“No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me
que nunca me amaste antes.” (“As
impurezas do branco” p.38).
Esta
situação impossível representa um desejo que permanece no inconsciente e que
por vezes vem à tona, seja sob forma de poema, seja sob forma de reivindicação.
É um desejo que une os amantes com fios de aço e os machuca como arame farpado.
Temos
de admitir dois níveis de relação: um nível inconsciente, infantil, expresso
por Drummond e outro que sabe ser este desejo de permanente amor uma quimera.
Há
períodos em que uma mãe devotada volta-se inteiramente para seu bebê
preenchendo as condições do poema de Drummond. Há outros em que a mãe necessita
se afastar não só por seus afazeres, mas também por necessidade de ter uma vida
própria.
De
forma semelhante poderemos encontrar no início da paixão uma situação próxima
ao poema. Querer manter eternamente este clima é uma impossibilidade que leva a
equívocos, à separação dolorosa, por vezes à morte.
Todo
casal tomado pela fantasia primitiva de preenchimento total estranhará tudo
aquilo que represente um afastamento deste desejo primordial. Um mínimo de
desatenção, uma voz menos carinhosa, um tempo maior de separação, o adiamento
de um telefonema, e muitos outros pequenos acontecimentos, colocarão o amoroso
em situação de ansiedade aparecendo uma insegurança (mesmo que saiba com outra
parte de sua personalidade que não é assim) quanto ao verdadeiro amor do
parceiro. É uma situação que mantém os amantes em suspenso, aprisionados,
preocupados em não deixar que o outro sofra as angústias da dúvida irracional.
Volto a repetir: racionalmente ambos sabem que adiamentos, mudança de
tonalidade de voz não significam deixar de amar; porém a força do inconsciente
se manifesta e a insegurança se instala.
Aqui
surge a grande questão da integração das emoções primitivas com o conhecimento
cognitivo. Quanto menor a integração mais a pessoa sofrerá com suas fantasias
primitivas. A integração é uma conquista difícil. Seria preciso saber focalizar
com força os aspectos práticos da vida. O amado pode estar preocupado com um
problema de trabalho, com a situação financeira, com algum problema de família.
Estas e outras coisas podem estar ocupando de tal maneira o seu psiquismo que
sua disponibilidade para a pessoa amada diminui. Se esse conhecimento puder
entrar em contato com a emoção primitiva formando com ela uma unidade funcional
o sofrimento expresso de forma algo jocosa pelo grande poeta tornar-se-á muito
menos presente e os amantes poderão usufruir a intensidade da relação quando psicossomaticamente
disponíveis sem o sofrimento das várias relativas distâncias impostas pela vida
e pela própria dinâmica psíquica que pode não suportar uma proximidade 24 horas
por dia. Em seu cume ideal uma relação amorosa se realiza em estado de fusão, com
perda de identidade dos parceiros. Esta é uma situação extraordinariamente
prazerosa, mas que em persistindo torna-se extremamente ameaçadora. Será
preciso então um movimento de afastamento e individuação para que cada um
recupere o seu próprio eixo quando então poderá voltar a viver as delícias de
uma intimidade fusional. Este movimento tanto permite viver a glória de um amor
sem limites quanto de preservar a individualidade. Os vários graus de
afastamento (e os de aproximação) não significam que o amor desapareceu.
Afastamentos e aproximações fazem parte de uma complexidade maior que é o ser
humano. Se este conhecimento cognitivo puder se amalgamar ao sentimento de
estar sendo permanentemente amado, a convivência amorosa ganhará em
tranqüilidade e relaxamento.
Nahman Armony
Primeira publicação
na revista CARAS.
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