A DIFÍCIL INTIMIDADE


Ansiamos por reviver uma vivência ancestral, indelével: a profunda ligação do bebê com a sua mãe. Queremos amar, pertencer, confiar, compartilhar; sermos verdadeiros e nos entregar, de corpo e alma à pessoa amada. Mas em algum momento temos receio de perder a autonomia, a identidade e, com frequência, nos ressentimos das diferenças existentes entre os dois seres.
Para entender melhor os sentimentos humanos relativos à experiência de intimidade do casal adulto, vou me reportar aos primeiros tempos de vida. A mãe é nosso primeiro grande amor. Ela é tudo para o neném: doadora de vida, leite, carinho, sensações corporais, afeto e o que mais possamos imaginar. Entre a mãe e o bebê se estabelece uma intimidade de corpo e alma. Corpo e alma se olham, se tocam, se abraçam, se interpenetram. Essa união é fonte de prazer e felicidade. Uma experiência que permanece marcada no corpo e na alma e que tentamos reviver durante a vida. A confiança do bebê na mãe é infinita. Ele se encontra aberto aos sentimentos maternos e sua fé na mãe doadora irá, por um tempo, se tornar absoluta. Mesmo quando a mãe, por força das contingências da vida e do crescimento, desapontar o bebê, ele dará um jeito de preservar o sentimento de plenitude atribuindo os desapontamentos a outra entidade — digamos, a um duplo da mãe, uma gêmea frustradora. Haverá, contudo, um momento no desenvolvimento em que não mais será possível manter tal divisão. Mãe gratificante e mãe defraudadora serão uma só pessoa. O paraíso desaparece, então, da vida do ser humano; porém não se desvanece no horizonte. Um horizonte que os mais privilegiados poderão alcançar periodicamente e por períodos limitados de tempo. A vida ficará pontilhada de momentos de sublimes encontros. Mas para isto será necessário enfrentar obstáculos: alguns inerentes ao ser humano, outros eventuais. O bebê poderá deparar-se com uma mãe que, assaltada por preocupações, ou deprimida, ou ansiosa, ou rancorosa, não terá condições de abrir seus poros, seus olhos, sua sensibilidade para realizar trocas afetivas,  eróticas, e mentais com o bebê. Mas a criança sabe se defender. Assim como a mãe aprende a lidar com as idiossincrasias do filho, o mesmo acontece no sentido contrário. O bebê aprende a lidar com a personalidade, o temperamento e o caráter da mãe. Desenvolve-se um dinamismo que tende a um quase equilíbrio confortador, mesmo nas situações intersubjetivas mais exasperadas e ameaçadoras. O importante é manter o sentimento de que em hipótese alguma haverá abandono. Há um aprendizado mútuo em que as sensibilidades são percebidas e movidas de modo a manter o encantamento.
Em algum momento o filho olhará para um mundo além da genitora. Será um momento de choque. Mas a curiosidade, o desejo de expansão, o espírito de aventura empurram o bebê e a criança para fora do ovo diádico ainda que persistam o desejo de segurança, do colo quentinho, confortador e protetor. Se a sensibilidade da mãe não alcança a ambivalência destes dois impulsos, se ela não percebe estas duas direções conflitantes, não poderá transmitir ao filho a plena aceitação do paradoxo, o que lhe permitiria aguardar o (des)encontro com a objetividade e externalidade, em um estado de desequilíbrio equilibrante menos instável. 
 A relação amorosa adulta conserva elementos do amor infantil. Um ato sexual íntimo é aquele em que os corpos estão abertos um para o outro. Tal abertura implica confiança, desejo de receber o outro e seus líquidos dentro de si, pele galvanizada e porosa, pronta para a troca de energias e afetos mutuamente estimulantes, realizada em uma sequencia minitemporal de eventos que passam de um corpo ao outro, de uma sensibilidade à outra. A atração sexual, que na sua máxima expressão é desejo de fusão, torna contínuos e comunicativos os corpos amantes, numa comunicação incessante e sutil. Essa experiência de intimidade tende a continuar na vida exterior à da cama. Mas há diversos obstáculos: o medo de se perder no outro, de perder a autonomia, a identidade, o poder. Também as diferenças de personalidade, de comportamento, rotina ou ideologia, quando não toleradas, tornam-se pedrículas de ressentimento que dificultarão a intimidade. É fundamental, portanto, ter consciência dos obstáculos e, principalmente, desejar ultrapassá-los. Assim se nutre o desenvolvimento da intimidade adulta.

                                               Nahman Armony 

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