MASCULINO E FEMININO -- EVOLUÇÕES


Não estamos demasiado distantes do tempo em que era comum desdenhar dos sentimentos femininos com uma frase depreciativa: “É coisa de mulher.” Esta postura hostil visava não só manter o poder do homem sobre o chamado “sexo frágil”, como também reprimir o feminino dentro do próprio homem. A beleza das uniões atuais está na possibilidade do ajuste sem submissão, ambos aptos a compreender e experimentar o sentimento do outro.
No passado, os papéis do homem e da mulher eram bem definidos. O homem cuidava do sustento da casa, indo à rua para trabalhar, enquanto a mulher se ocupava do lar e das crianças. Pensava-se que o homem, para vencer, tinha de ser objetivo, não se deixando atrapalhar por sentimentos e sentimentalismos. A sensibilidade e a afetividade eram para ser exercidas pela mulher no trato com as crianças e o arranjo do lar. Mas, ao mesmo tempo em que a sociedade entregava à guarda da mulher os aspectos femininos do humano, dela debochava, desvalorizava-a. “São coisas de mulher”, dizia-se com desdém, quando a mulher manifestava sentimentos. Tal ataque à sua subjetividade tinha a finalidade de combater o feminino existente em o Homem. Confinava-se a sensibilidade feminina às mulheres e desvalorizava-se tal sensibilidade; o Homem reprimia o seu feminino projetando-o na Mulher e atacando-o. Ao mesmo tempo em que o atacava com o intuito de manter um masculino forte, fazia do feminino um depósito do Bem, da afetividade, do cuidado com as outras pessoas.
Os tempos mudaram. Homens e mulheres se aproximaram no pensamento e na afetividade. Ambos permitem que o feminino e o masculino se manifestem em pensamentos, sentimentos e ações. Mas também há aspectos irredutíveis diferenciando os sexos. O aspecto físico é evidente. O funcional está na gravidez e na amamentação. O psíquico talvez esteja nos sentimentos maternais que a gravidez e a amamentação despertam e que só parcialmente são acessíveis aos homens.
Saindo-se do campo do extremismo irredutível, homens e mulheres podem compreender-se mutuamente, pois ambos possuem em si o masculino e o feminino. O hemisfério esquerdo, da racionalidade, e o direito, da sensibilidade são utilizados por ambos os gêneros, mas predominando o uso do esquerdo pelo homem e do direito pela mulher; hormônios masculinos e femininos circulam nos dois, embora em quantidades diferentes; meninos e meninas se identificam tanto com o pai quanto com a mãe, porém em proporções e intensidades diversas. Homens e mulheres têm, pois, a capacidade de compreenderem-se, porque aceitam em si o masculino e o feminino.
A maior parte das diferenças a negociar entre os dois sexos refere-se às proporções desiguais do masculino e do feminino que os constituem. (Vale assinalar que as atuais cirurgias e tratamentos hormonais questionam essa irredutibilidade. Mas não é disso que trata este texto.)
Presumamos agora uma situação de conflito. A esposa quer levar para o novo lar — um pequeno apartamento — uma peça qualquer de estimação. Imaginemos uma peça grande, como um armário. O móvel tomaria muito espaço e tornaria a morada desconfortável. Se estivéssemos no regime patriarcal, o desejo da mulher seria considerado “frescura” e não haveria negociação. Prevaleceria o pensamento objetivo masculino, porque a sociedade desconsiderava o aspecto subjetivo (afeto, beleza, simbolismo inconsciente) da vida das pessoas. Hoje, com a ascensão e a valorização social do feminino, certamente haveria uma negociação entre o subjetivo feminino e o objetivo masculino. A possibilidade de levar o armário não seria logo descartada, mas um diálogo se estabeleceria entre o feminino e o masculino de ambos. O que poderia perturbar a negociação seria a lembrança inconsciente dos tempos de submissão da mulher e da glorificação do homem. Uma nostalgia inconsciente dos tempos de mando talvez levasse o homem a adotar uma posição irredutível, assim como a mulher poderia tender para o irredutível por ser portadora das lembranças conscientes e inconscientes da antiga sujeição ao varão. A percepção consciente desses velhos desejos e receios facilitaria o entendimento entre homens e mulheres. E isso se torna tanto mais fácil quanto mais o homem aceita o seu lado feminino e a mulher, o seu lado masculino.
                                                        Nahman Armony
                         Primeira publicação na revista CARAS



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