É POSSÍVEL CONSERVAR O DESEJO SEXUAL NUMA LONGA RELAÇÃO?


Passado o período de paixão segue-se, na melhor das hipóteses, o amor. O desejo tende a decrescer e os encontros amorosos-sexuais a rarear. O casal sente-se frustrado, amputado de uma parte essencial de sua vida.  A repressão, a vergonha, a disputa pelo poder (quem necessita de quem) tornam difícil a reaproximação e a retomada de uma vida mais plena e saudável. Diante desse quadro, o melhor é evitar que a situação chegue a este limite. Há vários caminhos para isto. O desejo sexual inicialmente movido pela paixão pode vir a, posteriormente, ser motivado pela ternura. Uma ternura que, se no início do relacionamento é um botão incipiente, poderá crescer através de uma história de companheirismo, cuidados, cumplicidade, compreensão mútua, capacidade de perdoar e de não guardar ressentimentos. Paradoxalmente, uma ternura ao mesmo tempo dessexualizada, mas também marcada por um potencial erótico que facilmente pode se realizar. Mas esse não é o único caminho. Ou é um caminho que pode ser complementado por uma espécie de jogo de sedução. E aqui também temos uma situação paradoxal. Winnicott fala da criança que se esconde, mas quer ser encontrada. Similarmente o parceiro sexual resiste, mas quer ter a resistência vencida. A resistência apimenta a relação elevando o grau de desejo. A certeza de que em algum momento a recusa ambígua chegará ao seu término permite uma tranqüilidade para prosseguir no jogo sem uma ansiedade disruptiva. Mas, de qualquer forma, a pimenta continua agindo, pois todos nós passamos, enquanto bebês, por vivências de rejeição precoce, marcando-nos indelevelmente com uma susceptibilidade -- maior ou menor -- à rejeição.  A aproximação sexual é uma das formas de exorcizar os profundos e inconscientes sentimentos de rejeição e é em grande parte por aí que o jogo de negaça exerce sua ação picante. Outra possibilidade é a manutenção de um clima erótico no dia-a-dia. Além das manifestações de carinho dessexualizado, aceitos e validados pela mentalidade social, o casal poderá, certamente vencendo resistências ancestrais, manter a sexualidade presente através de palavras, gestos, carícias fugazes; esse comportamento ajuda a manter o desejo sexual em fogo baixo sempre pronto a se tornar fogaréu, incêndio. Também conversas francas sobre as sensibilidades erógenas do casal ajudam para uma boa atividade sexual.  É também preciso levar em consideração que muitas pessoas em nossa cultura, professam um sentimento inconsciente ou consciente -- que advém da subjetividade social circulante -- de que a sexualidade é algo impuro, indigno, depravado; por isto mesmo, necessitam de entrar num estado de espírito abjeto, o que fazem através de palavras e atos tornados debochados (os atos que seriam impudicos e as palavras de baixo calão não são em si pornográficos) com o intuito de sair de um plano de pureza para um plano impuro, podendo então, dissociadamente, expressar livremente a sua  sexualidade. Esta é uma situação que pode, dependendo do casal perdurar sem criar maiores problemas para a relação. Mas, se ela se torna perturbadora será preciso fazer desaparecer esta dissociação, integrando a sexualidade à vida de tal maneira que ela possa ser sentida como imaculada, feita da mesma substância que o carinho, por exemplo. Carinho terno e carícia sexual teriam a mesma legitimidade e gozariam do mesmo status.
Essas são algumas das aproximações possíveis à questão inicialmente proposta que eu relembro, para finalizar o texto: como conservar o desejo sexual após anos de convivência.

                                                                          Nahman Armony

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