AZUL
É A COR MAIS QUENTE
Nahman
Armony
Este é um filme riquíssimo que pode ser
abordado de diferentes pontos de vista e que traz a tona inúmeras vicissitudes
do ser humano no seu desenvolvimento. Do filme focalizarei dois aspectos: as
diferenças entre o modo de amar de cada uma das protagonistas, e o aspecto de
amadurecimento trazido pelo sofrimento. Estes últimos advêm das frustrações e
sofrimentos e mancham o azul paradisíaco com cores ferventes, lúgubres,
lutuosas e outras, numa amálgama que se coaduna com a realidade da vida. Qual a idade de Adèle e a de Emma, as duas
protagonistas deste filme? Digamos que Adèle tenha uns 16 anos e Emma uns vinte
e poucos. Mas isso interessa menos que a atitude de ambas. Adèle é uma jovem voraz,
insatisfeita, desejosa de engolir o mundo para experimentá-lo e que sabe pouco
de si mesma. Podemos dizer que ela está em busca da formação de uma identidade.
Emma, mais tranquila e experiente, está mais cônscia de seus desejos e de sua
identidade. Adèle mergulha num turbilhão de sentimentos, na tentativa de
construir-se. Sua relação com um rapaz lhe é insatisfatória mesmo porque já
havia se apaixonado por uma moça cujos cabelos azuis marcam uma diferença que a
fascina. Seu olhar atrai o olhar de Emma que a olha com um interesse erótico. Os
olhares das duas jovens (e isto só saberemos com mais certeza com o
desenvolvimento do filme) têm diferentes significados: Adèle é imediatamente
lançada no abismo da paixão devoradora, uma paixão que quer apropriar-se da
personalidade da outra, mas sem roubá-la. Adèle necessita participar da
feminilidade de Emma para formar a sua própria. Digamos que ela se apaixona por
aquilo que difusamente sente que seja o SER de Emma. Esta, por sua vez, tem uma
paixão erótica mais superficial. Adéle a atrai por sua beleza ingênua, por sua
mocidade, por sua avidez, pela paixão idealizada que a adolescente lhe devota.
Ela aceita então os seus avanços afetivos, eróticos e sexuais. Ela tem prazer
em lhe ensinar os segredos femininos do amor e do sexo. Mas este aprendizado se
esgota assim como se esgota a experiência de fusão e simbiose. Ela agora se
incomoda com os modos simplórios, com a falta de ambição e mesmo, com a
dedicação excessiva da namorada. Seu desejo então se dirige para a antiga
amante, intelectualmente mais próxima dela e com quem podia realizar trocas não
só afetivas, mas também culturais. Sua insatisfação para com Adèle se manifesta
pelas críticas a sua formação cultural, pelo seu afastamento, e pela sua
evidente satisfação em desfrutar da companhia da outra. Adèle, perturbada,
procura se distrair para combater a inquietação e sofrimento que o
comportamento de Emma lhe causa e acaba por ter um affaire com um colega de trabalho. Emma tem uma crise de raiva e
expulsa a namorada de sua casa desbotando o azul da idealização juvenil. A
frustração, o sofrimento, a impossibilidade de mudar a situação mostram a Adèle
que a vida não é um paraíso e que ela deverá suportar dores e desilusões. O
golpe final acontece quando após alguns anos ambas se encontram a pedido de
Adèle e, apesar da mútua atração, Emma escolhe ficar com a pessoa que lhe é
mais próxima, não pela paixão sexual que continua pertencendo a Adéle, mas pela
maneira de pensar, pelos objetivos na vida, pela sofisticação cultural. É mais
um baque na onipotência de Adèle reforçando sua percepção da indiferença e
implacabilidade do destino. As pancadas do fado obrigam-na a amadurecer. Este é
o aspecto necessário e positivo das decepções amorosas.
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