Um motivo frequente de
briga de casais é a diferença das constelações subjetivas. Cada membro do casal
tem o seu jeito de sentir, o seu jeito de pensar, seus preconceitos conscientes
e inconscientes, suas superstições, seus valores, suas preferências, etc. Cada
um teve suas próprias relações pessoais formadoras da sua personalidade.
Decorre que sempre há diferenças entre dois seres humanos. Algumas são
irrelevantes. Outras, em constituindo o pilar de suas personalidades, podem
levar a sérios conflitos. Um exemplo disto é um analisando meu que, apesar de
sua formação machista, aceita que a noiva tenha os próprios amigos e que saia
com eles sem a sua companhia assim como aceita que ela tenha tido namorados
anteriores a ele. Mas sente-se muito incomodado em estar participando de alguma
atividade onde esteja um ex-namorado “que a tinha comido”. Um resto de sua
formação psicológica machista.
Mas, mesmo um assunto
menos sensível pode se tornar fonte de desentendimento especialmente quando há
sentimento de não estar sendo compreendido pelo parceiro. Segue-se um exemplo retirado
de minha clínica. Uma analisanda relata que certa noite ela e o marido pegaram
um táxi. Carro velho, motorista gordo, esparramado no assento, mal-humorado,
com cara de “poucos amigos”. Rádio em altura excessiva tocando uma música
desconfortável. A mulher pede de uma forma educada, para abaixar o volume. O
taxista faz ouvidos moucos. O marido, após o tempo de aproximadamente 4
respirações reitera, também educadamente, o pedido. O taxista, após um tempo de
suspense, atende. A mulher, sussurrando diz: “teria sido melhor chamar um taxi
de cooperativa; eles são mais educados”. Apesar do esforço para não ser ouvida,
o taxista mostrou que tinha uma ótima audição, pois parou o carro fazendo o
casal sair com a desculpa de um defeito. O taxi se foi e eles ficaram na
calçada à noite, a rua com quase nenhum movimento. A esposa ficou indignada,
arrependida de não ter tomado nota do número da placa para fazer queixa no
lugar apropriado. O marido não ficou indignado. Diferença de sentimentos.
Seguiu-se uma conversa tendo como pano de fundo a divergência. Resultado:
discussão e amuo do par. Ao analisarmos o acontecido apareceu o sentimento de
ter sido expulsa, o sentimento de humilhação, o desejo de justiça/vingança e o
sentimento de não ser compreendida pelo marido. A sessão girou em torno da
questão da aceitação das diferenças e da possibilidade de se chegar a algum
tipo de acordo. Numa sessão posterior contou que havia conversado com o marido
e que tinham encontrado um ponto em comum: as autoridades competentes deviam
ser informadas: a diferença inicial é que para a mulher deveria haver uma justiça
punitiva, pois ela se sentira humilhada e agredida pela expulsão e estava em
busca de uma justiça/vingança do tipo “olho por olho...” atenuado. O marido que
não se sentira nem humilhado nem agredido achava que o mais importante seria
levá-lo a fazer um curso de civilidade. Essa diferença tinha a ver com a
constelação subjetiva de cada um traduzida em postura ética. O marido concordou
que era compreensível ela ter-se sentido humilhada podendo então consolá-la e
ela aceitou que o marido pudesse não se sentir degradado pela grosseria que
poderia ser compreendida como uma reação do taxista ao ouvir o comentário
sussurrado pela esposa. Foi um episódio de desavença que chegou a um final
feliz graças à análise o que nem sempre acontece tão rapidamente, pois há
outros fatores em jogo como ressentimentos, lutas pelo poder, necessidade
imperativa de uma relação de espelho, etc. É como se a divergência fosse
alimentada por antigos ressentimentos nem sempre conscientes e que aproveitavam
a ocasião para terem seus afetos descarregados. Mas o desejo de entendimento
pode superar estas constelações inconscientes desde que se entenda as
subjetividades em jogo na conformação de um episódio.
Nahman Armony
Primeira publicação
na revista CARAS.
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