DIFERENÇAS DE MENTALIDADE DIFICULTAM ENTENDIMENTO



Assisti recentemente ao filme “Quando um homem ama uma mulher” em exibição nos canais por assinatura. Uma película reveladora de sutilezas de comportamento relacionadas a diferentes mentalidades. Enquanto cada membro do casal está fechado em seu mundo, sem poder perceber o mundo do outro, as tenuidades da fala e da expressão corporal podem ser interpretadas como desrespeito.
O filme fala de um amor sólido, substantivo e perseverante; tão perseverante que resistiu a profundas diferenças de mentalidade que quase inviabilizaram o casamento. A união só pôde retomar sua vitalidade quando brechas no psiquismo permitiram uma compreensão mútua.
Se ficarmos atentos não só às linhas, mas também às entrelinhas do filme dele tiraremos bom proveito. Desde o início, um férreo liame uniu Alice e Michael.  Havia muito amor circulando entre os dois e, mais tarde, entre os quatro, quando um par de filhos veio se acrescentar à família. Uma tragédia porém estava à espreita. Alice retorna ao alcoolismo, afasta-se do lar e a ele mais tarde retorna tentando se readaptar à vida familiar ao mesmo tempo em que freqüenta os “alcoólatras anônimos”. Aqui já se coloca uma interrogação. Se a família era tão feliz como pôde o alcoolismo se insinuar nessa liga amorosa? Neste ponto o filme nos fornece pistas para começarmos a entender como um casal que se ama, que ama os filhos e que quer preservar o casamento pode ser corroído a partir de diferenças de mentalidade. Uma dica da dinâmica do casal nos é dada quando Alice aponta a satisfação que o marido tira de se sentir superior a uma mulher fraca e problemática. Está aí colocada uma situação de inferioridade, que também aparece no trato com os filhos: o pai aparece interferindo na relação da mãe com as crianças, tirando sua autoridade e deixando-a em segundo plano. Para Michael esta é uma situação natural. Ele é o chefe e orientador da vida da família, o dono do saber; a esposa deve aceitar sua superioridade e seguir seus preceitos. Um outro aspecto menos evidente que aparece é a excessiva objetividade do marido revelada na frase “eu só posso consertar se souber o defeito” quando tenta ajudá-la. O alcoolismo da esposa é um problema a ser resolvido, e como problema terá certamente uma solução desde que se siga a direção certa. Essa direção certa e única que desconsidera as complexidades do psiquismo é ele quem conhece. O fato dela não seguir seus preceitos, ou pior, ao segui-los fracassar, faz com que ele se sinta desprestigiado, diminuído na sua condição de um mentor de família que deve resolver todos os problemas.
         Poderia parecer que o amor do casal terminara. Pois não é esse o caso. Ao contrário, havia um amor tão sólido que ao final eles conseguem se reaproximar reavivando o afeto que surdamente habitava seus corações. Isto exigiu um grande esforço dos dois. Dele, no sentido de engolir seu orgulho de macho e passar a freqüentar um grupo de parentes de alcoólatras. O impacto de uma outra mentalidade masculina fez com que ele abandonasse de supetão a primeira reunião. Não é fácil promover modificações em um modo de ser que desde muito cedo se foi formando e terminou por consolidar-se. Há uma espécie de abalo, de terremoto na personalidade. Porém, o desejo de poder viver e amar a escolhida fê-lo persistir. Uma outra mentalidade foi-se formando, mentalidade na qual cabia não ser ele o dono do saber, a obrigação de tudo resolver, e, principalmente, a percepção que não bastava ter um plano objetivo e querer seguir este plano para conseguir resultados. Começou a perceber que a mente humana é extremamente complexa e que seus caminhos são tortuosos, inesperados e oscilantes. E ela pôde entender que a incompreensão do marido não vinha da falta de amor, mas de uma educação machista. Um recomeço tornou-se possível.

                                                                        Nahman Armony

Primeira publicação na revista CARAS.

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