BENS MATERIAIS E BENS AFETIVOS

BENS MATERIAIS E BENS AFETIVOS
                                                                               Nahman Armony

        Ser jovem é ter mil planos na cabeça. A vida é um mar aberto navegado com esperança e entusiasmo; seu porto de chegada é uma bela e alegre existência sonhada. Geralmente o timoneiro almeja ter um companheiro de viagem, ao mesmo tempo seu amor e seu sócio. Como amor deverá preencher todas as necessidades afetivas&corporais vivenciadas nas primeiras relações com a mãe e desenvolvidas em subseqüentes relacionamentos amorosos. Espera-se que o carinho, a carícia e a realização sexual surjam exatamente na hora e na medida desejada; espera-se que os pontos psíquicos sensíveis de cada um sejam invariavelmente reconhecidos, respeitados e tratados com delicadeza.  Só a vida em comum irá desfazer a ilusão de um tal encaixe perfeito, onde o companheiro corresponderia exatamente ao desejo do outro. Há um difícil trabalho a ser realizado para a aceitação gradativa dos desencontros e das diferenças individuais.
Mas há outra ilusão a ser desfeita. Esta se refere à face de sócio da relação amorosa. No pólo ideal espera-se que o companheiro venha a conquistar posições profissionais, financeiras e sociais extraordinárias. A fantasia originária que corresponde a este desejo nós a encontramos na figura do Pai Primitivo, aquele que era visto pela criança como capaz de satisfazer todas as necessidades materiais&afetivas. Assim como o inconsciente sonha com um amoldamento perfeito referido à vivência com a Mãe Originária, também sonha com uma proteção onipotente referida ao Pai Primitivo. Esta proteção fantasmática ecoa nos aspectos financeiros e sociais do casal. Se esta não atende à expectativa inconsciente de um Pai Provedor a credibilidade do cônjuge fica abalada. Será então preciso todo um trabalho de discriminação entre a figura do parceiro e a personificação inconsciente do Pai Todo-Poderoso para que a relação amorosa não tome rumos tempestuosos. Os ideais excessivos, ainda ligados aos desejos e fantasias infantis onipotentes, deverão ser desbastados até corresponderem às capacidades e limitações de cada membro do casal e do casal como um todo.
Essa situação pode tornar-se mais aguda quando os proventos da mulher superam os do homem. Estamos aqui diante de uma diferença. Embora ambos esperem acolhimento carinhoso (mais associado à Mãe Primitiva) e proteção onipotente (mais associada ao Pai Primordial), estes desejos se distribuem de forma desigual. A mulher mais exige do homem sucesso financeiro e profissional e o homem mais espera da mulher agrado, meiguice e aconchego.

Estas expectativas inconscientes estão imbricadas com a mentalidade na qual estamos mergulhados. Campeia em nossa sociedade a competição predatória, o consumismo desmedido, o exibicionismo, a inveja, o desejo de estar acima dos outros, a lei do ”tomaladacá”. Esta materialidade e mercantilismo sufocantes invadem o lar e provocam picuinhas, implicâncias, comparações, acusações, brigas. Fala-se, por exemplo, do último modelo de televisão que o vizinho ou amigo já tem e que o casal ainda não pôde comprar e de quem é a culpa? quem deve trazer dinheiro para casa? A mulher dirá que a culpa é do marido e este se sentirá desvalorizado, culpado, envergonhado e então em algum momento dará o troco que poderá ser escancarado ou sutil. A retaliação poderá ser “você não sabe cuidar da casa, de mim, dos filhos” ou qualquer outra que mexa com a competência dela. Os pontos fracos de cada um serão farpeados. O amor inicial que os uniu torna-se esmaecido e é substituído pela ânsia voraz de estar o mais próximo possível do topo da pirâmide social. Para reverter essa situação é preciso ressuscitar o amor adormecido colocando-o acima das ambições financeiras e sociais. Será então possível uma convivência mais harmônica e prazerosa trazendo mais satisfação para o casal e mais segurança para os filhos.               

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