ZELO OU CONTROLE?





Para algumas pessoas, o fato de o parceiro ou parceira não perguntar a todo momento para onde ele ou ela vai, não telefonar com freqüência ou não se interessar por detalhes de sua vida são atitudes percebidas como desinteresse ou mesmo falta de amor. Para outras, é o contrário. O monitoramento excessivo traz-lhes a sensação de privação de liberdade, desrespeito à privacidade, desconfiança quanto à fidelidade. Ambas as formas de agir -- e as reações por elas provocadas -- podem comprometer a relação. Porém, na maioria das vezes é possível relevá-las e viabilizar a convivência com elas, preservando o amor e a parceria.  
Precisamos nos voltar para a infância para melhor entender as forças em operação no psiquismo do adulto.
Ao nascer, o bebê imagina a mãe como parte de si e acredita que exerce controle absoluto sobre ela. Basta chorar que a mãe aparece para suprir sua necessidade. À medida que cresce, percebe que ela é uma criatura independente e que nem sempre responde com presteza ou nem mesmo atende às suas solicitações. Desesperada, temendo perder a mãe, a criança busca recuperar o controle refinando os procedimentos. Aos poucos, aprende quais ações são efetivas para conseguir o que deseja. Se antes lançava mão apenas do choro, agora usa a culpa, a amolação, a graciosidade, a chantagem emocional. Ao mesmo tempo, o afeto pela genitora vai crescendo. A preocupação com seu bem-estar, tranqüilidade e saúde ganha força. As perguntas “o que a mamãe está fazendo?”, “para onde ela foi?”, “com quem ela está?” têm os componentes de controle e afeto, além dos de curiosidade, aprendizado, identificação e certamente outros, mais sutis. Mas me interessa falar das duas correntes psíquicas postas em evidência mais acima: uma que deseja controlar e outra que deseja cuidar da mãe. A primeira está ligada ao medo de não sobreviver sem sua presença; a segunda, ao amor por ela. Ao amar a mãe, a criança sente-se reciprocamente amada. O controle começa a perder a razão de ser: uma mãe amorosa não vai abandoná-la ou negligenciá-la. O próprio amor se torna fator de segurança, dispensando o controle. Porém persiste o sentimento primitivo de que é o controle que faz a mãe aparecer e a mantém amarrada e atenta.   
Como somos herdeiros de nosso passado, nos mantemos em parte no registro do controle e em parte no do zelo; sem esquecer do natural desejo amoroso de participar de tudo que se refere ao amado e da curiosidade sobre suas atividades.
Alguns adultos aceitam o controle e o consideram, assim como ao ciúme intenso, intimamente ligado a ele, como provas de amor. Outros, porém, sentem-se sufocados, aprisionados e ofendidos com o mínimo de indagações sobre suas atividades. Estes só percebem o controle e não conseguem ver o aspecto de cuidado na atitude do outro, mesmo quando é predominante.
Desde que não haja fatores complicadores, a necessidade de controle vai sendo lapidada até se perder no amoroso desejo de acompanhar a vida do parceiro. O que persistir poderá ser carinhosamente aceito, a não ser que se tenha criado, por circunstâncias do desenvolvimento, uma ojeriza pela atitude fiscalizadora. Em geral, negocia-se um certo encaixe entre o medo de ser controlado de um e o desejo de controlar de outro. Se os aspectos de zelo do “querer saber” puderem ser percebidos e valorizados, e se o casal está disposto a desenvolver a relação em direção a um equilíbrio, o medo de ser controlado ou a idéia de que a falta de controle significa desamor podem ser minimizados, vindo a permitir uma convivência rica e gostosa. 

                        Nahman Armony

   Primeira publicação na revista CARAS


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