A QUIMERA DA RELAÇÃO PERFEITA


                                                                                                
Segundo D.W.Winnicott, admirável psicanalista e pediatra que produziu sua obra na 2ª metade do século XX, o bebê, ao nascer, tem suas necessidades imediatamente preenchidas por uma mãe que ele chamou de “suficientemente boa”. Uma memória desta fase tenha ela acontecido plenamente ou não, permanece no inconsciente de todos os adultos. Após alguns meses esta mesma mãe começa a adiar o atendimento às solicitações do bebê e da criança, e mesmo, a não atender a alguns dos desejos de seus rebentos. Esta nova atitude propicia o desenvolvimento do ser humano que incorporando ao seu repertório psicológico a frustração, aprende a lidar com um sentimento que terá de enfrentar ao longo de sua vida. Teremos então um adulto com maiores probabilidades de ser psiquicamente mais saudável. Se a mãe não consegue dizer “não” impede o crescimento do filho e conseqüentemente sua boa inserção na sociedade, pois a criança e posteriormente o adulto sentir-se-á no direito de ter tudo o que deseja sem levar em consideração as necessidades e desejos de seus semelhantes. Este quadro é um aspecto de uma situação mais geral como podemos ler no artigo “A crença que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada” de Eliane Brum publicado na revista Época no mês de junho de 2011. Facilmente percebemos que do século 19 ao século 21 passamos de uma sociedade repressiva para uma sociedade permissiva. A atual mentalidade facilita o afloramento de um exagerado instinto de proteção nas mães que se excedem na evitação de frustrações ambicionando oferecer-lhes um mundo maravilhoso onde reinaria a felicidade. É claro que este desejo inconsciente de mãe é impossível de ser realizado. Ao invés de trazer felicidade provoca situações de dor, conflito e trauma nas várias áreas do viver humano. Inclusive no âmbito das relações amorosas. O parceiro espera que tal como a mãe, o companheiro realize todos seus desejos mesmo os mais banais e mesmo os irrealizáveis e, mais incrível ainda, aqueles fora de possibilidade de efetivação. Tais expectativas inviabilizam a relação amorosa; logo às primeiras frustrações os amantes se separam e procuram novo parceiro na esperança de que este sim lhe proporcione a felicidade absoluta. O fracasso das sucessivas tentativas poderá levar a pessoa a uma vida sem parceria, a uma falsa parceria que manterá a relação em um nível superficial, ou à difícil aceitação de frustrações, o que exigirá uma reestruturação psíquica. O não atendimento aos desejos é sentido como um crime de lesa-majestade já que a pessoa não tendo sido frustrada no início da vida desenvolve a convicção de que o mundo funciona tendo-o como centro privilegiado a ser atendido a qualquer custo. Estamos diante de um estado narcísico exacerbado. A ação conjunta do mundo que o trata como a qualquer outro + a percepção de que o vivido na infância foi uma ilusão da qual terá de se livrar + um trabalho psíquico doloroso de aceitação da realidade (não sou o centro do mundo nem tenho direitos absolutos e especiais em detrimento do direito de outras pessoas) poderá modificar este funcionamento psíquico permitindo-lhe conviver cordialmente com as outras pessoas e estabelecer uma relação de fato amoroso/sexual. Este processo de transformação do psiquismo necessita na maioria das vezes do auxílio de um especialista em relações humanas, de um psicoterapeuta. Trata-se de um processo difícil e doloroso mas vale a pena tentar.     
                                                        Nahman Armony

                Primeira publicação na revista CARAS

Nenhum comentário:

Postar um comentário