CIÚME E CIVILIZAÇÃO


A intolerância à infidelidade amorosa tem atormentado a humanidade desde o início dos tempos, deixando um rastro de sofrimento e morte. Uma maior compreensão sobre os motivos dessa intolerância poderá contribuir para reduzir a agonia de quem passa pela situação de infidelidade.

Há um consenso em se considerar a tolerância como ganho educacional e civilizacional. O homem e a sociedade só têm a ganhar quando integram as emoções primitivas, sem negá-las, ao conjunto do funcionamento psíquico, impedindo-as de se tornarem fonte de destruição e de sofrimento excessivo. No terreno amoroso temos exemplos de que esse processo civilizatório está em curso, porque figuras públicas já expressaram maior tolerância à infidelidade. Vários são os fatores que conduzem à intolerância amorosa. Um deles, o ciúme, é sentimento que encontramos em nossa infância remota. O bebê, quando se dá conta da existência da mãe, quer que ela lhe dê toda a sua atenção. Ao perceber que os cuidados maternos se dirigem a outra pessoa, um rival, seu medo de perdê-la passa a ter uma referência concreta.

Por razões psicológicas, sociológicas e culturais, os sentimentos de posse e a insegurança infantil, componentes do ciúme, não evoluíram, não se civilizaram, não encontraram um lugar adequado no conjunto do psiquismo, continuando a ter a mesma intensidade e reatividade dos primeiros tempos. Isso provoca desesperos e tragédias. E o mais interessante é que a sociedade sanciona as agressões e os crimes advindos do ciúme com uma aprovação muda e ambivalente. A sociedade “compreende” e perdoa a reação violenta daquele que foi “traído” e, de certa forma, aceita o ato agressivo.

Se conseguirmos nos colocar ao largo da mentalidade reinante, seremos capazes de estranhar o fato de que essa específica emoção não teve evolução semelhante às outras. Tomo como exemplo o desejo de vingança, embora não tenha desaparecido, abrandou-se com o advento da justiça.

Há, tambem um consenso de que o sentimento infantil de onipotência precisa evoluir para a realidade da potência. E é o que acontece com um grande número de indivíduos.   

Os obstáculos e limites que o ser humano encontra vão desfazendo a fantasia. A onipotência é substituída pela potência, sem porém deixar de existir como um sentimento inconsciente necessário ao equilíbrio psíquico.  

A sociedade valoriza as duas evoluções acima colocadas. Mas o mesmo não acontece com o ciúme que ainda é aceito como justificativa para atos agressivos. Por quê seria mais fácil diluir o sentimento de onipotência e de vingança e menos fácil o de ciúme? Por que o ciúme permanece em estado bruto, enquanto a onipotência e a vingança sofrem um trabalho de elaboração? Por que a sociedade aprova e convive com essa discrepância se ela é fonte de sofrimento?

Não há resposta simples e decisiva. A questão é muito complexa para que possamos enquadrá-la em um esquema. Alguma coisa, porém, pode ser dita. A posição de reizinho na infância é prazerosa. O desejo de continuar nesse posto fica no inconsciente e, se não for trabalhado, voltará na união amorosa. Sua Majestade, o Bebê, amado e valorizado pela mãe acima de todas as outras criaturas, quando cresce teme, como no passado, que um rival o rebaixe à categoria de um entre muitos.

Ao tomarmos consciência dessa dinâmica, é possível trabalhar sobre ela. Com o tempo consegue-se lidar melhor com nosso desejo inconsciente de sermos o centro do universo para o amado. O desejo permanece no inconsciente como um motor, mas agora o conjunto do psiquismo encontra modos e meios de mantê-lo em sintonia e equilíbrio com o parceiro e consigo mesmo.

                                      Nahman Armony

 

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