Existe um generalizado medo de ser
influenciado e então perder a identidade. É um temor que alcança todas as áreas
do humano, desde a relação entre povos até a relação de casal. Não é possível
dizer que seja um sentimento facilmente reconhecível. Pelo contrário somos
inconscientes dele, embora influencie nossas ações. As conquistas territoriais,
os massacres de populações, a imposição de cultura são, em parte, uma defesa
agressiva contra a invasão do outro em mim.
Este
medo de ser influenciado e perder a identidade está profundamente incrustado no
ser humano. Existe no início da vida uma tendência a se perder no outro, a
desaparecer dentro da mãe, tendência que se mantém em surdina enquanto age vigorosamente
o desejo de individualização.
Quando
um casal discute sobre o modo de usar o tubo da pasta de dentes cada um
querendo provar que a sua maneira de manipulá-lo é a melhor, trata-se na
realidade de uma luta de personalidades. Qual a personalidade que vai
prevalecer? Quem vai devorar quem? Quem vai desaparecer e virar uma sombra para
que o outro possa ou ocupar um espaço pleno ou ficar tranqüilo quanto à ameaça
de ser invadido, colonizado, controlado? Na economia das relações entre os
seres vivos o grupo funciona com mais eficiência quando se estabelecem relações
hierárquicas. Caso contrário cada um sairia atirando para um lado e não haveria
uma sinergia de ações condição sine qua non para a sobrevivência do grupo, pois,
em condições primitivas, o grupo tenderia a desaparecer destruído por outros
grupos. Essa é uma herança que os humanos carregam consigo para todos os lados,
em todas as situações. Inclusive, é claro, nas relações amorosas. É preciso
fazer um esforço para identificar este receio atávico para poder neutralizá-lo.
Os casais deverão estar atentos às pequenas disputas. Não só elas podem estar
escondendo questões maiores da relação como também podem estar vinculadas a
esta questão primordial que é o medo de desaparecer na voragem do outro.
Sem
dúvida existe a necessidade de auto-afirmação para estabelecer limites e espaços
de cada um. Cada membro do casal tem sua forma própria de pensar e agir. Quando
tento convencer o outro que meu modo de pensar é o verdadeiro, entro no terreno
da disputa, da conquista, do desejo de ocupar com minha personalidade o máximo
de espaço e com o medo de ver a minha individualidade anulada pela
individualidade do outro. Quanto maior for a autoestima de cada um, quanto
maior for a certeza de ter um centro autônomo e criativo, menos este tipo de
disputa aparecerá. Cada membro do casal será uma força em si que não precisará
dobrar a força do outro para ser forte. Ele não é forte porque domina o outro,
mas porque tem uma potência intrínseca em si mesmo. Sem dúvida nenhuma a
dominação traz lucros para o dominador e de certa maneira também para o
dominado que conhecendo seu papel e seu lugar goza de uma tranqüilidade e
segurança fictícios. Recentemente assisti ao depoimento de uma mulher: ela
deixou o encargo das finanças para o marido. Certo dia este homem descartou-se
da esposa que ficou sem recursos enquanto que ele fartava-se do resultado de
transações malandras e enganosas. Durante mais de uma década a esposa viveu uma
situação de segurança e tranqüilidade para de repente ver o seu mundo
desmoronar.
O medo de ser influenciado e de perder
a identidade pode levar a querer dominar o outro, e a partir daí, o gosto do
poder poderá se expandir provocando situações cruelmente injustas. É importante
que o casal perceba que a tentativa de imposição de seus pequenos gostos
pessoais tem um fundamento em sentimentos primitivos da humanidade. Eles são
avatares do atávico medo de desaparecer como individualidade. Por isso mesmo
devem ser bem administrados, e para tal precisam primeiro ser reconhecidos.
Nahman Armony
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