem e mais eficientes
que ele não deixariam que faltasse nada. Estabeleceu-se um clima de otimismo e
o homem que até então aceitava a incerteza como parte da vida descartou-se dela
e passou a exigir de si mesmo, do mundo e dos outros, estabilidade
previsibilidade, segurança, felicidade permanente. Esta é a mentalidade que
ainda tem seu lugar embora já existam muitas brechas por onde a insegurança e
instabilidade se infiltram provocando abalos em todos os setores da vida
humana, inclusive o amoroso. Consoante as expectativas de um período do qual
estamos saindo, os casais deveriam se encontrar, namorar, casar e viver felizes
para sempre. Havia um simulacro de estabilidade e sossego. Uma estabilidade
tipo “eu mando, você obedece”; a paz reinava à custa de sacrifício e sofrimento
eclipsados, mas isto era ignorado e o maior troféu era “o casal feliz”, “a
família feliz”.
Com o advento das relações igualitárias
as divergências vieram à tona. A mentalidade atual não aceita que um dos
membros do casal fique numa posição submissa, reprimindo seus desejos e
sentimentos para manter uma suposta harmonia. Mas aqui surge uma questão: como
conciliar as diferenças. E, mais especialmente, como cada membro do casal vai
lidar com a sensibilidade e susceptibilidade do outro. Se eu digo alguma coisa
que fere o outro devo então deixar de dizer? Até onde devo passar por cima de
meus sentimentos para respeitar a sensibilidade do parceiro? Será que o
parceiro está tendo este mesmo cuidado? Será que o respeito que tenho por seus
sentimentos é o mesmo que ele tem pelos meus? Até onde devo me sacrificar pelo
amado (a)?
Não existe uma resposta precisa para
essas questões. Ou, se existe ela é fugidia e depende da sensibilidade
momentânea, do tempo pontual acoplado às experiências cotidianas, ao estado de
espírito, ao estado de saúde. A bússola se encontra no âmago temporal da
relação. Realiza-se uma ação e há uma resposta que deverá ser levada em conta
para a próxima ação e assim por diante. Haverá momentos em que um dos dois
estará em condições de receber uma maior carga potencialmente mobilizadora e
poderá ser mais compreensivo. Haverá outros momentos em que as circunstâncias o
tornarão mais frágil e isto deverá ser levado em consideração. Se imaginarmos
uma linha imaginária estendida entre os pólos 1- “pensando em mim” e 2-“pensando
no outro” com gradações ao longo do trajeto poderemos dizer que a possibilidade
de uma relação satisfatória está no deslizamento do casal pela linha
imaginária, ocupando a cada momento o ponto mais conveniente para o equilíbrio
flutuante do casal.
Nahman Armony
Primeira publicação na revista CARAS.
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