BRIGA-SE POR BOBAGENS PARA EVITAR O RISCO DE ROMPIMENTO

       O ser humano é ambivalente, ou mesmo plurivalente, o que significa que ele deseja e sente ao mesmo tempo vários impulsos e sentimentos muitas vezes contraditórios. É uma situação pouco confortável. Geralmente preferimos ter a sensação de sabermos o que queremos para podermos nos direcionar com força e determinação naquela direção. Desejar duas ou mais coisas contraditórias ao mesmo tempo mina a segurança colocando a pessoa em estado de dúvida, de incerteza que a impede de se comportar com firmeza, tornando-a hesitante e passando uma impressão de fraqueza. Por isso os casais se empenham em discussões sobre aspectos insignificantes do dia-a-dia encarniçando-se nas suas certezas. É uma maneira de afastarem a instabilidade da dúvida tornando-as firmes e seguras em bagatelas que não merecem tamanha importância e convicção. Acontece, porém que enquanto estas insignificâncias ocuparem o primeiro plano se escamoteará a principal fonte de conflito mantendo a relação num clima de intolerância em que freqüentemente o mal-estar e a raiva se fazem presentes. Mas, e aí está o truque, a relação se mantém, pois o ponto de conflito que a poderia destruir fica sepultado debaixo das trivialidades. Além do que a certeza de estar com a razão torna a pessoa forte. 

       Darei um exemplo: digamos que duas pessoas de nacionalidades diferentes tenham se conhecido e tenham sido fisgadas por Cupido. Falo aqui de um amor visceral à primeira vista. Digamos ainda que o modo de ser de um se afine com o do outro o que permitiria que as diferenças fossem colocadas, discutidas e conciliadas. Há aqui uma auspiciosa promessa de crescimento da relação, algo raro e precioso que deveria ser conservada a qualquer preço. Mas há uma questão fundamental: cada um dos componentes do casal não abre mão de viver em seu país o que significa tirar o outro do país de origem. Há um primeiro confronto nesta área e o casal percebe que lá existe um impasse que poderá destruir a relação. Nenhum deles deseja esse desfecho. A questão fundamental é deixada de lado e eles tentam viver o seu amor sem interferências. Acontece que a questão fundamental não desapareceu. Ela foi apenas enterrada e continua a exercer seus efeitos sobre o casal. Mas a esperteza dos dinamismos psicológicos humanos desviam a discussão daquela questão fundamental para outros aspectos da relação que não são tão vitais e que portanto podem ser suportados. Discute-se, por exemplo, como usar o tubo de pasta de dentes como se isso fosse uma questão vital. Ou então se discutem questões de clima, trabalho, mentalidade. Nenhum deles, porém, é excludente, definitivo. O definitivo é o desejo de permanecer junto aos amigos, parentes, à cultura, às paisagens e paragens conhecidas. As anteriores não ameaçam a continuidade da relação; o amor à terra natal pode levar a um rompimento. Certamente estou dando a impressão de que as discussões vicariantes não deveriam existir e que se deveria logo ir ao ponto decisivo. Não é bem o que eu penso. Enquanto as discussões de menor importância acontecem conversações inconscientes se realizam entre o casal provocando movimentos de almas que os preparam para uma atitude menos drástica em relação ao problema fundamental. Não se pode saber a priori para onde esta conversa inconsciente e estes movimentos afetivos levarão. Mas finalmente o casal poderá chegar a um acordo. Ou não. Mas pelo menos eles terão o consolo de ter batalhado pela continuação da relação amorosa.

Um comentário:

  1. Olá, Nahman!! Adorei seu blog!! Vou, sempre que puder, dar uma passada aqui e olhar o quem escrito de interessante!! bom, provavelmente, tudo!! Um beijo grande! Saudade de vc!

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