Nós, humanos, aceitamos sem estranheza
nem questionamento as leis físicas: o que é jogado para o alto cai, o fogo
queima, a água molha, etc. Não as achamos misteriosas. São fatos da natureza e
em relação a eles não aparece nenhuma indagação. Fazem parte natural do
funcionamento do mundo. Aceitamos estes fatos e não os achamos enigmáticos, a
não ser que nos coloquemos em uma perspectiva filosófica.
Há, porém, outras regularidades
que nos intrigam, como a da moeda que se lançada inumeráveis vezes se
aproximará cada vez mais de 50% de cara e 50% de coroa. Faz parte dos fatos que
temos de aceitar embora os estranhemos. E, realmente, nós os aceitamos quando
fazemos nossas apostas dentro de um
cálculo de probabilidades. O que, sim, temos dificuldades de aceitar são certas
regularidades humanas que até hoje, apesar de seus séculos de existência são
repudiadas. Uma delas, e de grande importância pelas suas conseqüências, é a
tendência adulterina dos seres humanos. Ao lado da tendência monogâmica, a mais
aceita e valorizada pela subjetividade atual, existe uma tendência poligâmica,
repudiada e estigmatizada. A pergunta é: por que uma regularidade que existe há
milênios não foi até hoje incorporada à subjetividade como algo inerente à
natureza do homem? A infidelidade está em toda a parte: nos jornais, nas
fofocas, na História, na política...existe um livro (“O movimento pendular”)
escrito por Alberto Mussa onde encontramos a tese de que “o conceito de adultério foi anterior ao de incesto,
sendo o adultério, e não o incesto, essa instituição fundamental do Homo
Sapiens” (palavras do próprio
Alberto Mussa em uma entrevista para o
site da Livraria Record). No entanto a pessoa infiel é vista pejorativamente,
preconceituosamente, como se o impulso amoroso e sexual fora da relação a dois
fosse maligno, indigno, absolutamente inaceitável, moralmente hediondo. Isso
não quer dizer que o ser humano seja indiferente à infidelidade: a decepção e o
ciúme, em maior ou menor grau são suas conseqüências inevitáveis.
O ciúme tem uma base biológica:
o macho de qualquer espécie animal quer que os seus gens predominem e para isso
precisa evitar que as fêmeas copulem com outros machos. O ciúme está a serviço
da raiva e agressividade, levando o ofendido a anular o rival. Carregamos esta
herança atávica em nossos cromossomos, mas o processo civilizatório conseguiu
atenuá-los com o passar dos séculos. Porém, como humanos, introduzimos uma
outra complicação. Durante nossa infância dependente (o bebê humano é o mais
desamparado e dependente dos mamíferos) apegamo-nos à nossa mãe e tememos
perdê-la, razão pela qual qualquer pessoa que dela se aproxime será objeto de
ciúme, raiva e desejo de destruição. Ao crescermos elaboramos estes sentimentos,
mas eles persistem de forma atenuada e disfarçada. Assim como fomos “reizinhos”
para nossa mãe, assim como fizemos uma fantasia de exclusividade, assim
queremos, ao nos tornarmos adultos, que nosso “the One” somente tenha olhos de
amor erótico e apaixonado para nós; desejamos repetir na idade adulta a
fantasia infantil arcaica de ser o Único para aquela pessoa. Aí estão algumas
das bases da violência apaixonada com que se vive a infidelidade. Mas o homem
já se deparou com muitas realidades intoleráveis que acabou por aceitar. Por
que não pode então acatar que, tal como o ciúme, a infidelidade é um dado inelutável
da natureza humana? A desnaturalização da infidelidade torna o ciúme ainda mais
perigoso, pois as pessoas se sentem justificadas para tratar o infiel como se
fosse um deformado mental a ser punido ou mesmo destruído de forma cruel. Se se
retirasse a pecha de aberração da infidelidade, seria mais fácil lidar com o
ciúme reduzindo o sofrimento e evitando conseqüências trágicas.
Nahman Armony
Primeira publicação na revista CARAS.
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