Muitas vezes as pessoas, ao enfrentarem um rompimento,
têm dificuldade de entender o que se passou e de esquecer o amado ou a amada. A
abordagem central quando se vive uma situação dessas é perguntar-se: não posso
deixar de amar ou não quero fazê-lo? E por que não quero fazê-lo? O vazio dói
mais do que a uma presença constrangedora?
Uma resposta sincera é capaz de esclarecer os próprios
sentimentos e abrir novos caminhos.
Um jovem amigo procurou-me há alguns dias com marcas de
sofrimento no rosto. A esposa, para sua surpresa, lhe dissera que não mais o
amava e queria separar-se. Meu amigo tentou demovê-la com o argumento de que
tudo contribuía para continuarem a se dar bem, felizes. De nada adiantou o
esforço. E lá se foi ela com inabalável convicção, levando o filho do casal.
Tudo se resolveu do ponto de vista jurídico: visitas, contato com o filho,
recursos. Mas em termos afetivos foi um desastre: sofrimento, desespero, noites
mal dormidas, raiva.
Ele pediu a minha ajuda. Ajudar como? A única coisa que eu poderia
fazer era escutá-lo com simpatia e compreensão, acolhendo seu sofrimento. Vocês
sabem que nessa situação as pessoas se tornam monotemáticas e repetitivas.
Claro que meu amigo disse o quanto a amava; insistia que ela não tinha motivos
para abandoná-lo; perguntava-se o que ocorreria em sua relação com o filho;
afirmava que jamais deixaria de querê-la. Eis que, num golpe de inspiração, lhe
perguntei. “Mas você quer deixar de amá-la?” A resposta, até certo ponto
surpreendente, foi: “Não”. “Mas como?”, perguntei. “Como pode querer continuar
a amá-la sabendo que isso causa enorme sofrimento? Uma coisa é você não poder
deixar de amá-la, outra é não querer. Assim, perpetuará seu sofrimento e
fechará a possibilidade de novas relações.” Tive a impressão de um vislumbre de
luz no olhar de meu amigo. O sofrido de seu rosto pareceu atenuar-se com um
sinal de sorriso. Fui para casa disposto a matutar — não tivesse eu o vício da
psicanálise — sobre tão estranho desejo, que levaria a sofrimento permanente.
Como disse, sou psicanalista, e essa classe de seres tem a pretensão de poder
falar algo sobre as origens dos desejos nocivos. Com isso — aí está outra
presunção — crê que pode direcionar o desejo para caminhos mais amenos.
Por que desejar manter um amor que só traz sofrimento era,
pois, a minha questão.
A primeira e mais óbvia hipótese ligava-se à esperança de
reconciliação. Meu amigo queria manter seu amor intacto para, caso a ex-esposa
reconsiderasse a decisão, recebê-la com um amor em nada diminuído, já que o alimentara
pelo seu querer. Uma hipótese mais trabalhada foi a seguinte: a convicção de
ter uma esposa para sempre passou a fazer parte de seu psiquismo e participava
de seu equilíbrio mental. Perder a imagem da esposa o jogaria em uma crise
impensável, tornando sua vida caótica. Podemos entender melhor o que quero
dizer ao pensar na angústia da criança ao se separar da mãe; e que, se colocada
diante da ameaça de ela nunca mais voltar, depara-se com um abismo insondável
no qual cairá para sempre. É nesse momento que a criança precisa conservar a
todo o custo a imagem mental da mãe.
Assim munido, voltei a falar com ele. Com surpresa notei-o um
pouco melhor. Tivera interesse passageiro por outra mulher, acontecimento
ínfimo, porém indicativo de mudança de direção. Resolvi nada dizer, mesmo
porque não estávamos em situação analítica. Mas me espantei mais uma vez com os
mistérios da psique. O que teria acontecido? Fora uma melhora espontânea, que
teria ocorrido houvesse ele conversado ou não comigo? Teria sido meu
acolhimento? Ou a diferença que apontei entre o não poder e o não querer deixar
de amá-la fizera efeito? Faço a hipótese de que ele tem a insegurança
controlada pela fantasia de uma esposa que, à semelhança da mãe da infância,
lhe traria equilíbrio à vida e ao psiquismo: família, filhos, tranquilidade.
Manter a esperança conservaria a estrutura psíquica anterior e a estabilidade
que se perderiam não fosse a expectativa de reconciliação.
Espero que
esse recorte do cotidiano possa dar esperança e ajudar as pessoas que passam ou
virão a passar por sofrimento semelhante.
RELACIONAMENTOS TÊM FASES. COM O TEMPO, PASSAMOS A OUVIR MAIS DO QUE FALAR.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário. Enriquece a crônica.
ExcluirExcelente reflexão, Nahman!
ResponderExcluirObrigado Cynthia.
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