Meninas criadas como seres frágeis, carentes de proteção, e meninos que crescem se achando sempre fortes compreensivos e blindados podem, ainda que não o queiram, reproduzir tais comportamentos na vida adulta, envenenando seus relacionamentos com expectativas e cobranças. O único meio de fugir dessas armadilhas do inconsciente é procurar compreender a sua dinâmica.
Existem famílias em que pai e
filha são muito apegados, o mesmo ocorrendo com o filho em relação à mãe. A
filha é a “princesinha” do pai e o filho, o “reizinho” da mãe. Como
princesinha, ela não herdará um trono, mas será resguardada pelo pai-rei, ou
marido-rei. Seu papel é ser frágil, sempre poupada e protegida, e ao mesmo
tempo forte, pois tal proteção é da ordem do sagrado e, portanto,
inquestionável, devendo ser defendida com unhas e dentes. Como “reizinho”, o
filho, tal qual o pai, tem direito ao melhor dos melhores, à melhor poltrona,
ao melhor lado da cama, à melhor posição para ver televisão, à melhor parte do
frango. Em compensação, deverá compreender a mãe mesmo em suas injustiças e
desvarios, sendo o protetor incondicional dela.
Eis aí uma das configurações
possíveis de um patriarcalismo em mudança: o homem agora não só é forte,
protetor e provedor, mas também sensível à sensível alma feminina, tendo a
função de não feri-la. A filha e a esposa têm o direito de exigir dele um
comportamento delicado, que respeite as suas suscetibilidades, enquanto ele –
macho duro - deverá suportar as
incompreensões e os mal-entendidos. Está armado o cenário para que, na próxima
geração, os encontros amorosos/sexuais apresentem dificuldades e exibam
excessivos e destruidores jogos de poder e dominação.
Imaginemos o seguinte contexto: a
moça, educada como peça frágil, uma preciosidade que se quebrará ao menor sopro
de contrariedade, acha que o namorado frequentemente age como um desastrado Mr.
Bean numa casa de vidros, tendo ela sempre suportado tal comportamento. A
despeito dos discursos da contemporaneidade -- igualdade dos sexos, força da
mulher, feminismo --, tal situação faz emergirem antigos padrões de
comportamento, remotas convicções de direitos inerentes e divinos, afinal, ela
é grácil porcelana chinesa a ser manejada com delicadeza. Se isso não ocorre,
fica magoada e desgostosa, estado de espírito perigoso, que poderá vir a
destruir um amor que, de outro lado, é prazeroso, alegre, livre, solto, feliz.
O que fazer?
O bom senso introduziria na equação um questionamento psicoterápico que pudesse levá-los a perceber a dinâmica existente. Se tal não acontece, corremos o risco de ela se colocar na posição de cobradora, exigindo que ele seja como o pai. Evidentemente não seria uma reivindicação consciente, mas uma exigência transparente em suas atitudes, como, por exemplo, a sugestão, com a mais doce das vocalizações, de que ele deveria estar sempre atento e sensível aos seus sentimentos para não contrariá-los, pois isso poderia levar à deterioração da relação. Seria uma espécie de cobrança antecipada, criando um débito perene, impossível de ser estinguido e que colocaria o namorado-pai na eterna posição de um devedor empenhado em saldar não só as dívidas presentes, como as passadas e as futuras. É claro que ao fim de algum tempo o homem que aceitasse tal exigência se transformaria em um trapo, e como tal seria jogado fora.
O bom senso introduziria na equação um questionamento psicoterápico que pudesse levá-los a perceber a dinâmica existente. Se tal não acontece, corremos o risco de ela se colocar na posição de cobradora, exigindo que ele seja como o pai. Evidentemente não seria uma reivindicação consciente, mas uma exigência transparente em suas atitudes, como, por exemplo, a sugestão, com a mais doce das vocalizações, de que ele deveria estar sempre atento e sensível aos seus sentimentos para não contrariá-los, pois isso poderia levar à deterioração da relação. Seria uma espécie de cobrança antecipada, criando um débito perene, impossível de ser estinguido e que colocaria o namorado-pai na eterna posição de um devedor empenhado em saldar não só as dívidas presentes, como as passadas e as futuras. É claro que ao fim de algum tempo o homem que aceitasse tal exigência se transformaria em um trapo, e como tal seria jogado fora.
Toda essa dinâmica é capaz de
tirar de um casal promissor a oportunidade de alcançar uma intimidade rica e
produtiva – oportunidade essa que poderia ser preservada se ambos fossem
capazes de perceber a dinâmica reinante e sua origem. Mas isso só é possível,
muitas vezes, por meio de um trabalho profundo de autoconhecimento que poderá
advir de um processo psicoterâpico.
Nahman
Armony
Primeira publicação na revista CARAS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário