CONQUISTA E ABANDONO

                                                                  

    






Há um elemento nas relações amorosas que merece análise, pois pode interferir no estabelecimento de uma parceria. Refiro-me à idéia de “conquista”. Nesse caso, a aproximação amorosa teria seu desfecho quando uma das partes se revelasse tão apaixonada que nada mais poderia negar ao amado. Estaria então realizada a conquista e o desvalorizado objeto de amor, agora à mercê do vitorioso, já pode ser abandonado.
É a isso que dou o nome de “conquista”. Usando uma imagem de guerra, trata-se de “mais um avião derrubado”. Tem mais a ver com potência, com auto-afirmação e até  com vingança do que com ternura, afeto e derivados. Mas a conquista se torna impossível na ausência absoluta de afeto. Então, o que em geral mais encontramos é a mistura de desejo pelo outro com o prazer do triunfo. Como ocorre freqüentemente, um olhar penetrante na infância poderá nos guiar no nó labiríntico de sentimentos que constituem o amor.
Destaco dois aspectos polares ---  a conquista e a aproximação mútua -- de uma mistura complexa que é a atração erótica. Numa primeira etapa de vida, o amor erótico vai surgindo e se consolidando no recebimento de ternura, leite, cuidados físicos e carinho. Mais adiante, tendo já a criança adquirido uma inicial capacidade de discernimento, sente a mãe como conquistada; é uma mãe que pode ser controlada e manipulada para fornecer bens que, apesar da resistência materna, a criança deseja. Refiro-me aos objetos preciosos aos quais a criança só tem acesso pela mãe, como brinquedos, roupas, guloseimas, diversões. Ela experimenta um poder sobre a mãe ao vencer sua relutância em fornecer tais objetos. Esse é o componente de conquista do amor infantil.
A mãe que sabe exercer uma intimidade carinhosa, sabe trocar afetos e distingue necessidade de demanda –podendo criteriosamente atender às demandas materiais/afetivas próximas da necessidade --- estará preparando um ser humano capaz de lidar com os múltiplos e contraditórios sentimentos de uma relação amorosa.
Mães pouco sensíveis, que não percebem as demandas de afeto do filho, mas, por outro lado, atendem aos seus pedidos materiais, poderão criar uma conjuntura na qual a rejeição de intimidade com a conseqüente incompreensão afetiva convive com o sentimento de capacidade da criança de provocar comportamentos objetivos e obter artefatos. Para não se sentir rejeitada, a criança evita pedir afeto, concentrando-se naquilo que consegue pelo controle e manipulação da mãe: comportamentos objetivos e objetos materiais. A criança desiste da mãe afetiva. Isso, transportado para a idade adulta, resulta em conquistar e repudiar, usufruindo o parceiro por um tempo e abandonando-o antes que se concretizem os temores de se sentir incompreendido. A relação de afeto fica ofuscada pelas demandas objetivas e materiais. É próprio das demandas materiais exigir a todo momento novos objetos. E o parceiro, transformado em objeto, é trocado por outro antes que manifeste seu presumido comportamento de insensibilidade. A relação então se alicerça na dominação e não na compreensão.
As dosagens de mutualidade e conquista erótica em uma relação dependem de como experiências passadas foram elaboradas e transformadas em modos de vinculação. O aspecto conquista poderá ter menos força que o aspecto compreensão. A relação poderá então se manter por tempo suficiente para que a experiência presente corrija as distorções do passado. O reconhecimento do uso da conquista como defesa contra a frustrante sensação de falta de intimidade facilitará a preservação e o desenvolvimento da relação.

               Nahman Armony
                     
             
Primeira publicação na revista CARAS.        

          


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