DETALHES

 AS SUTIS DEPRECIAÇÕES
                                       
Frequentemente encontra-se em casais, por mais harmoniosos que sejam um jogo de poder. Este poderia até ser chamado de tendência universal, tão espalhado se encontra, envolvendo mesmo os menos belicosos e competitivos e mais propensos ao entendimento. E, no entanto, sua frequência pode ter um efeito devastador, acabando com relações promissoras. É o caso mais ou menos óbvio de um casal em que um de seus membros é frequentemente interrompido pelo companheiro, tendo dificuldade de terminar o seu pensamento ou a sua história. A repetição desta situação provoca naquele que costuma ser interrompido um sentimento de falta de espaço, de não ser importante, de não ter um lugar digno, onde se sinta valorizado e participante em condições de igualdade com o outro. Existem comportamentos tão sutilmente depreciativos que geram no observador, pensamentos do tipo “que criancice”, mas que ao insistirem podem ter um efeito devastador para a relação. São comportamentos dos quais pode ser que nenhum dos parceiros se dê conta, mas cuja contumácia é mortal para a relação. Darei um exemplo que me foi relatado por um cliente consciente da dinâmica do casal, perceptivo em relação aos seus sentimentos e capaz de colocá-los em palavras. Sabe felizmente que o acontecimento foi eventual e que a luta pelo poder, pela superioridade sobre o outro (que frequentemente advém de um sentimento de inferioridade permanente ou ocasional) é uma característica que acompanha o homem desde priscas eras, sendo preciso aprender a lidar com ele. Com a minha ajuda seu aborrecimento praticamente desvaneceu-se. Mas vamos ao exemplo que servirá como alerta de como algo banal pode ter um grande peso numa relação.
        Meu paciente relatou que a esposa, tarde da noite, cansada, estava tentando estacionar o carro numa vaga que facilitasse sua saída no dia seguinte. Tentou repetidas vezes e ela apesar de ótima manobrista estava cansada e sonolenta, falhando seguidamente. No entanto continuava no seu propósito. O marido então ofereceu sua ajuda. A oferta foi feita várias vezes sem que ele obtivesse uma resposta verbal Finalmente julgou perceber na expressão corporal da esposa, um pedido de ajuda. Saiu do carro e passou a orientar as manobras. Seu sentimento era de que tinha uma percepção clara do que deveria ser feito. E subitamente a esposa que não estava seguindo suas instruções resolveu desistir da ajuda e colocou o carro numa posição incômoda, deixando a manobra difícil para o momento da saída. Meu paciente se ressentiu deste gesto, pois ele respeitara a capacidade e autonomia dela, só interferindo quando percebeu um exasperado e inaudível pedido de ajuda. O casal foi dormir agastado. É claro que precisamos acrescentar outros ingredientes que estavam atuando como, por exemplo, a impaciência do marido de logo chegar ao lar; o fato de que naquele dia havia passado por algumas situações em que suas ideias não foram acolhidas. Por outro lado, disse eu, era preciso levar em consideração o lado da esposa: sua ideia feminista de opressão masculina secular: as dificuldades de vida que a esposa vinha enfrentando e que exigiam dela uma força que parecia estar além de suas possibilidades, mas que ao ser convocada permitia-lhe lidar com os problemas que estava atravessando.
        Esta vinheta tem a intenção de mostrar aos casais como pequenos atos competitivos quando repetidos, podem ter grandes repercussões. Uma boa conversa, franca e tranquila sobre o acontecimento --- tomando o cuidado de evitar fazer do diálogo mais um episódio de luta pelo poder onde a razão e superioridade de um teria de prevalecer sobre o outro --- desfaz o ressentimento.      
                        Nahman Armony

     Primeira publicação na revista CARAS.

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