AMOR SENSÍVEL E AMOR PRÁTICO


                

                                       

       O amor, em sua riqueza, comporta vários pares de opostos, entre os quais o par que por falta de melhor terminologia chamarei de amor sensível e amor prático. Quando existe uma dificuldade em reunir o amor sensível ao amor prático ou vice-versa o cônjuge pode não se sentir amado.  

       Desenvolverei esta idéia usando como modelo a relação mãe-filho.

       Podemos idear uma mãe com dificuldade de contato físico, não podendo dar ao filho o carinho, o colo, o estímulo tátil de que necessita. Não é que a mãe não leve o filho ao regaço; ela o faz sim, mas de uma forma pouco afetuosa, quase como se estivesse carregando um embrulho. A desculpa que antigamente se dava era “não estragar o filho com mimos”. Seu amor se expressa nos cuidados materiais. A mamadeira cintilando de limpa, o leite na temperatura precisa, as roupinhas imaculadas do bebê, o quarto higienizado, as cobertas estendidas com perfeição, os cuidados com a saúde física, o atendimento imediato nas emergências, e mais e mais. Este, o amor prático.

       Em contrapartida podemos visualizar uma mãe capaz de uma relação íntima com o bebê, um amor de pele adivinhação e carinho extremo, de brincadeiras divertidas pontilhadas de risos e gritinhos, de trocas que são mútuos estímulos para se entrar numa esfera de paz, enlevo, alegria, harmonia indescritíveis. Esta mãe, porém, pode não estar atenta aos aspectos práticos do cuidado do bebê, tais como a higiene (demorar em trocar a fralda), à exposição gradativa ao mundo externo, à organização das atividades, etc.

       Entre adultos reconheceríamos o amor prático quando o parceiro exercesse suas funções sociais, econômicas, humanitárias e domésticas. A casa bem arrumada, abastecida, a reunião bem planejada com comes e bebes originais e saborosos, a dedicação ao consorte em situação de doença, o comparecimento a festas e reuniões com importância política e social, a ajuda financeira nas emergências, o cuidado de manter a casa abastecida, a disposição de gastar o necessário para poupar sofrimento e proporcionar conforto e segurança ao ser amado.  

       Quanto ao amor sensível ninguém o exprimiu melhor que Vinícius de Moraes. Diz-nos o poeta em seu famoso Soneto da Fidelidade: “De tudo, ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento.

       Acompanhemos o poeta em sua comovente dedicação: atento ao seu amor, capaz de sintonizar com o deslizar de afetos, emoções e desejos da amada, é essa própria dedicação que a torna uma mulher mais encantada que qualquer outra no mundo. Vinicius aqui não fala dos aspectos materiais da vida. Ele está falando do amor que se realiza na aguçada e sensível percepção dos estados de espírito, dos desejos, das insatisfações e incômodos do parceiro. Essa percepção permite que haja um respeito à sensibilidade e uma tolerância à susceptibilidade. O amor sensível exige um especial estado de despojamento do casal, cuja recompensa é a intensa e deleitosa troca afetiva que por vezes atinge o sublime, o êxtase, o divino.  Geralmente o amor sensível é acompanhado pelo amor prático. Mas não é raro encontrarem-se amores sensíveis sem seu complemento prático. São pessoas que embora coloquem em ação uma sensibilidade que lhes permite intuir e atender a subjetividade do parceiro, criando assim um vínculo forte, não conseguem ajudá-lo quando se trata de questões materiais. O inverso é também verdadeiro. Algumas pessoas, com dificuldade de estabelecer relações íntimas manifestam seu amor com cuidados práticos extremados. Não se pense, porém em desamor. Podem ser características intransponíveis originadas nas vicissitudes do desenvolvimento pessoal.

 

                           Nahman Armony 

          

 

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